Dividida em “dois mundos”, indústria mantém panorama geral de estagnação

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 06 de janeiro de 2024

O desempenho de segmentos mais associados à exploração mineral e à produção agrícola contribuiu para um avanço de 0,5% na produção da indústria em geral na passagem de outubro para novembro do ano passado, assim como para o incremento de 1,3% registrado na comparação com novembro do ano passado, conforme a mais recente edição da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o setor industrial. O que poderia ser interpretado como uma reação após meses de maus resultados ou evolução apenas modesta, na verdade, deixou a indústria virtualmente dividida entre “dois mundos bem distintos”, na visão do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Os dados apurados mensalmente pela pesquisa, avalia o Iedi, mostram que a “expansão mais significativa” observada em novembro veio “após cinco meses seguidos” de estagnação virtual. A variação observada em novembro, na verdade, não chegou a configurar um “resultado robusto”, ainda que tenha sido o segundo melhor resultado mensal desde a elevação de 1,1% anotada em fevereiro do ano passado. O número não altera o panorama geral nesta área, com a produção mantendo-se virtualmente estagnada no acumulado entre janeiro a novembro do ano passado, numa variação de apenas 0,1% diante dos mesmos 11 meses de 2022.

Nos 12 meses finalizados em novembro passado, a indústria limitou-se a reeditar os volumes produzidos nos 12 meses imediatamente anteriores. Literalmente, não saiu do lugar. Adicionalmente, os níveis registrados em novembro de 2023 estavam 0,9% abaixo da produção realizada em fevereiro de 2020, num tombo ainda de 17,6% em relação a maio de 2011, quando o setor industrial como um todo havia alcançado seu melhor resultado na série iniciada em 2002.

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Os juros, os juros

Observando os números acumulados no bimestre outubro-novembro do ano passado, o Iedi considera que as tendências para a produção industrial pouco teriam se alterado no trimestre final de 2023, preservando-se um quadro que coloca, “de um lado, bens de capital em forte retração e bens de consumo duráveis em deterioração e, de outro lado, expansão mais vigorosa em bens intermediários e bens de consumo semiduráveis e não duráveis”. Dois mundos distintos dentro do universo industrial, portanto. No primeiro e segundo trimestres do ano passado, a produção geral na indústria havia recuado 0,4% e 0,1%, mantendo-se estagnada no terceiro trimestre (variação literalmente zerada), diante dos mesmos períodos de 2022. No bimestre outubro-novembro, a variação chegou a 1,2%, explicada pelos altas de 4,1% e de 1,8% para, respectivamente, fabricantes de bens semiduráveis e não duráveis, no dado mais positivo, e de bens intermediários, com ampla contribuição da extração de minérios e de petróleo e gás. A produção de bens de capital, que cai a taxas de dois dígitos desde o segundo trimestre deste ano, mergulhou em queda de 12,2% no bimestre em questão, com baixa de 5,8% para a produção de bens duráveis, muito influenciada pelas perdas de 6,6% e de 7,3% sofridas pelos setores de automóveis e eletrodomésticos, na mesma ordem.

Balanço

  • Aqueles “macrossetores” no vermelho, na classificação do Iedi, guardam em comum a “maior dependência de seus mercados das condições de crédito e do nível de taxas de juros, que não se encontraram em situação favorável ao crescimento”. Além disso, a demanda em desaquecimento tem retardado decisões de investimento das empresas, afetando mais uma vez a produção de máquinas e equipamentos, instalações e setores ligados à fabricação de bens destinados à construção civil.
  • Ainda no setor de bens de capital, a redução da produção sofreu influência negativa de segmentos dedicados à produção de bens de capital para os setores de energia, construção, transporte e de uso misto. Na comparação do bimestre outubro-novembro do ano passado e idêntico período de 2022, seguindo a mesma ordem, as quedas foram de 32,2%, 25,6%, 21,9% e de 11,3%. Houve redução ainda de 4,9% na produção de bens de capital para a indústria, segmento que se mantém no vermelho desde o quarto trimestre de 2021.
  • A indústria de bens de consumo duráveis operou a “reviravolta mais aguda ao longo de 2023”, prossegue o Iedi, saindo de um salto de 9,0% no primeiro trimestre do ano passado para declínio de 5,8% no bimestre outubro-novembro. A reversão atingiu seus principais segmentos, com a produção de automóveis saindo de elevação de 9,1% para redução de 6,6%, conforme já anotado, enquanto a produção de eletrodomésticos deixou para trás o avanço de 15,7% acumulado no primeiro trimestre do ano passado para cair 7,3% no bimestre outubro-novembro. Na mesma linha e em igual intervalo, a produção de outros equipamentos de transporte caiu 1,8% no período mais recente, mas havia experimentado salto de 23,6% nos três meses iniciais do ano passado.
  • Os setores de fabricação de bens intermediários e bens semi e não duráveis, observa o Iedi, apresentam como traço em comum o fato e serem “ramos mais próximos de atividades primárias”, sejam elas de base mineral (a exemplo do minério de ferro e petróleo em bruto) ou de base agropecuária (alimentos e bebidas). “Assim, ajudaram esta parcela da indústria a supersafra agrícola do início do ano e o fato de a extração de petróleo e gás vir batendo recordes”, anota o Iedi.
  • Têm contribuído ainda para o desempenho relativamente melhor daqueles grandes ramos industriais o desemprego em queda e a desaceleração da inflação, o que conteve o ímpeto de corrosão dos salários pelos preços em geral, favorecendo principalmente a produção de semiduráveis e não duráveis. No bimestre outubro-novembro de 2023, comparado ao mesmo período de 2022, aquele último setor foi favorecido pelos números mais positivos das indústrias de carnes, bebidas e de laticínios, que experimentaram altas de 19,9%, 6,0% e de 4,0%. O Iedi destaca ainda a alta de 17,5% na produção de álcool e gasolina na mesma comparação.
  • “Olhando à frente, seguimos esperando que a produção industrial oscile perto da estabilidade”, analisam os economistas Natalia Cotarelli e Matheus Fuck, do Itaú Unibanco.