Juros consumiram perto de R$ 1,162 trilhão desde 2020

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 30 de dezembro de 2022

O setor público brasileiro, incluindo União, governos estaduais, prefeituras e estatais, recomprou perto de R$ 496,315 bilhões de sua dívida bruta em circulação no mercado entre janeiro de 2021 e novembro deste ano, correspondendo a qualquer coisa próxima de 5,07% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado pelo Banco Central (BC) para os 12 meses finalizados em novembro de 2022. Ainda assim, em igual período, a dívida bruta consolidada de todo o setor público registrou elevação de R$ 675,097 bilhões, equivalente a 6,90% do PIB.

Para recorrer à comparação preferida de analistas e comentaristas pró-mercado, que dominam o debate econômico e ditam o noticiário (supostamente) especializado, seria como se uma família amortizasse todos os anos uma parcela de sua dívida e esta continuasse crescendo a velocidade crescente. Claro, o uso do orçamento familiar sempre foi inapropriado para analisar o desempenho fiscal de governos – que, ao contrário das famílias, além de arrecadar impostos, podem vender títulos no mercado para captar recursos e ainda emitir moeda, seja para fazer frente a despesas com juros e amortizações da dívida pública, seja para honrar compromissos que não puderam ser cobertos pela arrecadação de impostos e contribuições.

Mas se o governo tem, nos últimos quase dois anos, resgatado títulos de sua dívida (quer dizer, recomprado parcela dessa dívida de bancos, fundos de investimento e investidores particulares) o que explica o avanço absoluto do endividamento? A resposta está, como sempre esteve, na necessidade de pagar juros escandalosos aos donos daquela dívida, que são exatamente os bancos, fundos de investimento e investidores particulares, residentes no País ou estrangeiros. Como consequência direta da política de juros altos, que conseguiu elevar a taxa real de juros no País (depois de descontada a inflação) para os níveis mais altos entre todas as demais economias no planeta, o setor público brasileiro teve que desembolsar nada menos do que R$ 1,162 trilhão entre janeiro do ano passado e novembro deste ano. O valor correspondeu a 11,88% do PIB projetado pelo mesmo BC, mais de duas vezes o valor da dívida recomprada pelo setor público brasileiro em igual período (na ponta do lápis, o gasto com juros foi 134,2% maior do que o resgate líquido da dívida ocorrido no período analisado). Na prática, os governos no Brasil têm literalmente enxugado gelo, sem conseguir conter o avanço de seu endividamento.

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No mundo da teoria

Num exercício meramente teórico, caso os juros tivessem mantido, em 2021 e 2022, o mesmo nível registrado em 2020, ao redor de 4,56% do PIB, a dívida bruta total do governo geral teria estacionado em níveis próximos a R$ 6,970 trilhões, representando aproximadamente 71,25% do PIB ou 3,27 pontos de percentagem abaixo dos 74,52% registrados em novembro deste ano. Em valores absolutos, a dívida teria registrado ligeiro recuo de 4,38% frente aos R$ 7,291 trilhões anotados ao final de novembro pelo BC, baixando em torno de R$ 319,47 bilhões.

Balanço

  • No mundo real, no entanto, o saldo da dívida bruta avançou perto de 10,2% na comparação entre dezembro de 2020 e novembro de 2022, passando de R$ 6,616 trilhões para aqueles R$ 7,291 trilhões. O PIB nominal, no entanto, cresceu em velocidade mais acentuada no mesmo período, acumulando variação de 28,6% na estimativa do BC. Com o denominador crescendo mais rapidamente, a relação entre dívida e PIB baixou de 86,94% ao final de 2020 para 78,29% em 2021, caindo para 74,52% em novembro deste ano.
  • Considerando os dados da dívida bruta do governo geral em 2022, os governos realizaram gastos de R$ 663,162 bilhões, crescendo praticamente 33,0% em relação aos 12 meses do ano passado, quando os juros haviam consumido R$ 499,308 bilhões. A relação entre despesas com juros e o PIB avançou de 5,61% para 6,78%.
  • Todo o aumento nesse tipo de despesa teve como origem o salto de 213,52% nos juros atrelados à taxa básica (Selic). O gasto aqui disparou de R$ 113,962 bilhões para R$ 357,290 bilhões, somando R$ 243,328 bilhões a mais. Para comparação, todo o gasto com juros experimentou variação de R$ 222,070 bilhões. A participação da Selic no gasto total com juros cresceu de 25,84% em 2021 para 53,88% neste ano.
  • Analisando os dados desagregados do resultado fiscal do governo geral entre janeiro e novembro, o déficit nominal (que inclui toda sorte de despesas, inclusive com juros) aumentou em 18,27% na comparação entre 2021 e 2022, elevando-se de R$ 329,415 bilhões (4,06% do PIB) para R$ 389,612 bilhões (4,33% do PIB). Muito embora o superávit primário, que exclui a despesa com juros, tenha saltado 113,31%, de R$ 64,604 bilhões (0,80% do PIB) para R$ 137,807 bilhões (1,53%). Motivo: os juros consumiram R$ 527,419 bilhões (5,86% do PIB), em torno de 33,9% mais do que nos 11 meses iniciais de 2021 (R$ 394,019 bilhões ou 4,86% do PIB).
  • Também num período mais recente, os mesmos efeitos da política de juros podem ser observados em relação à dívida pública mobiliária federal interna, expressa em títulos emitidos pelo governo federal e vendidos ao mercado para, majoritariamente, pagar juros aos donos da dívida pública mobiliária federal interna.
  • Nos 12 meses terminados em novembro deste ano, o saldo daquela dívida experimentou variação de 7,33%, saindo de alguma coisa abaixo de R$ 5,233 trilhões para pouco mais de R$ 5,616 trilhões, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). A dívida federal registrou um acréscimo, portanto, de R$ 383,577 milhões. No mesmo intervalo, no entanto, o Tesouro havia “recomprado” títulos no valor de R$ 167,928 bilhões, resultado da colocação (venda) de R$ 1,097 trilhão em novos títulos de dívida e resgate (recompra) de R$ 1,265 trilhão em papéis que já se encontravam em circulação.
  • Em tese, mantida constante a taxa de juros, poderia se esperar algum recuo no saldo da dívida, em números absolutos, já que a STN recomprou mais títulos do que vendeu. O estoque, como visto, continuou crescendo para fazer frente aos juros devidos aos donos da dívida. No mesmo período de 12 meses, o valor dos juros nominais apropriados ao saldo da dívida mobiliária federal atingiu nada menos do que R$ 552,551 bilhões.