Desmatamento avança sobre o cerrado e ameaça a caatinga

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de dezembro de 2022

Uma das frentes agrícolas mais recentes no processo de expansão do agronegócio, o Matopiba, acrônimo formado pelas iniciais dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, tornou-se igualmente “uma das maiores fronteiras de desmatamento do planeta”, declara Dhemerson Conciani, da MapBiomas e pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Nos últimos 37 anos, segundo acompanhamento realizado pela plataforma, praticamente 10,0 milhões de hectares de cerrado foram desmatados naquela região, “dos quais mais da metade, em torno de 5,4 milhões de hectares, foram destinados à plantação de soja”, acrescenta ele.
“Além de abrigar a savana com a maior biodiversidade do planeta, a vegetação nativa dessa região tem papel fundamental na captação de água e na regulação do clima”, conforme Conciani. Estudos científicos mencionados pelo pesquisador demonstram uma elevação de 1°C na temperatura regional, com o clima tornando-se 10% mais seco. Segundo ele, outros especialistas “projetam que a agricultura como a conhecemos pode se tornar inviável nas próximas décadas em função do aumento de temperatura e da diminuição das chuvas”.
Conciani mostra ainda que praticamente 25,6% do desmatamento histórico da caatinga ocorreram entre 1985 e 2021, num total de 6,33 milhões de hectares, o que trouxe ainda a perda de 160 mil hectares de superfície de água, numa queda de 16,75%. As áreas de floresta e de outras formas de vegetação nativa no mesmo bioma sofreram redução de 10%, encolhendo de 60,49 milhões para 54,39 milhões de hectares.

Perda de diversidade
Ainda segundo o pesquisador, mais de 90% da área total desmatada ou 5,77 milhões de hectares passaram a ser ocupados por alguma forma de exploração agropecuária, principalmente pastagens. “Em termos ecológicos, estamos falando da substituição de um ecossistema nativo diverso por pastagens de gramíneas africanas de baixa diversidade, impactando negativamente no funcionamento do ecossistema, na regulação do clima e acarretando a perda de biodiversidade regional”, aponta Conciani. As ferramentas já desenvolvidas conseguem rastrear os produtos agropecuários desde sua origem, observa ele, “mas ainda falta um maior engajamento dos bancos e da indústria, de modo a eliminar a ilegalidade da cadeia produtiva e não financiar as atividades que colocam em risco a nossa soberania”.

Balanço

  • Segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em parceria com a rede MapBiomas e com o Lapig (Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento), da UFG (Universidade Federal de Goiás), a perda de vegetação nativa em regiões onde predomina o Cerrado continuou a ocorrer de forma significativa no bimestre outubro e novembro deste ano, período em que, de acordo com pesquisadores, se esperava observar uma redução mais destacada do desmatamento em relação aos meses de seca, quando a derrubada da vegetação atinge seu ponto máximo no ano.
  • O Cerrado chegou a perder 115.694 hectares em outubro e novembro deste ano, com avanço de 4,35% frente ao mesmo bimestre do ano passado, quando 110.873 hectares haviam sido desmatados. A área derrubada nos dois últimos meses, no cálculo do Ipam, corresponde a praticamente dois mil campos de futebol ou, ainda, a toda a área de Palmas, capital de Tocantins.
  • Segundo dados da plataforma, o Matopiba, que inclui 337 cidades dos quatro Estados que formam a região, concentrou perto de 54,0% de toda a área desmatada no período, somando 62.648 mil hectares desmatados. A mais recente fronteira do País dedica-se principalmente à produção em alta escala de soja, milho e algodão, em grande parte destinada ao mercado internacional.
  • Isoladamente, Tocantins respondeu pela derrubada de 21.419 hectares, assumindo o ponto de segundo Estado com maior desmatamento no bimestre, atrás de Maranhão, com 31.481 hectares. Mato Grosso e Goiás registraram perdas de 14.159 e 13.231 hectares respectivamente.
  • Os recursos tecnológicos já disponíveis permitem ao produtor aumentar a produção sem que isso signifique pressão maior pela abertura de novas áreas, contrapõe Aloísio Júnior, gerente de agronegócio da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aíba). “O crescimento (da produção) não está diretamente ligado ao aumento da área de plantio, mas a ganhos de produtividade propiciados pela aplicação de insumos mais modernos, uso de biotecnologia, avanço da agricultura de precisão e novas técnicas de manejo”, reforça ainda.
  • Nos dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a área plantada nos Estados do Maranhão, do Piauí e da Bahia experimentou crescimento de 70,7% entre 1980/81 e 2022/23, saindo de 4,329 milhões para esperados 7,388 milhões de hectares na safra em curso. A produção de grãos foi multiplicada em pouco mais de 14 vezes, de apenas 1,811 milhão para 25,649 milhões de toneladas, como resultado do aumento de 730% na produtividade média, que avançou de 418 para 3.472 quilos por hectare.
  • Em suas operações, afirma Sandra Catchpole, gerente de sustentabilidade e compliance da Masterboi, o frigorifico utiliza duas plataformas de geomonitoramento via satélite, desenvolvidas pela AgroPlus e pela SMGeo, da Niceplanet, para assegurar a rastreabilidade dos animais abatidos. Objetivo, prossegue ela, é evitar a sobreposição de propriedades de fornecedores com áreas de desmatamento, reservas indígenas e quilombos. Além daqueles sistemas, a empresa adota a ferramenta Visipec, desenvolvida pela Universidade de Wisconsin para gerenciamento de fornecedores indiretos e mapeamento de riscos.