Benefícios fiscais superam 43% da receita bruta do ICMS em seis anos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 21 de março de 2024

Nos últimos seis anos, conforme o portal Goiás Transparente, o governo estadual distribuiu praticamente R$ 56,955 bilhões a empresas de todos os setores da economia a título de benefícios fiscais diversos, incluindo os programas Produzir e Fomentar e a concessão de crédito outorgado, correspondendo a uma redução de fato do imposto apurado. No mesmo período, a arrecadação bruta do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que fornece o lastro para as políticas de incentivos e atração de investimento, atingiu R$ 122,945 bilhões, segundo dados da Secretaria da Economia do Estado. Na comparação entre os dois dados, o valor dos benefícios concedidos correspondeu a 46,32% de todo o ICMS arrecadado.

Colocada sob outro ângulo, a comparação sugere que a arrecadação poderia ter sido quase 46% mais elevada do que aquela de fato realizada, aproximando-se de R$ 179,90 bilhões, numa hipótese pouco realista, que considera a possibilidade de zerar todos os benefícios. O exercício permite, de toda forma, ter uma visão mais aproximada do impacto das políticas de incentivos sobre as receitas. A benemerência oficial não deixa de carregar um paradoxo em relação à retórica governamental e a decisões de política fiscal tomadas nos últimos anos, contemplando a execução de uma dura política de ajuste nos últimos anos, com o governo recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento do serviço de sua dívida à União e optando por aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em agosto de 2021.

Queda, no curto prazo

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No curto prazo, o valor total dos incentivos chegou de fato a cair entre 2022 e 2023, recuando de pouco menos de R$ 11,644 bilhões para quase R$ 10,878 bilhões, o que correspondeu a uma redução de 6,58%, rompendo a tendência de alta observada desde 2013, quando se inicia a série de dados liberados pelo portal. Ao longo dos anos, observa-se um forte avanço em valores nominais e mesmo em termos reais, quando descontada a inflação. Em relação a 2013, quando os incentivos haviam somado R$ 4,802 bilhões, a conta aumentou em 126,41% até o ano passado, correspondendo a um crescimento real de 26,4% depois de descontado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do País, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre 2018 e 2023, os benefícios cresceram 49,30% em termos nominais, numa alta de 12,26% a valores atualizados com base no IPCA. Para relembrar, os incentivos haviam atingido perto de R$ 7,286 bilhões em 2018.

Balanço

  • A série histórica da arrecadação divulgada pela Secretaria da Economia no site inicia-se em 2018 e, desde lá, a receita bruta do ICMS apresentou crescimento nominal de 55,63% ao subir de R$ 15,755 bilhões para R$ 24,518 bilhões. A valores de dezembro do ano passado, a arrecadação do imposto cresceu 17,02%, superando o avanço observado para os incentivos.
  • A relação entre benefícios e arrecadação do ICMS, no acompanhamento ano a ano, alcançou seu percentual mais elevado em 2020. Naquele ano, para uma arrecadação de R$ 17,922 bilhões, os incentivos somaram R$ 8,681 bilhões, equivalentes a 48,44% da receita. Entre 2018 e 2019, a mesma relação evoluiu modestamente, passando de 46,25% para 46,51%. Depois de 2020, a fatia dos benefícios sobre a receita bruta do imposto recuou para 44,94% em 2021, elevando-se para 48,02% em 2022 para novamente baixar para 44,37% no ano passado.
  • O cenário complica-se um pouco mais diante dos dados oficiais sobre a arrecadação de impostos no setor industrial. Segundo estatísticas da Secretaria da Economia, a arrecadação total na indústria acumulou um total de R$ 32,195 bilhões entre 2018 e 2023, incluindo todos os impostos, tributos e contribuições. Em idêntico período, o setor foi premiado com incentivos de R$ 31,847 bilhões, correspondendo a impressionantes 98,92% das receitas.
  • Há duas considerações mais óbvias a fazer sobre essa relação quase escandalosa. A primeira e mais evidente indica que as receitas no setor poderiam sem quase duas vezes maior (mais uma vez, se todos os benefícios fossem cancelados da noite para o dia, possibilidade remotíssima). Numa segunda constatação, o tamanho proporcional dos incentivos mostra que a carga fiscal efetiva incidente sobre a indústria instalada em Goiás seria muito menor do que aquela nominalmente divulgada.
  • Em duas ocasiões, os incentivos chegaram mesmo a superar a arrecadação na indústria. Em 2020 e, de novo, em 2022, a relação entre benefícios e receitas tributárias atingiu respectivamente 105,92% e 109,58%. Para deixar mais claro, a indústria pagou ao Estado R$ 4,453 bilhões e R$ 6,305 bilhões em impostos e outros tributos, naquela mesma ordem, e recebeu de volta R$ 4,716 bilhões e R$ 6,909 bilhões em incentivos.
  • No ano passado, a relação entre benefícios e arrecadação chegou a seu nível mais baixo, pelo menos desde 2018, ainda assim correspondendo a 89,88%. No ano passado, o Estado arrecadou R$ 6,818 bilhões no setor industrial, que recebeu, de seu turno, incentivos de R$ 6,155 bilhões (em queda da 10,91% na comparação com 2022, enquanto as receitas avançaram 8,14% em igual intervalo, novamente em valores nominais).