Com juros altos, País atrai volume inédito de dólares especulativos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de março de 2022

A entrada de capital estrangeiro no País registrou crescimento de 140,21% no primeiro trimestre deste ano em relação à mediana de igual período entre 2015 e 2019, segundo levantamento do Itaú Unibanco. Os dados para março deste ano são ainda preliminares e podem trazer alguma alteração até o fechamento do mês, mas a tendência tem sido de crescimento, especialmente quando considerados os dados dos primeiros dois meses de 2022. Esse fluxo vigoroso de investimentos estrangeiros, aportados em aplicações de renda fixa e variável, associado ao avanço do superávit da balança comercial (exportações menos importações) e à alta nos preços das commodities, na visão de Pedro Renault, economista do banco, estaria por trás da recente tendência de valorização do real frente ao dólar.

O papel desempenhado por cada um daqueles fatores ainda não pode ser estabelecido de forma definitiva, cabendo interpretações variadas conforme a fonte ouvida. Algumas conclusões, no entanto, já parecem disponíveis. As commodities já vinham em processo de alta antes mesma da guerra russo-ucraniana e foi, claro, acentuado pelo conflito. Da mesma forma, o saldo da balança comercial já vinha avançando em ritmo vigoroso desde o ano passado, impulsionado principalmente pelas exportações de commodities (minério de ferro, petróleo e soja, em destaque).

A variável que sofreu mudança de tendência nesse intervalo foi justamente a taxa básica de juros, que saltou de 2,0% para 11,75% em quase 12 meses. Como já apontado neste espaço, o Banco Central (BC) brasileiro foi o segundo mais rápido quando se trata de aumentar juros, perdendo apenas para o similar russo, com uma diferença fundamental: a Rússia enfiou-se numa guerra e enfrenta medidas inéditas de retaliação comercial, econômica e financeira, movidas pelo Ocidente e capitaneadas pelos Estados Unidos.

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Os números do Itaú Unibanco registram um fluxo de entrada de recursos estrangeiros de US$ 9,318 bilhões em janeiro e de US$ 7,739 bilhões em fevereiro deste ano, correspondendo a altas de 27,36% e de 35,70% em relação aos mesmos meses de 2021. Para anotar, em janeiro e fevereiro do ano passado, as entradas somaram US$ 7,316 bilhões e US$ 5,703 bilhões respectivamente. Em março, o fluxo anotou certa moderação, atingindo US$ 430,243 milhões, 49,36% abaixo dos US$ 849,692 milhões observados na mediana para o mesmo mês entre 2015 e 2019 (mas ainda assim representou um salto de 120,74% frente aos US$ 194,906 milhões de março do ano passado).

O salto no trimestre

Na mediana dos cinco anos entre 2015 e 2019, os fluxos haviam somado US$ 6,943 bilhões em janeiro, com saída líquida de US$ 512,517 milhões em fevereiro, alcançando uma entrada líquida de US$ 849,692 milhões em março, somando US$ 7,280 bilhões no trimestre. No primeiro trimestre deste ano, os números ainda parciais mostram a entrada de US$ 17,487 bilhões, num salto de 140,21%. Num cenário global de aversão ao risco, motivado pelas incertezas geradas a partir da guerra, observa Renault, os fluxos de dólar e a queda do câmbio podem parecer “contra intuitivo”, mas parece ganhar maior consistência quando considerada uma exposição relativamente baixa do Brasil à Rússia, a valorização expressiva das commodities, o crescimento do superávit comercial e a entrada de dólares, explicada em parte pelo avanço das chamadas operações de “carry trade”, quando investidores tomam dinheiro a juros mais baixos em determinados países (ou em seus países de origem) e aplicam por aqui a juros bem mais elevados, assegurando ganhos expressivos, turbinados ainda pela própria queda do dólar.

Balanço

  • Numa relação preparada pela gestora de recursos InfinityAsset e divulgada originalmente pela BBC News Brasil, incluindo quatro dezenas de países, os juros reais (descontada a inflação) no Brasil surgem em segundo lugar, perdendo apenas para a Rússia. O cálculo dos juros reais, que já considera o aumento aprovado neste mês pelo Comitê de Política Monetária (Copom), considera a inflação projetada para os próximos 12 meses.
  • Nas contas da gestora de recursos, os juros reais estariam na casa dos 30,07% na Rússia, campeão mundial no quesito, chegando a 7,10% no Brasil, bem acima da Colômbia, terceira colocada, com juros reais de 3,65%. Chile (3,64%) e México (2,62%) vêm em seguida em quarto e quinto lugares. O grupo de países com juros reais positivos está em minoria, reunindo nove deles apenas. Todos os demais 31 países apresentam juros reais ainda negativos. Tanto que, na média dos 40 países da amostra, a taxa média de juros está em -0,94%.
  • Entre os países membros do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), os juros brasileiros lideram por larga margem. Na África do Sul, a taxa estava em 0,46% e transitava por terreno negativo na China e na Índia (respectivamente, -0,01% e -0,90%).
  • Na bolsa brasileira, a participação do capital estrangeiro, na soma entre operações de compra e de venda, subiu de 45,1% em 2019 para 50,2% no ano passado, atingindo 53,5% nos primeiros três meses deste ano (até o dia 28 de março). Em valores, os fluxos forma multiplicados em mais de quatro vezes, saltando de R$ 22,624 bilhões no ano passado (sempre no primeiro trimestre) para R$ 92,063 bilhões neste ano.
  • Com a dívida bruta do governo na faixa de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), a alta dos juros tem encarecido mais do que proporcionalmente o serviço dessa mesma dívida (quer dizer, aumentou a despesa com juros e correção). Considerando apenas a conta dos juros nominais suportados pelos governos (União, Estados e municípios), a despesa aumentou 34,8% entre os 12 meses terminados em janeiro do ano passado e igual período até janeiro deste ano.
  • Em valores não atualizados, a conta saltou de R$ 315,718 bilhões para R$ 425,717 bilhões, num gasto extra de R$ 109,999 bilhões, mais do que tudo o que deverá ser gasto neste ano com o antigo Bolsa Família (perto de R$ 89,1 bilhões). Parece evidente que esse tipo de gasto vem gerando pressão sobre as contas públicas, agravando o tal “risco fiscal”.