Conservação da natureza gera receitas e lucros no agronegócio

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 12 de setembro de 2023

A preservação da natureza e consequente conservação de sua biodiversidade reconhecidamente geram vantagens ambientais e sociais, mas têm potencial também para produzir ganhos econômicos, alavancar negócios e investimentos. Lançadas em 2012 pela greentech BMV Global, as Unidades de Créditos de Sustentabilidade (UCS) ajudam a proteger atualmente em torno de 1,0 milhão de hectares de matas nativas, segundo Maria Tereza Umbelino, criadora e CEO da empresa, envolvendo perto de 230 produtores rurais distribuídos entre sete núcleos de preservação de ativos florestais, formando corredores de biodiversidade localizados nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Entre aqueles, cinco núcleos encontram-se ativos e dois estão em fase de formação. Em parceria com a startup Mundi, a BMV trabalhou ao longo de cinco anos para desenvolver a metodologia que permitiu identificar e imputar valor a cada um dos serviços ambientais prestados pela mata em pé, além de contribuir na montagem de um marco legal que reconhecesse a preservação ambiental como uma atividade econômica a ser remunerada. “Hoje, essa atividade está registrada na Classificação Nacional de Atividade Econômicas (CNAE) como agricultura de conservação de vegetação nativa”, anota Maria Tereza.

Registrada na B3, onde é negociada como Cédula de Produto Rural Verde (CPR-Verde), cada UCS corresponde a uma tonelada de carbono equivalente e, na verdade, essa commodity ambiental, como descreve Maria Tereza, “empacota” 27 serviços ecossistêmicos proporcionados pela floresta em pé, incluindo a manutenção no solo de estoques de carbono, preservação de fluxos hidrológicos e das nascentes, além da conservação da biodiversidade. A BVM utiliza tecnologia de blockchain para “armazenar” os títulos, assegurar sua rastreabilidade e dar transparência para os investidores, atualmente em torno de 900, demonstrando que as áreas preservadas de fato existem e permitindo sua localização.

Ciclo virtuoso

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As UCS, primeira CPR-Verde a ser registrada no mercado financeiro e mencionada na regulamentação desses títulos pelo Banco Central (BC) e pela B3, conforme Maria Tereza, tem atraído investidores do mundo corporativo interessados em fomentar práticas sustentáveis e em associar suas marcas à preservação e conservação da natureza, a exemplo da rede mundial de cafeterias Starbuck. Neste caso, as cédulas foram apresentadas como garantia para captação de recursos junto ao Banco Votorantim, para financiar a expansão da operação no Brasil a taxas de juros diferenciadas. Os recursos captados, num ciclo virtuoso, são investidos em conservação, reflorestamento e ainda em projetos definidos pelos produtores e suas associações, envolvendo a construção de armazéns e pontes e mesmo a instalação de escolas e hospitais. De acordo com ela, um ecossistema de empresas independentes, parceiras da BMV, realiza medições, a quantificação e valoração dos serviços, o cumprimento de exigibilidades ambientais, num total de 16 etapas fixadas para enquadramento e auditoria das áreas de produtores que participam do projeto.

Balanço

  • Com 400 hectares de terras na fazenda Nova Aliança, em Santa Cruz do Xingu, em Mato Grosso, já próximo da divisa com o Pará, no chamado “cerrado amazônico”, o produtor rural e ex-secretário de agricultura e meio ambiente da prefeitura local José Sadi de Miranda Soares participa do projeto da BVM com 90 dos 142 hectares de área preservada na propriedade.
  • A área restante está arrendada para o plantio de soja e milho. Mas os planos do produtor incluem a ampliação da área credenciada pela BMV para 150 hectares, considerando os resultados já alcançados. Sadi foi um dos criadores e participa da gestão da Associação de Proprietários Rurais de Santa Cruz do Xingu, que compõe um dos núcleos de produtores que passaram a receber pela preservação da vegetação nativa por meio da colocação no mercado de UCS.
  • Olhando as contas, Sadi considera que o investimento em preservação tende a ser mais vantajoso do que a exploração de soja, a preços atuais. Ele considera, por exemplo, que cada hectare preservado pode significar a retenção no solo de 700 a mil toneladas de carbono equivalente (na média, perto de 850 quilos por hectare). Cada UCS tem sido colocada no mercado a um preço próximo de R$ 144, o que corresponderia a uma expectativa de receita em torno de R$ 122,40 mil por hectare, tomando-se a média de carbono retido no ambiente. A uma produtividade média de 60 quilos de soja por hectare, a receita esperada estaria na casa de R$ 7,2 mil, considerando o valor da saca atual, na faixa de R$ 120.
  • Na repartição das receitas definidas em acordo com a BVM, em grandes números, um terço dos recursos captados iriam diretamente para os produtores envolvidos, um terço para a associação de produtores, que tem planos de investir em armazéns e agroindústrias, e o terço final remuneraria a BMV. Ainda assim, as receitas com a preservação ambiental seriam quase seis vezes maiores do que o ganho gerado pela soja.
  • Em outras áreas, em projetos igualmente direcionados para a sustentabilidade do negócio, o grupo Fictor, holding de participação e investimentos, investe em dois projetos para o desenvolvimento de um biopesticida a base de fungos e bactérias extraídas de plantas e de um biofertilizante que utiliza a casca de um crustáceo em sua produção, detalha Rafael Góis, CEO do grupo. Nos dois casos, são pesquisas de doutorado desenvolvidas em parceria com a Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Conforme Góis, “os criadores têm custo para descascar o crustáceo antes de colocá-lo no mercado e vamos aproveitar a casca para fazer o biofertilizante”. O projeto de desenvolvimento do biopesticida, em parceria ainda com a RT Biotec, está a cargo da bióloga e pós-doutora em biotecnologia Adriana Todaro, da Ufal. O produto deverá ser em princípio destinado ao controle de pragas que infestam o milho e a soja.
  • A LongPing High-Tech, gigante global de sementes de milho e sorgo, controlada pelo grupo chinês Citic, também tem planos de acelerar a substituição do GLP utilizado na secagem das sementes por resíduos de seu processo de produção, reduzindo emissões de carbono. Com sede em Cravinhos, unidades e estações de pesquisa em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Paraná, já reaproveita em torno de 66% dos resíduos, algo como 6,7 milhões de toneladas, aponta Alvaro Azevedo, coordenador de meio ambiente da companhia. Parte é destinada para ração animal e uma boa parcela utilizada como biomassa para a geração de calor no processo interno de secagem ou vendida para terceiros para a produção de energia térmica. Anualmente, a empresa produz em torno 5,0 milhões de sacas de sementes.
  • Os estudos de viabilidade técnica, operacional e ambiental para substituição do GLP já estão em andamento e a empresa espera ter “algo já consolidado para iniciar a implantação do projeto no próximo ano”, antecipa Azevedo. Além de ampliar o reaproveitamento de resíduos, a empresa espera dobrar o reuso de água pluvial, utilizada na irrigação de campos de testes nas unidades de pesquisa.  Hoje, o reuso corresponde a 10% do consumo total de água e a expectativa é aumentar aquele percentual para 20%.