Concessões de crédito a empresas desabam 13,6% em cinco meses

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 22 de abril de 2023

Os dados do Banco Central (BC) referentes ainda a fevereiro deste ano sugerem um mercado financeiro muito mais seletivo na concessão de créditos a empresas, especialmente no segmento de taxas de juros contratadas livremente – vale dizer, impostas livremente pelos bancos às corporações e destacadamente aos negócios de menor porte. Não por coincidência, as operações de empréstimo a pessoas jurídicas – e, portanto, a oferta de crédito ao setor corporativo – passaram a escassear na sequência do escândalo envolvendo o trio de ouro do capitalismo brasileiro, controladores do grupo Americanas, atualmente em processo de recuperação judicial.

A tendência de aperto no mercado de crédito tende a se agravar com as dificuldades enfrentadas por marcas tradicionais, como a rede lojas Tok&Stok, a rede varejista Amaro, as livrarias Saraiva e Cultura (esta última sob ameaça de falência), fabricante de chocolates Pan, o Grupo Petrópolis (que fabrica a cerveja Itaipava), além da operadora Oi, do setor de telefonia, que apresentou em março o segundo pedido de recuperação judicial. A quebradeira pode ter desdobramentos no mercado, já que afetará cadeias de fornecedores e milhares de trabalhadores, agora ameaçados de perda de empregos, caso não se construam soluções que evitem ou amenizem o quadro de dificuldades financeiras enfrentadas não só pelas empresas, mas igualmente pelas famílias (o que governo vem buscando ao editar, na quinta-feira, 20, um pacote para facilitar o acesso ao crédito e estimular seu barateamento).

Encolhimento

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Entre setembro do ano passado e fevereiro deste ano, o fluxo de novos empréstimos para as empresas no segmento de crédito livre (quer dizer, com recursos livremente negociados pelos bancos) experimentou um tombo de 13,6%, de acordo com dados dessazonalizados pelo BC. Submetidos a ajustes sazonais, que permitem excluir os efeitos de fatores que ocorrem em períodos determinados do ano, as concessões de crédito para as companhias encolheram de R$ 214,7 bilhões em setembro de 2022 para R$ 185,5 bilhões em fevereiro deste ano, num corte de aproximadamente R$ 29,2 bilhões. Em valores nominais, foi o valor mais baixo desde agosto de 2021, período em que as concessões haviam alcançado qualquer coisa ao redor de R$ 173,4 bilhões (perto de R$ 195,40 bilhões a valores de fevereiro passado, atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA). “Com a ampliação da percepção de risco, a oferta de crédito bancário começa a apertar”, comentou o coordenador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Cemec-Fipe), Carlos Antonio Rocca, em entrevista à repórter Solange Monteiro, da revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Balanço

  • De acordo com Rocca, o cenário tem sido também de maior aperto no mercado de capitais, que poderia operar como fonte de recursos a custos relativamente mais baixos para as empresas. O mercado de debêntures (títulos de dívida emitidos pelas empresas) registrou forte incremento de “spreads” e “aumento significativo” da dificuldade para venda de papéis nos últimos dois meses, ainda conforme o economista.
  • Na mesma entrevista, Rocca observa que, em fevereiro, em torno de 60% das emissões de debêntures foram mantidas na carteira dos bancos e nem chegaram ao mercado, diante de uma média próxima a 40% no ano passado. “Houve inclusive saques significativos nos fundos de crédito privado, investidores pessoas físicas saindo fortemente desse mercado, criando dificuldades de colocação, pelo menos a taxas sustentáveis”, afirmou ele à jornalista Solange Monteiro.
  • A análise realizada pelo Cemec sobre as condições no mercado de capitais e de crédito considera o conceito de captação líquida, prossegue Rocca, incluindo todas as fontes de recursos financeiros, aqui dentro e lá fora, e considerando os valores estimados para o Produto Interno Bruto (PIB) num trimestre móvel. “O resultado também aponta uma queda significativa – de 9,17% do PIB em setembro de 2022 para 2,85% em fevereiro, com a captação líquida bancária já registrando resultado negativo em 0,71%”, sustenta ele.
  • Tomando apenas o mercado de crédito livre, os custos ficaram mais salgados, com os juros anuais médios avançando de 22,9% para 24,2% entre setembro do ano passado e fevereiro deste ano para as empresas. Para pessoas físicas, a taxa anual média dos juros saltou de 53,8% para 58,3%. A inadimplência, que considera o total dos créditos em atraso a mais de 90 dias em relação à carteira total de empréstimos do sistema financeiro, elevou-se de 1,9% para 2,4% naquele mesmo período nas operações com pessoas jurídicas. O crédito em atraso para as famílias avançou de 5,7% para 6,1% – a taxa de inadimplência mais elevada desde novembro de 2016, momento em que havia atingido os mesmos 6,1%.
  • Rocca relembra que, durante os meses iniciais da pandemia, com a paralisação das atividades, o conjunto de medidas emergenciais adotadas pelo governo e pelo BC, em especial, e a queda dos juros para 2,0% ao ano facilitaram “extraordinariamente a renegociação de dívidas”, permitindo que o índice de inadimplência encerrasse 2020 em 1,2%, no menor nível de toda a série histórica.
  • Neste momento, prossegue ele, faria “uma importante diferença” se o BC reeditasse a medida adotada em março de 2020, quando uma resolução da autoridade monetária reduziu de forma significativa a necessidade de provisão de recursos pelos bancos nas operações de repactuação de dívidas. Na prática, a medida liberou recursos que puderam ser usados naquelas renegociações.
  • Os dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), menciona Rocca, indicam a realização de quase 17,0 milhões de operações de renegociação em 2020, envolvendo em torno de R$ 975,0 bilhões. O valor correspondia, então, ao praticamente um quarto do saldo total do crédito bancário, então na faixa de R$ 4,021 trilhões. “Parte significativa foi renegociada para prazos posteriores, pode ser que estejamos vivendo ainda um pedaço dessa herança. De qualquer modo, foi extremamente eficaz”, assinala o economista.