Cenário desenhado para próximas safras antecipa fase de turbulência

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 15 de agosto de 2023

Depois de três anos de resultados acima das médias históricas, o agronegócio tende a enfrentar um período de turbulências nas próximas safras, geradas por um balanço entre preços e custos ainda desequilibrado e por um arranjo financeiro mais desafiador, a ser mitigado parcialmente pelo volume recorde de recursos reservados para o crédito rural, algo em torno de R$ 435,82 bilhões, incluindo a agricultura familiar e empresarial. O cenário antecipado por especialistas e consultores leva em conta a reedição de gargalos logísticos em função da maior indefinição na venda da safra, a volta do El Niño e, no front externo, o desenho de uma “nova realidade geopolítica”, com tendência a certo protecionismo entre os países – que o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, Caio Carvalho, prefere qualificar como “precaucionismo”.

Em períodos de crise, ainda que as expectativas mais negativas em relação às principais economias globais não tenham se confirmado, “os países passam a defender seus mercados e mesmo iniciativas que buscam a descarbonização acabam sendo utilizadas com objetivos protecionistas”, registra Carvalho. Ele espera que o país assuma uma posição “pró-ativa” para responder àquelas pressões, mas acredita que a dificuldade especialmente dos países europeus de gerar excedentes de alimentos e a eventualidade de pressões altistas de preços nesta área tenderão a desencadear, mais adiante, a revisão de regras que buscam dificultar o acesso àqueles mercados.

Corrida contra o tempo

Continua após a publicidade

De toda forma, o agronegócio brasileiro terá que correr contra o relógio para se adequar às novas diretrizes aprovadas recentemente pela União Europeia, proibindo a entrada na região, entre outros produtos, de café, cacau, soja e seus derivados, madeira e seus produtos, gado bovino e carnes provenientes de áreas desmatadas, legal ou ilegalmente, a partir de 31 de dezembro de 2020. Em vigor desde 29 de junho, a diretriz será implantada em 18 meses. “O ano de 2024 será decisivo em relação à lei europeia antidesmatamento. As empresas terão apenas o ano safra 2023/24 para fazer toda preparação e comprovar que segregam produtos daqueles com origem em áreas desmatadas”, afirma André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), lembrando que a Europa é o destino de mais da metade das exportações brasileiras de farelo de soja.

Balanço 

  • No front doméstico, o novo plano agropecuário passou a contemplar critérios mais amplos de sustentabilidade e trouxe como novidade a mais o retorno da política de formação de estoques reguladores, o que deve favorecer especialmente a agricultura familiar. A despeito dos avanços, a contribuição do agronegócio para a formação do Produto Interno Bruto (PIB), embora ainda positiva, tende a perder intensidade, avalia André Pessoa, CEO da Agroconsult, que antecipa dois anos de “margens bem apertadas” no setor de grãos. A desaceleração, antevê ele, terá efeitos sobre os preços da terra e custos de arrendamento, assim como sobre as vendas de máquinas agrícolas e o nível de emprego, que “tendem a avançar em velocidade menor”.
  • Nas últimas cinco safras, a área destinada ao plantio de soja experimentou crescimento anual médio em torno de 1,80 milhão, com elevação de 1,10 milhão de hectares para o milho. Esse avanço deverá ficar limitado, nas suas projeções, a algo próximo a 1,0 milhão de hectares para a soja, aproximando-se de 45,0 milhões de hectares no plantio que se inicia em setembro. A área do milho cresceria menos de 500,0 mil hectares, chegando a 22,6 milhões de hectares. Em ambas culturas, Pessoa não descarta a possibilidade de nova desaceleração no ciclo 2024/25.
  • Na métrica adotada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, o PIB do agronegócio havia apresentado variação modesta de 0,19% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, sob o conceito de renda. Mas com elevação de 5,98% em volume, quando avaliado segundo a metodologia adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), empurrado pela safra recorde, próxima a 317,6 milhões de toneladas, e especialmente pela colheita da soja, estimada em pouco mais de 154,6 milhões de toneladas.
  • Os números históricos da produção, comenta Guilherme Rios, assessor técnico da CNA, vieram acompanhados de custos muito elevados e preços mais baixos do que no ciclo anterior. Adubos, defensivos, sementes e demais insumos subiram a níveis igualmente recordes, rebaixando a relação de troca para seu registro mais baixo em pelo menos uma década, acrescenta Pessoa. Na avaliação de Rios, os impactos da alta de custos não são visíveis no cálculo do valor bruto da produção, exatamente porque o volume colhido foi recorde. A CNA prevê variação real de 0,8% para a renda bruta no campo, saindo de R$ 1,279 trilhão para R$ 1,289 trilhão. “A soja, por exemplo, sofreu baixa de 16,5% nos preços, em termos reais, mas o volume aumentou 24%, resultando em aumento de 3,4% do valor bruto”, acrescenta.
  • Segundo acompanhamento da Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda), a compra de uma tonelada de fertilizante no plantio da safra 2022/23 exigiu investimento correspondente a 40,3 sacas de arroz, num salto de 84,9% em relação à safra 2020/21. Os produtores de milho e soja tiveram que gastar, respectivamente, em torno de 63,8 e 28,5 sacas, com altas de 56,8% e de 70,7% na mesma comparação.