Corte de juros traria ganhos 5 vezes maiores do que “congelar” gasto social

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 19 de junho de 2024

Numa das peças que compõem a ofensiva dos “loucos por arrocho fiscal”, um grande jornal especializado em economia e negócios publicou ontem material sobre as propostas hoje em cena para promover o tal ajuste nas despesas públicas – resumidos num movimento único de arrocho sobre os gastos sociais. Entre outros caminhos sugeridos pelos tais especialistas em contas públicas, sugere-se o congelamento virtual dos desembolsos para fazer frente a despesas com benefícios previdenciários, seguro desemprego, abono salarial e dos benefícios de prestação continuada, que beneficiam – suprema heresia – deficientes físicos e idosos de baixíssima renda, em geral arrimos de família.

A ideia sugerida por um daqueles especialistas, ligado a um badalado banco de investimentos (como não poderia deixar de ser), incluiria a atualização dos valores destinados àquelas áreas com base na inflação, decretando, na prática, seu congelamento em termos reais – ainda que a população mais idosa tenda a crescer em velocidade mais acentuada do que a taxa média observada para todo o restante da população brasileira e mesmo que a economia venha a apresentar taxas de crescimento mais acentuadas. A correção passaria a não mais acompanhar a variação do salário mínimo e deixaria de incorporar, por óbvio, ganhos reais daqui em diante.

Nessa conta, ainda sem a divulgação de suas premissas e bases para os cálculos efetuados, o governo central deixaria de gastar algo como R$ 313,651 bilhões ao longo de uma década, o que representaria uma redução anual em torno de R$ 31,365 bilhões, numa conta aproximada, perto de 0,30% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para este ano. Como sempre, os tais “especialistas” desprezam as pressões fiscais causadas pelos juros estratosféricos praticados no País, que tem produzido maior endividamento e concentração de riquezas em benefício exclusivo dos muito ricos, quer dizer, dos donos verdadeiros no dinheiro.

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Questão de prioridade

Os dados do próprio Banco Central (BC) mostram, por exemplo, que um corte de apenas um ponto percentual sobre a taxa básica de juros, atualmente mantida em 10,5% ao ano, traria uma redução de R$ 45,5 bilhões sobre o estoque da dívida bruta do governo geral ao longo de 12 meses. Caso a necessidade de promover o desenvolvimento do País sobre bases sustentadas estivesse entre os objetivos do BC, como determina seu mandato, de resto referendado pelo Congresso, o corte nos juros poderia muito bem ser mais arrojado. Considere-se a perspectiva e um corte de três pontos percentuais (hoje irreal, dado o nível de radicalização no debate econômico e seu viés nitidamente anti-povão). Neste caso, seria possível produzir uma redução de R$ 159,25 bilhões na dívida, quer dizer, cinco vezes mais do que toda a “economia” que seria realizada a partir do congelamento das despesas sociais.

Balanço

  • Há uma diferença essencial entre as duas estratégias de ajuste fiscal. No primeiro caso, o “congelamento” de aposentadorias, pensões, auxílio a desempregados e benefícios aos mais velhos e aos deficientes significaria impor a esses setores perdas reais equivalentes aos cortes propostos, mais precisamente, algo próximo àqueles R$ 313,65 bilhões estimados pelo analista citado pelo jornalão paulistano.
  • A menor correção corresponderia, dessa forma, a uma frustração de renda para aquelas famílias, e, portanto, a uma menor propensão ao consumo, afetando negativamente toda a atividade econômica. Mas este parece ser exatamente o propósito, afinal, diante de um consumo mais baixo, os preços tenderiam a baixar mais rapidamente, reduzindo as taxas de inflação – às custas de um arrocho nos ganhos dos mais pobres.
  • O ajuste pelos juros, ao contrário, permitiria que o governo pudesse gastar mais com os menos favorecidos, sem gerar pressões adicionais sobre a sua dívida. Mais do que isto, como já destacado, toda essa montanha de reais gastos com o pagamento de juros não contribui para a criação de um único emprego, não gera a produção de um único parafuso e apenas ajuda a engordar os rendimentos e o patrimônio dos muito ricos.
  • Mas há outros benefícios, privilégios mesmo, que poderia estar sob a mira do governo neste momento, com largo potencial para assegurar o ajuste desejado pelos “loucos por arrocho fiscal”. Na verdade, a equipe econômica até mesmo tentou seguir por esse caminho ao propor uma mudança nas normas que permitem a setores determinados pagarem quase nada de contribuição ao PIS/Cofins. 
  • As normas em vigor, a pretexto de evitar a cobrança “cumulativa” daquelas contribuições, permitem que um total de 8.422 empresas e instituições financeiras registradas no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) recolham usualmente menos 1,0% para uma contribuição que tem uma alíquota nominal fixada em 9,25%. No ano passado, esse tipo de engenharia tributária, de resto autorizada pelo próprio governo, resultou na perda de R$ 62,4 bilhões na arrecadação do PIS/Cofins, em torno de 14,3% do total arrecadado, próximo de R$ 435,70 bilhões.
  • Os dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional) sugerem que as possibilidades de incrementar a arrecadação a partir de uma melhora na gestão dos chamados crédito tributário são verdadeiramente bilionárias. Considerando apenas os “privilégios tributários”, aqueles créditos que simplesmente ajudam a incrementar lucros de setores específicos, sem retorno algum para a sociedade, sua redução em um quinto geraria um ganho de receita próximo de R$ 107,51 bilhões. Somado ao corte de R$ 159,25 bilhões nos gastos com juros, correspondente a uma redução da taxa básica de 10,5% para 7,0% ao ano (mantendo-se os juros reais numa faixa próxima a 3,0% ao ano), o governo poderia “economizar” quase R$ 266,76 bilhões em 12 meses (2,41% do PIB), nada menos do que oito vezes e meia a mais do que o suposto ganho que o congelamento de gastos sociais poderia gerar.