Dívida das empresas abertas (sem Petrobrás) cresce 230% desde 2010

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 23 de março de 2023

A persistência dos juros na estratosfera pode complicar o balanço das empresas não financeiras, já enredadas com níveis de endividamento relativamente elevados. A conta financeira nas demonstrações de resultados tende a apresentar números mais salgados em 2022, com elevação das despesas brutas com o serviço da dívida, na soma de juros e amortizações, num cenário de alta da inadimplência, quebra do grupo Americanas, com reflexos negativos sobre o mercado de crédito, e dificuldades para outras redes de varejo e empresas de menor porte no setor.

Os números preliminares, fechados até setembro do ano passado, num levantamento realizado pela consultoria Economática com base nos dados de balanço de 255 empresas listadas na bolsa brasileira, assinalam uma dívida bruta na faixa de R$ 1,830 trilhão, equivalente a qualquer coisa ao redor de 19,0% do Produto Interno Bruto (PIB). O dado consolidado mostra uma evolução modesta em relação a 2021, quando a dívida bruta total do mesmo conjunto de empresas somava algo próximo a R$ 1,747 trilhão, em torno de 19,6% do PIB medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre um ano e outro, o estudo da consultoria identifica uma variação nominal de apenas 4,76%.

Esse “bom comportamento”, no entanto, pode ser enganoso quando se considera que o baixo crescimento relativo da dívida esteve relacionado integralmente à queda de quase 10,5% na dívida bruta da Petrobrás, que encolheu de R$ 327,80 bilhões em dezembro de 2021 para R$ 293,40 bilhões em setembro do ano seguinte, em grandes números. Excluída a petroleira, a dívida das demais empresas com ações em bolsa anotou variação de 8,2% naquela mesma comparação, avançando de R$ 1,419 trilhão para pouco mais de R$ 1,535 trilhão. A comparação com o PIB, a dívida manteve-se ao redor de 15,9%, um nível elevado quando se consideram os percentuais observados até 2019 – mas inferior aos 16,4% alcançados em 2020, explicado parcialmente pelo cenário de retração da atividade econômica em decorrência da pandemia.

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Longo prazo

Numa avaliação mais alongada no tempo, a Economática observa que a dívida bruta do total das empresas contempladas no levantamento registrou alta de 213,7% desde o final de 2010, quando somava perto de R$ 583,40 bilhões, atingindo perto de 15,0% do PIB. Considerando uma variação acumulada desde dezembro daquele ano até setembro do ano passado de 100,58% pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do mesmo IBGE, a dívida avançou em torno de 56,4% em termos reais. Mais uma vez, a variação foi de certa forma contida por um incremento proporcionalmente muito mais baixo anotado pela dívida bruta da Petrobrás, que acumulou alta de 48,9% naqueles quase 12 anos. Sem a estatal, as demais empresas não financeiras registraram dívida bruta de R$ 465,50 bilhões, pouco menos do que 12,0% do PIB. Desde lá, a dívida foi elevada em 229,9%, correspondendo a uma variação de 64,5% em valores atualizados até setembro do ano passado. No mesmo período, foram acrescidos 3,95 pontos percentuais à participação daquela dívida no PIB.

Balanço

  • Embora os números sejam apresentados em reais, incluindo débitos contratados em outras moedas, a consultoria observa uma associação entre a variação média do dólar e o volume da dívida bruta. Entre 2018 e 2022, o estoque dessa dívida aumentou 53,79%, subindo ainda mais (61,95%) com a exclusão da Petrobrás. Em idêntico período, o valor médio do dólar, nos dados do BC, anotou variação de 41,28%. Em todo o período, quer dizer, desde dezembro de 2010 até setembro do ano passado, o dólar médio aumentou 193,35% diante de um incremento de 213,7% anotado para o total da dívida conforme já anotado (com salto de 229,9% sem a Petrobrás, apenas para reforçar).
  • Considerando novamente o conjunto das 255 empresas acompanhadas pela Economática, o aumento da dívida bruta desde 2010 foi puxado principalmente pela contratação de dívidas de longo prazo, que apresentou incremento de 253,1% no mesmo período (salto em torno de 76,0% em valores reais). Em dezembro de 2010, esse tipo de dívida correspondia a R$ 400,40 bilhões, alcançando em torno de R$ 1,414 trilhão em setembro de 2022. Foram agregados ao saldo da dívida de longo prazo qualquer coisa ao redor de R$ 1,013 trilhão, o que explicou 81,3% do acréscimo registrado pelo estoque total da dívida bruta.
  • A dívida de curto prazo, ou seja, aquela contratada a prazos de até 12 meses, apresentou incremento de 126,9% (mais 13,1% em termos reais), saindo de R$ 183,0 bilhões para R$ 415,2 bilhões. Por isso mesmo, sua participação no saldo devedor total baixou de 31,4% para 22,7%. “Na maior parte do período analisado, o volume de dívida de curto prazo dessas empresas varia na mesma direção da taxa CDI”, registra a Economática. Vale dizer, as variações observadas no endividamento de curto prazo sofrem a influência da política de juros altos, como não se poderia deixar de esperar. A “taxa CDI”, corresponde aos juros cobrados pelos bancos nas transações com outros bancos realizadas por meio de Certificados de Depósito Interbancário (os CDIs), que por sua vez acompanham a taxa básica de juros determinada pelo Banco Central (BC).
  • A taxa do CDI havia recuado de 10,64% ao ano em 2010 para 6,90% em 2012, voltando a subir até 14,14% em 2015, acompanhado de alta de 68,0% na dívida de curto prazo entre dezembro de 2012 e o final de 2015. Em 2019, a taxa voltou a cair, agora para 4,40%, enquanto a dívida de curto prazo baixava 26,8%. No ano mais crítico da pandemia, embora os juros do CDI tenham desabado para 1,90% ao ano, a dívida de curto prazo aumentou 28,8%, de R$ 340,3 bilhões para R$ 438,3 bilhões, num avanço explicado, aparentemente, pela necessidade de crédito das empresas para financiar o fluxo de caixa comprometido pela paralisação parcial dos negócios. A alta recente dos juros trouxe a taxa do CDI para 13,65% ao ano em setembro de 2022, com a dívida de curto variando 7,1% em relação a dezembro de 2021.
  • A relação entre dívida e o fluxo de caixa medida pelo resultado antes de impostos, despesas financeiras, depreciação e amortizações (Ebtida, na sigla em inglês) avançou de 1,19 para 1,67 entre 2021 e 2022 (significando que a dívida passou a superar o Ebitda em 67%). Está abaixo da relação observada em 2015, quando a dívida foi 2,30 vezes maior do que a geração de caixa, mas acima do dado de 2010 (1,43).