Concentração de renda entre os super ricos atinge novo recorde histórico

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 19 de janeiro de 2024

A renda dos muito, mas muito ricos mesmo, com ganhos médios – médios – de R$ 441,29 mil ao mês, experimentou um salto de 87% entre 2017 e 2022, quase três vezes maior do que o avanço de 33% acumulado em igual período pelos 95% dos brasileiros com renda média mensal ao redor de R$ 3,68 mil. No primeiro caso, em 2017, a renda média aproximava-se de R$ 235,89 mil, diante de R$ 2,62 mil recebidos por 95% da população com 18 anos ou mais de idade. O abismo entre os dois extremos, que já era expressiva lá atrás, alargou-se ainda mais, com o ganho mensal médio dos super ricos superando a renda dos 95% mais pobres em 119,8 vezes. Essa diferença, em 2017, havia alcançado 90,1 vezes.

Essa discrepância, “ao que tudo indica, a ser confirmado por estudos complementares, elevou o nível de concentração de renda no topo da pirâmide para um novo recorde histórico, depois de uma década de relativa estabilidade da desigualdade”, registra o economista Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em nota técnica divulgada na terça-feira, 16, no Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

O objetivo da nota, segundo o pesquisador, é abrir ao público, ou “socializar”, como prefere o autor, resultados ainda preliminares de “análises realizadas sobre os dados divulgados recentemente pela Receita Federal relativos às declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF)”. As iniquidades observadas a partir daqueles dados sugerem que os níveis de concentração da renda e das riquezas no Brasil parecem ser ainda mais dramáticos do que aqueles já conhecidos e surgem num momento em que a discussão sobre um ajuste fiscal regressivo, que penalizará os mais pobres e que mais dependem do Estado, ganha ainda maior força, utilizando como pretexto o suposto interesse em conter um déficit falsamente explosivo nas contas do governo.

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Mais discrepâncias

Os mecanismos que alimentam a concentração da renda (e da riqueza) incluem a rede de isenções e de subtributação dos ganhos entre os mais ricos, o que tem gerado uma situação esdrúxula e contribuído para agravar as desigualdades nesta área. “O que se vê é que, além dos mais ricos terem, em média, maior crescimento de renda do que a base da pirâmide, a performance é tanto maior quanto maior é o nível de riqueza”, observa Gobetti. Enquanto para 95% dos brasileiros a renda foi elevada em 33% entre 2017 e 2022, conforme já registrado, os rendimentos daqueles colocados entre os 5% mais ricos avançou 51%, com aumentos de 67% para quem alcançou o grupo do 1% com maiores rendas. “Entre os 15,4 mil milionários que compõem o 0,01% mais rico, (o aumento da renda) foi maior ainda”, prossegue o pesquisador, num salto de 96%.

Balanço

  • Como resultado, prossegue Gobetti, a faixa de 1% mais ricos passou a acumular 23,72% da renda total em 2022, o que inclui rendimentos do trabalho, lucros e dividendos, ganhos com atividade rural, outros rendimentos de capital e demais rendas. Essa participação havia sido de 20,43% em 2017. “Mas mais de quatro quintos dessa concentração adicional de renda foi absorvida pelo milésimo mais rico, constituído por 153 mil adultos com renda média mensal de R$ 441 mil em 2022”, registra ainda o economista.
  • Essa fatia dos super ricos, correspondente a apenas 0,1% dos brasileiros de 18 anos ou mais, elevou sua participação no bolo total de rendimentos de 9,16% para 11,92%. Esses percentuais correspondem a uma redução na participação dos 95% de renda mais baixa, que saiu de 63,52% para 60,14%.
  • A concentração piora quanto mais se sobe na pirâmide da renda, atingindo níveis escandalosos em seu topo. Mais do que isso, é ainda agravada pelo tratamento definido pelo sistema tributário a formas de rendimento que ajudaram a alavancar os ganhos dos muito ricos nos últimos cinco anos. Vale dizer, os aumentos mais robustos vieram de fontes de renda isentas de impostos ou submetidas a uma taxação muito generosa, ao contrário da grande maioria da população.
  • Nas palavras de Gobetti, “a melhor performance da renda dos mais ricos se explica sobretudo pelo aumento de lucros e dividendos distribuídos, hoje isentos de tributação, e por um segundo componente que pouca atenção tem despertado nas análises: a renda da atividade rural, cuja maior parcela também está isenta de tributação”.
  • De forma escandalosa, a renda média de 0,01% da população saiu de R$ 1,107 milhão para pouco menos de R$ 2,170 milhões entre 2017 e 2022, num salto nominal de 96,1%. Mais da metade daqueles ganhos, algo como 54,3%, vieram de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, que saltaram 119,2% no mesmo intervalo, passando de R$ 483,97 mil para quase R$ 1,061 milhão. A soma de lucros e dividendos recebidos, neste caso, passou a respondeu por 49,26% do rendimento médio desse grupo, frente a 43,73% em 2017. Os rendimentos da atividade rural aumentaram 248,2% em idêntico intervalo, saindo de R$ 37,241 mil para R$ 129,670 mil.
  • Em 2022, registra Gobetti, de um total de R$ 147,0 bilhões declarados à Receita como rendimentos provenientes de atividade rural, perto de R$ 101,0 bilhões, ou mais de dois terços, não pagaram impostos, classificados como isentos de tributação. “Nada menos do que 42% desse montante foi parar no bolso do milésimo mais rico da população. Índice de concentração muito parecido ao registrado por lucros e dividendos (44%)”, acrescenta o pesquisador.
  • Em uma análise final, Gobetti considera que “ainda é cedo para avaliar se o aumento da concentração de renda no topo é fenômeno estrutural ou conjuntural, mas as evidências reunidas reforçam a necessidade de revisão das isenções tributárias atualmente concedidas pela legislação e que beneficiam especialmente os mais ricos”. Essa revisão contribuiria para reforçar as receitas e mitigar ou dispensar cortes de despesas e a suspensão impensada e contraproducente dos pisos de gastos fixados pela Constituição para saúde e educação.