“Cassino” de juros salta 80,0% e investimento externo cai 39,5%

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 07 de novembro de 2023

Apesar dos cortes mais recentes na taxa básica de juros, o mercado de títulos de dívida emitidos pelo setor público e por empresas privadas continuava a crescer a todo pano até setembro passado, atraindo a alta especulação internacional, ao mesmo tempo em que o investimento estrangeiro no País mantinha-se na direção oposta, em queda acentuada. A tendência observada internamente tem apontado igualmente uma retração no investimento doméstico, reforçada mais recentemente pelos dados muito negativos da indústria de bens de capital, com baixa na produção interna de máquinas, equipamentos, aparelhos, instalações e caminhões, entre outros bens associados a projetos de investimento.

No terceiro trimestre deste ano, segundo estatísticas do setor externo divulgadas ontem pelo Banco Central (BC), o mercado brasileiro de títulos de dívida experimentou crescimento de 52,88% em relação ao mesmo período de 2022. O volume de dólares investidos naqueles papéis avançou de US$ 17,173 bilhões para US$ 26,254 bilhões. No mesmo período, o investimento estrangeiro direto desabou 54,31% ao cair de US$ 26,848 bilhões para US$ 12,266 bilhões. Vale dizer, o “cassino” dos juros passou a atrair duas vezes mais dólares do que o lado real da economia. O grosso desse aumento deu-se em papéis de dívida negociados no mercado externo, onde os ingressos aumentaram de apenas US$ 432,538 milhões entre julho e setembro do ano passado para quase US$ 4,682 bilhões em igual trimestre deste ano, num salto de 982,4%.

Para cima e para baixo

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Ao longo dos sete meses iniciais deste ano, o ingresso de dólares no mercado de dívida, que continua atraente para a especulação global na medida em que aqueles títulos pagam juros reais (descontada a inflação) muito acima da média mundial, aumentou em pouco mais de 80,0%, atingindo US$ 77,720 bilhões diante de US$ 43,175 bilhões registrados entre janeiro e setembro do ano passado. Houve um acréscimo, portanto, de US$ 34,545 bilhões. O investimento estrangeiro direto, considerando o saldo líquido dos dólares investidos (quer dizer, descontando-se as saídas de recursos externos em função de amortizações pagas lá fora geradas por operações anteriores nesta mesma área), despencou de US$ 68,834 bilhões para US$ 41,631 bilhões sempre nos nove meses iniciais de cada exercício, significando uma retração de 39,52% (ou seja, US$ 27,203 bilhões a menos).

Balanço

  • Embora o dado líquido, que reflete a diferença entre a entrada e a saída de dólares no mercado de investimentos, mostre queda vertical, a chegada de dólares para bancar investimentos no País sofreu perdas bem menos intensas. O ingresso de dólares para financiar o investimento direto sofreu baixa de 10,44% na comparação com o ano passado, recuando de US$ 121,851 bilhões entre janeiro e setembro de 2022 para US$ 109,133 bilhões, numa perda de US$ 12,718 bilhões (quer dizer, menos da metade da queda observada para o saldo do investimento líquido).
  • Em contraposição, mais da metade da retração, algo como 53,2%, pode ser explicada pelo aumento no pagamento de amortizações lá fora. As saídas de dólares da conta de investimentos cresceram perto de 27,3%, somando US$ 67,502 bilhões no acumulado dos nove primeiros meses deste ano, frente a US$ 53,017 bilhões no mesmo intervalo de 2022, correspondendo a um incremento de US$ 14,485 bilhões.
  • Ainda considerando o saldo líquido de investimentos diretos, as operações realizadas entre companhias, envolvendo subsidiárias e suas matrizes aqui e lá fora e empresas irmãs, desabaram 81,55% na comparação entre os valores acumulados nos primeiros três trimestres deste ano e em igual período de 2022. Esse tipo de investimento, que pode ainda servir de biombo para operações disfarçadas de remessas de lucros, fugindo do pagamento de impostos, encolheu de US$ 12,911 bilhões para US$ 2,382 bilhões.
  • Os resultados da conta de transações correntes, que resume as relações do País com o restante do mundo, continuam indicando melhorias, a despeito de um cenário global nebuloso e congestionado de incertezas, com agravamento do conflito no Oriente Médio e a alongada guerra entre Ucrânia e Rússia. No terceiro trimestre deste ano, aquela conta havia anotado déficit de US$ 6,211 bilhões, o que se compara com US$ 19,241 bilhões em igual trimestre de 2022, numa redução de 67,72% (quer dizer, em torno de US$ 13,030 bilhões a menos).
  • Em boa parte, essa redução deveu-se ao salto no superávit da balança comercial (exportações menos importações), que avançou de US$ 8,741 bilhões para US$ 21,424 bilhões, crescendo 145,1% (um aumento de US$ 12,683 bilhões). O salto, no entanto, foi enganoso, porque sustentado pela queda nas importações, já que as exportações igualmente recuaram. Os dados do balanço de pagamentos (que incluem a cona de transações correntes e diferem da balança comercial “tradicional”) mostram queda de 18,76% nas compras externas de bens, saindo de US$ 82,855 bilhões para US$ 67,314 bilhões (menos US$ 15,541 bilhões). As exportações recuaram de US$ 91,596 bilhões para US$ 88,738 bilhões, em baixa de 3,12%.
  • Entre janeiro e setembro, o déficit em transações correntes caiu de US$ 34,682 bilhões para US$ 20,895 bilhões, em queda de 39,75%. Apenas em setembro, aquele déficit desabou 80,19%, de US$ 6,940 bilhões para US$ 1,375 bilhão.