Dívida das famílias avança e passa a representar quase 82% da renda

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 05 de maio de 2022

O cenário de desemprego persistentemente na faixa de dois dígitos, inflação elevada, salários em baixa e juros em alta tem favorecido o aumento mais acelerado do endividamento das famílias, o que tende a gerar obstáculos novos a uma eventual retomada do crescimento nos meses adiante. Entre fevereiro do ano passado e igual mês deste ano, segundo estatísticas do Banco Central (BC), o crédito ampliado contratado pelas famílias, medida mais ampla de endividamento, aumentou aproximadamente 20,0% em valores nominais, saindo de R$ 2,483 trilhões para R$ 2,979 trilhões. Descontada a inflação aferida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a dívida ampliada das famílias cresceu perto de 7,6%.

Aquela modalidade inclui empréstimos e financiamentos concedidos pelo sistema financeiro, fundos de pensão, consórcios, fundos constitucionais, créditos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), recebíveis do agronegócio e do setor imobiliário, empréstimos tomados no exterior e títulos emitidos lá fora por entidades sem fins lucrativos a serviço das famílias. O ritmo de avanço do crédito ampliado foi muito superior àquele registrado pela massa salarial ampliada disponível estimada pelo BC, causando uma piora relativa nos níveis de endividamento.

A massa salarial disponível, por sua vez, soma todos os rendimentos pagos aos trabalhadores, benefícios e pensões da Previdência e transferências de renda asseguradas por políticas e/ou programas públicos, como o Bolsa Família (hoje Auxílio Brasil) e benefícios de prestação continuada distribuídos a idosos carentes e pessoas com deficiência. Para chegar à massa de renda disponível, são subtraídas as contribuições à Previdência e excluído ainda o Imposto de Renda recolhido na fonte pelas pessoas físicas. Em valores não atualizados, essa massa de rendimentos saiu de R$ 3,284 trilhões nos 12 meses encerrados em fevereiro do ano passado para R$ 3,642 trilhões no mesmo período finalizado no segundo mês deste ano, numa variação nominal de 10,91%. Descontada a inflação, a renda sofreu recuo de 0,53%.

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Perdas

Numa outra forma de avaliação, o saldo da dívida das famílias aumentou em R$ 496,3 bilhões a partir de fevereiro do ano passado, enquanto a massa salarial disponível apresentou acréscimo de R$ 358,12 bilhões, “cobrindo” pouco mais de 72% do acréscimo sofrido pelo crédito ampliado. Como consequência, a relação entre dívida e renda disponível elevou-se de 75,6% para 81,8% e tem se mantido acima dos 80% desde setembro do ano passado. Na verdade, essa relação chegou a recuar 1,45 ponto de porcentagem entre dezembro de 2020, quando havia atingido 77,1%, até fevereiro do ano seguinte e voltou a crescer com a retomada da política de elevação dos juros básicos, em março. O saldo das dívidas chegou a corresponder a 82,4% da massa salarial ampliada disponível em dezembro do ano passado, recuando levemente em fevereiro deste ano, mas mantendo-se quase 6,2 pontos de porcentagem acima dos níveis observados no mesmo mês do ano passado.

Balanço

  • O cenário pode se tornar mais complicado daqui em diante, já que o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu ontem elevar a taxa básica de juros em mais um ponto de porcentagem, de 11,75% para 12,75% ao ano para desaquecer a atividade econômica sob pretexto de reduzir a inflação. Foi a décima alta consecutiva dos juros básicos, que estavam em apenas 2,0% ao ano até o final da primeira quinzena de março. Desde lá, os juros aumentaram 10,75 pontos, mantendo o País na liderança entre as nações que mais aumentaram os juros.
  • Considerando ainda os valores estimados pelo BC, o estoque do crédito ampliado subiu de 32,8% no segundo mês de 2021 para 33,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no mesmo período deste ano. Numa relação inversa, a participação da massa de renda no total das riquezas produzidas pelo País encolheu de 43,47% para 41,17% (quer dizer, em torno de 2,3 pontos de porcentagem a menos).
  • Essa discrepância tende a influir também na formação daquelas riquezas, já que o consumo das famílias responde por algo próximo a 60% do PIB. O recuo da renda deve influenciar na direção de uma redução do consumo, afetando, portanto, todo o conjunto da economia.
  • A pesquisa sobre endividamento e inadimplência das famílias, realizada mensalmente pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), sugere um agravamento no cenário em abril, quando o percentual de famílias que se dizem endividadas alcançou o maior nível da série histórica, iniciada em janeiro de 2010. No mês passado, 77,73% das famílias estavam em dívida de alguma forma e perto de 88,8% do saldo devedor estavam relacionados a compromissos assumidos por meio do cartão de crédito.
  • O percentual das famílias com contas em atraso foi o mais elevado desde janeiro de 2010, quando a pesquisa foi iniciada, saindo de 24,23% em abril do ano passado para 28,56% em igual mês deste ano. Para comparação, no primeiro mês de 2010, perto de 29,14% das famílias tinham atrasado o pagamento de dívidas. Em dois extremos, as famílias sem dívidas caíram para o nível mais baixo da série, saindo de 32,44% para 22,25% entre aqueles mesmos meses, mas aquelas muito endividadas passaram a responder por 17,79% do total diante de 14,39% em abril do ano passado, percentual superado apenas pelos 17,84% registrados em julho de 2011.
  • Na média, o percentual da renda destinado ao pagamento de dívidas manteve-se relativamente estável ao redor de 30,2%. Mas o percentual de famílias obrigadas a destinar mais da metade de sua renda para pagar contas e dívidas subiu de pouco menos de 20,0% em abril do ano passado para 21,55% no mesmo mês deste ano. O pico anterior havia sido anotado em janeiro de 2021, alcançando 21,69%.
  • Por trás daqueles indicadores, o número de famílias endividadas cresceu 15,67%, passando de 11,003 milhões para 12,708 milhões em valores aproximados, o que correspondeu à entrada de 1,705 milhão de famílias no clube dos endividados. O total de famílias com contas em atraso aumentou 16,3% entre abril de 2021 e igual mês de 2022, elevando-se de 3,971 milhões para 4,619 milhões, correspondendo a 648,3 mil famílias a mais.