Com demanda quase estagnada, PIB cresce puxado por soja e milho

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de junho de 2023

Os dados do Produto Interno Bruto (PIB), indicador que tenta aferir o volume de riquezas produzidas pela economia, surpreenderam os mercados, consultores, economistas e analistas em geral, apresentando um crescimento de 1,9% no primeiro trimestre deste ano na comparação com o trimestre final de 2022. As apostas giravam entre 1,2% a 1,4% para o mesmo período. Mas quem olha os dados pode até se perguntar de onde veio esse crescimento – afinal, o consumo das famílias e dos governos praticamente não saiu do lugar e o investimento encolheu pelo segundo trimestre consecutivo.

A demanda doméstica “andou de lado”, portanto, o que tenderia a segurar o PIB numa intensidade não refletida no dado final. O setor agropecuário concentrou praticamente todo o incremento experimentado, um setor que, sabidamente, tem baixa capacidade de alavancar o crescimento de outros setores da economia – como mostram os próprios números do PIB no primeiro trimestre. Um avanço, por sua vez, liderado pela soja, tendo o milho como coadjuvante. As duas culturas, somadas, deverão produzir perto de 280,35 milhões de toneladas neste ano, praticamente 41,67 milhões de toneladas a mais do que as 238,68 milhões de toneladas colhidas no ano passado, num aumento de 17,5%.

“O bom desempenho neste início de ano deveu-se, então, a um dinamismo bastante concentrado na agropecuária, como mostram as variações com ajuste sazonal a seguir. E muito disso, graças à safra da soja”, registra o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

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Considerando o “lado da oferta”, quer dizer, os volumes produzidos pelos diversos setores da economia, a agropecuária apresentou um salto de nada menos do que 21,6%, saindo de quatros trimestres de resultados negativos em sequência, com recuos de 0,15%, 0,5%, 1,1% e de 0,9% respectivamente no primeiro, segundo, terceiro e quarto trimestres do ano passado, tomando como base os trimestres imediatamente anteriores.

O PIB industrial fechou o segundo trimestre seguido com números negativos, recuando 0,1% no primeiro trimestre deste ano, depois de registrar baixa de 0,3% no quarto trimestre. A indústria de transformação cai a três trimestres, com quedas de 0,4%, de 1,5% e de 0,6% no terceiro e quarto trimestres de 2022 e no primeiro quarto deste ano, na mesma ordem. As perdas no setor de transformação foram parcialmente compensadas pelo crescimento de 2,3% observado para a indústria extrativa, numa tendência assegurada pelos setores de extração de petróleo e de minério de ferro.

Efeitos indiretos

O setor de serviços, de certa forma, foi igualmente beneficiado pela safra recorde que movimenta o interior do País, levando a um crescimento dos segmentos de transportes e armazenagem. Na passagem do quarto trimestre de 2022 para o primeiro deste ano, a atividade na área dos serviços avançou 0,6% depois de anotar variação de 0,2% no trimestre final do ano passado e 0,9% no terceiro trimestre do mesmo ano. No setor de transportes, que inclui ainda armazenagem e correio, o crescimento foi de 1,2% (bem acima da variação de 0,3% anotada no quarto trimestre). Na sequência, o setor de eletricidade, água, esgoto e gestão de resíduos cresceu 1,7% no primeiro trimestre, levemente abaixo do avanço de 1,8% alcançado no trimestre imediatamente anterior.

Balanço

  • O incremento no segmento de eletricidade, numa hipótese bastante plausível, parece ser uma reação ao crescimento do mercado de energias renováveis, diante do avanço experimentado sobretudo pelo setor de geração de energia solar fotovoltaica, com incremento também na geração eólica. As empresas de saneamento têm reagido às diretrizes fixadas pelo novo marco aprovado para o setor, com metas para universalização dos serviços nesta área.
  • A demanda veio tropeçando e só se verifica alguma reação digna de nota no setor externo, ainda assim associada a uma forte retração das importações (o que, por sua vez, sugere um desempenho ruim da demanda doméstica). O consumo das famílias, que havia avançado 0,4% no quarto trimestre de 2022, passou a variar 0,2% no trimestre seguinte, metade da taxa anterior. Esse desaquecimento vem sendo observado desde o terceiro trimestre do ano passado, quando o consumo das famílias havia crescido 0,8% saindo de um avanço de 1,9% apenas um trimestre antes.
  • O consumo do governo não foi suficiente para compensar a desaceleração observada naquela área, já que apresentou variação de apenas 0,3% no trimestre inicial deste ano, repetindo a variação ocorrida no final de 2022.
  • O investimento, por sua vez, desabou 3,4% na passagem do quarto trimestre do ano passado para o primeiro deste ano, depois de já ter caído 1,3% nos três meses finais de 2022. Desde o segundo trimestre de 2013, segundo índices do IBGE ajustados sazonalmente (melhor dizendo, com a exclusão de fatores que se repetem nos mesmos períodos do ano e poderiam distorcer a comparação), o investimento murchou 15,1%. “O mercado interno não se saiu nada bem. O consumo das famílias seguiu perdendo força, de modo a ficar em uma situação de quase estagnação, e os investimentos não só ficaram no vermelho pela segunda vez consecutiva, como quase triplicaram a intensidade de sua perda”, analisa o Iedi.
  • O saldo entre exportações e importações avançou de R$ 7,021 bilhões no último trimestre de 2022 para R$ 27,067 bilhões no trimestre inicial deste ano, o que ajudou a dar uma sustentação relativa à demanda total na economia. Mas aquele aumento veio associado a uma retração de 7,1% nas importações naquela mesma comparação, já que as exportações também recuaram, mas a uma taxa bem mais modesta, caindo 0,4%.
  • Na comparação com o mesmo trimestre do ano passado, o investimento apresentou variação de 0,8% no primeiro trimestre, mas havia crescido 3,5% no quarto trimestre de 2022. O resultado, segundo o IBGE, combinou crescimento das importações de bens de capital, avanço da construção (mais 1,5%) e no desenvolvimento de softwares, com baixa na produção doméstica de bens de capital (máquinas, equipamentos, caminhões e outros).
  • Comparado ao primeiro trimestre do ano passado, o PIB avançou 4,0%, aparente aceleração frente ao incremento de 1,9% observado no quarto trimestre, também em relação a igual período do ano anterior. Seis entre oito grandes grupos atuando nas pontas da produção e da demanda, no entanto, tiveram desaceleração na taxa de crescimento na saída do quatro para o primeiro trimestre: no lado da oferta, indústria (2,6% para 1,9%) e serviços (de 3,3% para 2,9%); no lado da demanda, consumo das famílias (de 4,3% para 2,5%), investimentos (de 3,5% para 0,8%), exportações (de 11,7% para 7,0%) e importações (de 4,6% para 2,2%).
  • O consumo dos governos registrou aceleração, saindo de uma taxa de 0,5% para 1,2%. E o grande destaque, mais uma vez, foi para a agropecuária, que havia sofrido revés de 2,9% no quarto trimestre de 2022 e saltou 18,8% no primeiro trimestre deste ano.