Arrocho dos juros aqui dentro e nos EUA ameaçam economia

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 16 de junho de 2022

A alta das taxas básicas de juros nos Estados Unidos, embora já aguardada pelos mercados, veio em intensidade maior do que a esperada por uma parte do setor financeiro, ao menos aqui dentro – ainda que não tenha representado de fato uma “surpresa” especialmente para o mercado norte-americano. Submetido a pressões intensas por parte dos tais “agentes do mercado”, que vinham forçando a mão em defesa de aumentos mais vigorosos, alegando certa “frouxidão” da autoridade monetária na condução da política de juros, o Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA, operou o aumento mais intenso em quase três décadas.

Como resultado, os juros básicos foram aumentados em 0,75 pontos de porcentagem, para um intervalo entre 1,50% a 1,75% ao ano – taxas imensamente inferiores àquelas praticadas no Brasil, mas num movimento que corresponde a uma intensificação na política de aperto monetário iniciado de forma mais gradual ainda no ano passado. As expectativas por lá são de pelo menos mais duas rodadas de elevação das taxas, resultando em juros ao redor de 3,0% a 4,0% ao final deste ano, com consequências sobre a economia em todo o globo.

Parte daquela elevação, na verdade, já havia sido antecipada pelos mercados e, portanto, seu efeito sobre os preços dos ativos (ações, títulos financeiros, commodities e outros) tende a ser amenizado. De toda forma, antecipam-se movimentos estimulados pela remuneração relativamente mais elevada dos títulos do Tesouro norte-americano, comparada ao período anterior ao arrocho nos juros. A segurança oferecida por aqueles papéis pode estimular alguma fuga de capitais estrangeiros do Brasil rum aos EUA, causando desvalorização do real frente ao dólar mais à frente. Ontem, no entanto, o mercado reagiu inicialmente à decisão do Fed com recuo na cotação do dólar em reais (quer dizer, trouxe valorização marginal para a moeda brasileira).

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O encarecimento do crédito, aqui dentro e lá fora, tende a desaquecer a economia, reduzindo as possibilidades de um crescimento mais acelerado, com reflexos ainda sobre o mercado de trabalho, a oferta de empregos e, portanto, sobre o desemprego. A renda das famílias, que já vinha derrapando, sofrerá ainda mais, levando, ao final, a uma retração nas decisões de consumo, com reflexos duvidosos sobre o nível dos preços em geral.

Como esperado…

Aqui dentro, conforme já antecipado pelo próprio Banco Central (BC), os juros básicos foram elevados ontem, horas depois do anúncio do Fed, em mais meio ponto de porcentagem, para 13,25% ao ano, num arrocho muito mais severo do que o praticado pelo banco central norte-americano, com consequências mais danosas sobre a atividade econômica e o emprego, como já registrado, e impactos igualmente negativos sobre a dívida pública bruta. O Comitê de Política Monetária (Copom), formado pela alta diretoria do BC brasileiro, já antecipou mais um aumento “de igual ou menor magnitude” em sua próxima reunião, programada para os dias 2 e 3 de agosto.

Balanço

  • Segundo comunicado liberado após a reunião finalizada ontem, o Copom considera que “a crescente incerteza da atual conjuntura, aliada ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos ainda por serem observados, demanda cautela adicional em sua atuação”. Mas acrescenta, algumas linhas acima: “diante de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário continue avançando significativamente em território ainda mais contracionista”.
  • O comitê, prossegue o comunicado à imprensa, vai “perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. Ou seja, o arrocho prosseguirá até que os mercados se convençam de que a inflação cairá e se manterá baixa nos próximos dois anos.
  • Juros mais altos, já vem anotando a própria Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, criam novos desafios para a gestão da dívida pública, ao criar novas despesas e novos rombos nas contas públicas, fazendo crescer novamente a relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB). Os cortes de despesas correntes, como parte da estratégia de arrocho fiscal, estarão apenas “enxugando gelo”, já que o déficit nominal (que considera as despesas com juros) continuará em crescimento por efeito da alta dos juros.
  • A edição mais recente do relatório de acompanhamento fiscal da IFI, divulgado também ontem, demonstra claramente que a redução do endividamento do setor público, como proporção do PIB, pode ser alcançada plenamente pelo caminho do crescimento econômico. Mesmo numa fase de taxas muito modestas para a atividade econômica. Mostra, ainda, como o aumento dos juros pode ter um efeito deletério para a saúde das contas públicas.
  • Em abril, registra a IFI, a dívida bruta do governo geral (União, governos estaduais e prefeituras) havia alcançado R$ 7,075 trilhões em abril deste ano, correspondendo a qualquer coisa ao redor de 78,3% do PIB, na estimativa do BC. Em 12 meses, desde abril do ano passado, aquela relação registrou diminuição de 6,7 pontos de porcentagem, comparando-se a pouco mais de 85,0% do PIB há um ano. Parte relevante dessa redução veio por conta do aumento nominal do volume total de riquezas geradas pelo País.
  • Nos quatro primeiros meses deste ano, a relação dívida e PIB anotou baixa correspondente a 2,0 pontos percentuais (saindo de 80,3% em dezembro passado). O aumento nominal do PIB no mesmo período respondeu pela maior parte desse ganho. Na estimativa da IFI, aquele crescimento determinou uma redução de 3,2 pontos na relação entre dívida e PIB, mais um ponto foi retirado pela recompra de títulos da dívida pública pelo governo e perto de 0,6 pontos vieram da valorização do real frente ao dólar. Os juros nominais apropriados ao saldo daquela dívida, no entanto, significaram uma elevação de 2,8 pontos. Vale dizer, não fossem os juros mais altos, a relação dívida/PIB teria baixado quase 4,8 pontos de porcentagem, para 75,5% do PIB.