Aumento dos gastos com juros supera avanço na renda das famílias

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de maio de 2023

As despesas com juros e amortizações das dívidas das famílias cresceram pouco mais de 3,1 vezes mais do que a variação observada para a renda familiar entre março de 2021 e o mesmo mês deste ano, em valores absolutos. Segundo estimativas trabalhadas pela coluna com base nos dados divulgados regularmente pelo Banco Central (BC), a chamada Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias (RNDBF) apresentou variação modestíssima naquele período ao passar de R$ 6,841 trilhões para R$ 6,977 trilhões, num avanço de 1,99% em valores corrigidos com base na inflação e “dessazonalizados” (quer dizer, desconsiderados fatores que se repetem nas mesmas épocas em cada ano e que poderiam distorcer comparações).

O cálculo leva em conta a renda acumulada em 12 meses, conforme as séries estatísticas do BC. O comprometimento da renda disponível bruta das famílias com o pagamento do serviço de dívidas assumidas ao longo do período, o que inclui gastos com juros e amortizações (as “prestações” pagas mensalmente), elevou-se fortemente no mesmo intervalo, acompanhando a escalada dos juros determinada pela política de arrocho conduzida pelo BC. Na média dos 12 meses terminados em março de 2021, as famílias haviam destinado algo em torno de 21,56% de sua renda bruta disponível para fazer frente àqueles gastos, percentual elevado para 27,27% em 12 meses até março deste ano, dado mais recente divulgado pela autoridade monetária.

Aplicando aqueles percentuais à renda, pode-se ter uma estimativa aproximada dos recursos que as famílias têm sido obrigadas a mobilizar para honrar o serviço de suas dívidas, que têm crescido em velocidade igualmente mais intensa do que o ritmo de avanço dos rendimentos familiares. Em março de 2021, com o comprometimento aproximando-se de 21,6% como já registrado, o pagamento de juros e amortizações teria exigido alguma coisa ao redor de R$ 1,475 trilhão. Dois anos depois, esse gasto aumentou perto de 29,0% também em valores reais, depois de descontada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, o que corresponde a uma taxa quase 14,5 vezes maior do que aquela anotada para a renda nacional bruta disponível.

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Desaquecimento

A necessidade de desviar volumes crescentes de recursos para honrar compromissos com empréstimos, compras parceladas no cartão de crédito ou diretamente nas lojas, cheque especial e outras modalidades de financiamento evidentemente reduz o percentual da renda das famílias que poderia ser destinado a outras despesas, afetando, portanto, sua capacidade de consumo. O efeito disso sobre a demanda total tem sido “contracionista”, como dizem os economistas, significando um freio ao consumo e, portanto, às possibilidades de algum crescimento da economia como um todo, o que vai desestimular investimentos diante da ausência de perspectiva de uma retomada mais relevante da atividade, produzindo, adiante, mais desemprego.

Balanço

  • O conceito de Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias adotado pelo BC teoricamente permite identificar todas as formas de renda das famílias, somando salários dos trabalhadores, dividendos e outras rendas recebidos por donos de empresas, rendimentos de aluguéis e juros e demais rendimentos de aplicações financeiras, aposentadorias, pensões e benefícios do sistema nacional de assistência social, como os benefícios de prestação continuada, renda mensal vitalícia e Bolsa Família, além de transferências eventuais de renda, a exemplo do auxílio emergencial durante a pandemia.
  • Depois de somar todos aqueles rendimentos, o BC desconta os valores pagos pelas famílias a título de imposto de renda e impostos sobre o patrimônio (como IPTU e ITR), as contribuições para a Previdência e transferências de renda feitas pelas famílias para outras instituições e para fora do Brasil. O resultado mostraria, em tese, os recursos disponíveis para que as famílias enfrentem suas despesas, promovam o consumo de mercadorias, bens e serviços e, se for o caso, até façam algum investimento. Mais uma vez, a escalada dos juros ajuda a corroer essa capacidade de consumo e de investimento.
  • Os números do BC permitem ainda avaliar as dimensões do arrocho imposto ao País e mostram que nos últimos dois anos concentraram mais de dois terços do aumento das despesas das famílias com juros e amortizações acumulado em pouco mais de uma década. Entre março de 2011 e igual mês deste ano, aqueles gastos experimentaram um acréscimo de R$ 661,860 bilhões, num salto de 53,34%. Nos dois últimos anos, o aumento de 28,98% anotado pelo serviço da dívida das famílias gerou uma variação equivalente a R$ 427,446 bilhões, ou seja, em torno de 64,6% do incremento observado em 12 anos.
  • Com os preços derretendo no atacado, as indicações de enfraquecimento da atividade econômica têm se tornado mais visíveis, como mostram indicadores de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os índices gerais de preços da FGV mostram um aprofundamento da tendência de deflação (queda de preços) ao longo de maio, puxada pela queda de preços ao produtor e no atacado. O Índice Geral de Preços-10 (IGP-10), aferido entre 11 de abril e 10 de maio deste ano, havia anotado redução de 1,53%, graças principalmente à queda de 2,25% anotada pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo-10 (IPA-10) no mesmo intervalo.
  • Calculado entre 21 de abril e 20 de maio, o Índice Geral de Preços–Mercado (IGP-M), adotado na correção de aluguéis e outros contratos, ficou negativo em 1,84%, confirmando uma aceleração na baixa. O IPA passou a anotar retração de 2,72% naquelas quatro semanas, mais forte do que a queda registrada até 10 de maio. As variações acumuladas em 12 meses, ainda nos casos do IGP e do IPA, mostravam reduções de 3,49% e de 6,25% até 10 de maio, respectivamente. Nos 12 meses terminados em 290 de maio, o IGPO passou a cair 4,47%, enquanto o IPA desabou 7,54%.
  • Comenta o economista André Braz, que coordena os índices de preços do Ibre/FGV: “A deflação registrada no índice ao produtor (-2,72%), a maior de sua série histórica, foi influenciada pela redução dos preços de cinco grandes commodities, que juntas, respondem por aproximadamente um quarto do peso total do IPA. Entre essas, vale citar o comportamento dos preços do minério de ferro (de -4,41% para -13,26%) e da soja (de -9,34% para -9,40%)”.
  • O Índice de Preços ao Produtor (IPP), do IBGE, chegou a abril com a terceira queda mensal consecutiva, acumulando em 12 meses baixa de 4,63%. Lembrando que o indicador havia anotado salto de 36.09% em abril de 2021.