Coluna Foco econômico
Corte de juros traria ganhos 5 vezes maiores do que “congelar” gasto social
Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 19 de junho de 2024![](https://ohoje.com/public/imagens/fotos/amp/2023/02/Lauro-Dinheiro-Generico-3-13-1024x615-1.jpg)
Numa das peças que compõem a ofensiva dos “loucos por arrocho fiscal”, um grande jornal especializado em economia e negócios publicou ontem material sobre as propostas hoje em cena para promover o tal ajuste nas despesas públicas – resumidos num movimento único de arrocho sobre os gastos sociais. Entre outros caminhos sugeridos pelos tais especialistas em contas públicas, sugere-se o congelamento virtual dos desembolsos para fazer frente a despesas com benefícios previdenciários, seguro desemprego, abono salarial e dos benefícios de prestação continuada, que beneficiam – suprema heresia – deficientes físicos e idosos de baixíssima renda, em geral arrimos de família.
A ideia sugerida por um daqueles especialistas, ligado a um badalado banco de investimentos (como não poderia deixar de ser), incluiria a atualização dos valores destinados àquelas áreas com base na inflação, decretando, na prática, seu congelamento em termos reais – ainda que a população mais idosa tenda a crescer em velocidade mais acentuada do que a taxa média observada para todo o restante da população brasileira e mesmo que a economia venha a apresentar taxas de crescimento mais acentuadas. A correção passaria a não mais acompanhar a variação do salário mínimo e deixaria de incorporar, por óbvio, ganhos reais daqui em diante.
Nessa conta, ainda sem a divulgação de suas premissas e bases para os cálculos efetuados, o governo central deixaria de gastar algo como R$ 313,651 bilhões ao longo de uma década, o que representaria uma redução anual em torno de R$ 31,365 bilhões, numa conta aproximada, perto de 0,30% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para este ano. Como sempre, os tais “especialistas” desprezam as pressões fiscais causadas pelos juros estratosféricos praticados no País, que tem produzido maior endividamento e concentração de riquezas em benefício exclusivo dos muito ricos, quer dizer, dos donos verdadeiros no dinheiro.
Questão de prioridade
Os dados do próprio Banco Central (BC) mostram, por exemplo, que um corte de apenas um ponto percentual sobre a taxa básica de juros, atualmente mantida em 10,5% ao ano, traria uma redução de R$ 45,5 bilhões sobre o estoque da dívida bruta do governo geral ao longo de 12 meses. Caso a necessidade de promover o desenvolvimento do País sobre bases sustentadas estivesse entre os objetivos do BC, como determina seu mandato, de resto referendado pelo Congresso, o corte nos juros poderia muito bem ser mais arrojado. Considere-se a perspectiva e um corte de três pontos percentuais (hoje irreal, dado o nível de radicalização no debate econômico e seu viés nitidamente anti-povão). Neste caso, seria possível produzir uma redução de R$ 159,25 bilhões na dívida, quer dizer, cinco vezes mais do que toda a “economia” que seria realizada a partir do congelamento das despesas sociais.
Balanço
- Há uma diferença essencial entre as duas estratégias de ajuste fiscal. No primeiro caso, o “congelamento” de aposentadorias, pensões, auxílio a desempregados e benefícios aos mais velhos e aos deficientes significaria impor a esses setores perdas reais equivalentes aos cortes propostos, mais precisamente, algo próximo àqueles R$ 313,65 bilhões estimados pelo analista citado pelo jornalão paulistano.
- A menor correção corresponderia, dessa forma, a uma frustração de renda para aquelas famílias, e, portanto, a uma menor propensão ao consumo, afetando negativamente toda a atividade econômica. Mas este parece ser exatamente o propósito, afinal, diante de um consumo mais baixo, os preços tenderiam a baixar mais rapidamente, reduzindo as taxas de inflação – às custas de um arrocho nos ganhos dos mais pobres.
- O ajuste pelos juros, ao contrário, permitiria que o governo pudesse gastar mais com os menos favorecidos, sem gerar pressões adicionais sobre a sua dívida. Mais do que isto, como já destacado, toda essa montanha de reais gastos com o pagamento de juros não contribui para a criação de um único emprego, não gera a produção de um único parafuso e apenas ajuda a engordar os rendimentos e o patrimônio dos muito ricos.
- Mas há outros benefícios, privilégios mesmo, que poderia estar sob a mira do governo neste momento, com largo potencial para assegurar o ajuste desejado pelos “loucos por arrocho fiscal”. Na verdade, a equipe econômica até mesmo tentou seguir por esse caminho ao propor uma mudança nas normas que permitem a setores determinados pagarem quase nada de contribuição ao PIS/Cofins.
- As normas em vigor, a pretexto de evitar a cobrança “cumulativa” daquelas contribuições, permitem que um total de 8.422 empresas e instituições financeiras registradas no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) recolham usualmente menos 1,0% para uma contribuição que tem uma alíquota nominal fixada em 9,25%. No ano passado, esse tipo de engenharia tributária, de resto autorizada pelo próprio governo, resultou na perda de R$ 62,4 bilhões na arrecadação do PIS/Cofins, em torno de 14,3% do total arrecadado, próximo de R$ 435,70 bilhões.
- Os dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional) sugerem que as possibilidades de incrementar a arrecadação a partir de uma melhora na gestão dos chamados crédito tributário são verdadeiramente bilionárias. Considerando apenas os “privilégios tributários”, aqueles créditos que simplesmente ajudam a incrementar lucros de setores específicos, sem retorno algum para a sociedade, sua redução em um quinto geraria um ganho de receita próximo de R$ 107,51 bilhões. Somado ao corte de R$ 159,25 bilhões nos gastos com juros, correspondente a uma redução da taxa básica de 10,5% para 7,0% ao ano (mantendo-se os juros reais numa faixa próxima a 3,0% ao ano), o governo poderia “economizar” quase R$ 266,76 bilhões em 12 meses (2,41% do PIB), nada menos do que oito vezes e meia a mais do que o suposto ganho que o congelamento de gastos sociais poderia gerar.