Oferta e demanda de grãos apertadas indicam preços elevados em 2022/23

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 30 de março de 2022

O balanço de oferta e demanda global de grãos, sobretudo de milho e soja, tendem a se manter “apertado” ao longo da safra em curso e provavelmente também durante o ciclo seguinte, mantendo os preços das commodities agrícolas sob pressão. Segundo o gerente da Consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti Melo, seriam necessários mais dois anos-safra com produção “cheia” para desafogar o mercado, o que sugere um horizonte de preços elevados para os grãos, com impactos na cadeia de carnes e, portanto, nos níveis da inflação global.

Numexercício ainda preliminar apresentado ontem à imprensa, Bellotti estima uma produção mundial de milho em torno de 1,207 bilhão de toneladas no ciclo 2022/23, já incluindo uma expectativa de quebra em torno de 14% para a produção da Ucrânia, que responde por 17,2% das exportações mundiais, com vendas anuais na faixa de 30,0 milhões de toneladas. Se confirmada, a safra global tende a ser muito parecida com a de 2021/22, estimada em algo próximo a 1,206 bilhão de toneladas, mas os estoques finais tendem a cair algo ao redor de 8,6%, saindo de 301,0 milhões para 275,0 milhões de toneladas.

A guerra entre Rússia e Ucrânia certamente fez escalar as incertezas e agravou o balanço de riscos, mesmo porque há dúvidas sobre se a Ucrânia, muito mais do que a Rússia, conseguirá realizar com algum nível de sucesso o plantio da próxima safra, que se inicia por volta de abril no Hemisfério Norte. A equipe de agro do Itaú BBA trabalha com a possibilidade de uma produção de milho na Ucrânia por volta de 36,0 milhões de toneladas, frente a 42,0 milhões de toneladas em 2021/22, mas nível muito próximo dos volumes colhidos entre 2018/19 e 2019/20 – o que pode ser considerado um dado otimista, especialmente se o conflito se alongar para além da janela ideal de semeadura do grão.

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Estoques em baixa

De toda forma, considerando um cenário nem tão otimista e nem muito pessimista, os estoques estimados para o milho tenderiam a encolher em torno de 19,4% desde a safra 2017/18, quando haviam atingido 341,0 milhões de toneladas, respondendo por 31% do consumo. Desde lá, considerando os prognósticos para o ciclo 2022/23, a produção terá avançado em torno de 12%, diante de alta de 13% para o consumo, levando a relação entre estoques e demanda global de milho para um de seus níveis mais baixos, ao redor de 22% (o que significa menos de três meses de consumo).

Balanço

  • Bellotti espera avanço para a produção mundial de soja, depois de um ano de perdas estimadas em mais ou menos 30,0 milhões de toneladas na América do Sul, somando a frustração nas lavouras brasileiras, paraguaias e argentinas na safra 2021/22. As colheitas globais haviam baixado em torno de 3,3%, saindo de 366,0 milhões para 354,0 milhões de toneladas, e tendem a se elevar até 379,0 milhões de toneladas na safra 2022/23, subindo 7,0% frente ao ciclo anterior.
  • O consumo da oleaginosa tende a subir em torno de 3,0% entre o último ano agrícola e o próximo, para 375,0 milhões de toneladas, nível muito próximo da produção projetada. Ainda assim, os estoques finais devem apresentar alguma recomposição, para 91,0 milhões de toneladas (alta de 5,8% diante de 86,0 milhões de toneladas estocadas ao final do ciclo 2021/22). A relação entre estoque e consumo pode se manter próximo a 24% (três meses de demanda, aproximadamente), o que não deixa o mercado em posição confortável, antecipando-se, por isso, a manutenção dos preços em níveis ainda altos historicamente.
  • As pressões de custos, exacerbadas desde o conflito russo-ucraniano, deverão encurtar as margens agrícolas, pressionadas pelo encarecimento dos insumos, especialmente por conta da escalada dos preços dos fertilizantes. Mas, em linhas gerais, lembra Bellotti, o resultado final deve continuar positivo para os produtores, com riscos mais elevados para a agroindústria diante da dificuldade de repassar aumentos de custos num mercado doméstico já sob estresse.
  • Os custos de plantio da soja na região do sudeste mato-grossense subiram algo próximo a 60% entre os ciclos 2021/22 e 2022/23, saltando de R$ 3,0 mil para R$ 4,8 mil por hectare, na projeção mais recente, sugerindo a necessidade de “uma tomada de capital maior” pelos produtores, conforme Bellotti.
  • Adicionalmente, tem sido possível observar um atraso na compra de fertilizantes, o que pode se tornar mais crítico adiante, caso não seja possível normalizar o fornecimento global. Recorrendo a dados da consultoria StoneX, Bellotti mostra que os produtores haviam adquirido, até fevereiro deste ano, apenas 28% das necessidades do insumo previstas para o segundo semestre, diante de 37% em 2020 e nada menos do que 43% no ano passado.
  • O cenário para fertilizantes potássicos parece mais desafiador, a se considerar que Rússia e Ucrânia concentram 46% das exportações globais e respondem, em conjunto, por 49% das importações brasileiras. Como fator de certo alívio, a agricultura tem investido mais pesadamente em insumos, incrementando o pacote tecnológico nas últimas safras e elevando o estoque de fertilizantes no solo. A quebra na safra de soja em 2020/21, afetando principalmente a região Sul e Mato Grosso do Sul, pode ter contribuído para que a “extração de fertilizantes do solo fosse menor”, deixando uma disponibilidade residual para os plantios seguintes.
  • A depender de cada caso, aquele estoque de macronutrientes fosfatados e potássicos pode ajudar a preservar as produtividades mesmo diante de uma menor aplicação no plantio que se inicia por volta de setembro e outubro.