Dívida atinge menor nível em seis anos, descontado caixa do Tesouro

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 14 de fevereiro de 2023

Os juros vão continuar nos mesmos níveis estratosféricos pelo menos até o final deste ano, antecipou recentemente o Banco Central (BC), recorrendo a argumentos pelo menos duvidosos para sustentar a decisão de seu Comitê de Política Monetária (Copom) – um grupo de diretores da própria autoridade monetária que, ao fim e ao cabo, decide o futuro da atividade econômica em reuniões fechadas, apenas manipulando a taxa básica de juros, também chamada de “taxa Selic” (que vem a ser, a propósito, o Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, responsável pelo registro, custódia e liquidação dos papéis emitidos pelo Tesouro Nacional).

A crença por trás da decisão parte do pressuposto segundo o qual a economia estaria sob ameaça de uma crise fiscal causado por uma suposta escalada das despesas, o que faria explodir o déficit primário (receitas menos despesas, sem considerar gastos com juros), demolindo as tais expectativas inflacionárias. O cenário a seguir viria com mais inflação, “obrigando” o BC a elevar ainda mais as taxas de juros. O resultado seria uma dívida pública ainda maior, colocando em risco a solvência do setor público.

A retórica terrorista não se sustenta quando observada com mais cautela e algum discernimento. Inicialmente, é necessário estabelecer quais são os critérios para aferir o nível de endividamento do setor público brasileiro. Mesmo neste caso, quaisquer que sejam esses critérios, nenhum deles corrobora a crença em um desequilíbrio desastroso. A dívida bruta do governo geral, que soma todos os passivos do setor público sem descontar quaisquer tipos de ativos, ainda que estes possam ter liquidez quase imediata e riscos praticamente inexistentes, havia alcançado R$ 6,616 trilhões em 2020, equivalentes a 86,94% do Produto Interno Bruto (PIB).

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Dívida em queda

No ano passado, o saldo daquela dívida atingiu R$ 7,225 trilhões, numa variação nominal de 9,21%. Mas a relação entre dívida e PIB baixou para 73,45% (ou seja, 13,49 pontos percentuais a menos). Atualizada com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no entanto, a dívida experimentou baixa de 7,45% em termos reais. Economistas, consultores, analistas e jornalistas alinhados aos mercados preferem não considerar o conceito de dívida pública líquida em suas “análises”, abatendo do saldo da dívida bruta ativos em poder do mesmo setor público. Argumentam que o governo teria dificuldades para transformar ativos e créditos em recursos líquidos, que poderiam ser utilizados, por exemplo, para ajudar a financiar o serviço de sua dívida, cobrindo parte de juros e das amortizações, reduzindo o endividamento. O argumento não parece se sustentar quando se consideram alguns tipos de créditos e ativos, a exemplo da conta única do Tesouro no BC, uma espécie de colchão de segurança que poderia ser acionado (e tem sido acionado) para fazer frente a despesas geradas pela dívida.

Balanço

  • Ao final de 2022, o Tesouro detinha em sua conta única alguma coisa ao redor de R$ 1,831 trilhão, perto de 18,61% do PIB. Descontado o saldo da conta única, a dívida baixaria para R$ 5,394 trilhões, passando a representar 54,84% do PIB. Sob o mesmo critério, essa relação entre dívida e PIB foi a mais baixa desde 2016, quando havia alcançado 53,25%. Numa sequência mais próxima, a dívida bruta, descontada dos valores estacionados na conta única, havia saído de 67,85% do PIB em 2020 para 58,78% no ano seguinte.
  • O cenário observado a partir dos dados do BC não parece autorizar qualquer projeção catastrófica em relação às contas públicas e ao endividamento dos governos.
  • Num caso típico de terrorismo engendrado para justificar uma política insustentável de juros elevados, a argumentação apresentada pelas correntes do pensamento econômico que querem interditar o debate sobre a política monetária dispensa a lógica e desconsidera dados concretos. O impacto fiscal dos juros altos, portanto, continua alijado das discussões.
  • Apenas como exemplo, considerando o setor público como um todo, incluindo o governo central, Estados, prefeituras e estatais, o superávit primário, a economia realizada pelos governos única e exclusivamente para pagar juros, aumentou nada menos do que 94,65% entre 2021 e 2022, ao saltar de R$ 64,727 bilhões para R$ 125,994 bilhões (uma elevação de R$ 61,627 bilhões).
  • O resultado positivo foi suplantado pelo aumento de R$ 138,036 bilhões nos gastos com juros, que subiram 30,78% no total, saindo de R$ 448,391 bilhões para R$ 586,427 bilhões. Em relação ao PIB, enquanto o resultado primário passou de 0,73% para 1,28%, nos dados do BC, os juros assumiram uma fatia de 5,96% de toda a riqueza produzida pelo País, diante de 5,04% em 2021.
  • Em consequência, o resultado final do setor público, já incluindo os juros, passou a indicar um rombo de R$ 460,433 bilhões no ano passado, num incremento de 20,0% em relação ao déficit de R$ 383,664 bilhões registrado em 2021. Como parece claro, os juros causaram não apenas um crescimento do déficit “nominal” como fizeram a dívida continuar crescendo.
  • Adicionalmente, conforme já anotado por um conjunto de economistas fora do mercado financeiro, entre eles André Lara Rezende e André Roncaglia, o Brasil está entre os raros países a ter dívidas exclusivamente em moeda brasileira, em reais (já que as reservas, na faixa de US$ 324,703 bilhões ao final de 2022, superavam a dívida externa de US$ 318,548 bilhões, mantendo o País como credor internacional. Essa condição deixa o País em condição confortável, já que não faltam dólares para fazer frente a seus compromissos internacionais.
  • A preservação dos juros em 13,75% ao ano continuará torpedeando as possibilidades de o País estabelecer políticas que permitam retomar investimentos e o próprio crescimento econômico, sob o risco de empurrar a economia para uma recessão de consequências muito mais negativas sobre a situação fiscal do setor público.