Em 10 anos, juros respondem por quase 70% do déficit do governo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 17 de novembro de 2023

Escamoteado pelo alarmismo fiscalista, lançado sob o tapete do terrorismo fiscal, o gasto com juros foi responsável por 69,74% do déficit nominal acumulado pelo governo central – União, Banco Central (BC) e Previdência – entre outubro de 2014 e setembro deste ano. Responsável pelos ataques apopléticos desferidos pela turma da escolinha do professor Campos Neto, o déficit primário, que exclui as despesas com juros, explicou menos de um terço do resultado nominal acumulado pelo setor público federal naquele mesmo período. Mas é o déficit primário que deve ser contido, com o sacrifício de políticas sociais e investimentos, levando a economia brasileira a soçobrar por falta absoluta de sustentação, num cenário de incertezas na economia mundial.Em valores atualizados até setembro último com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), as séries estatísticas da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) mostram que, naqueles 120 meses, a diferença entre receitas líquidas e despesas, já excluído o gasto com juros, chegou a pouco mais de R$ 1,871 trilhão. Mas os juros consumiram qualquer coisa ao redor de R$ 4,295 trilhões, quer dizer, nada menos do que 129,48% a mais do que todo o déficit primário, que, na visão de consultores, analistas e comentaristas obliterados pelo discurso único, ameaça lançar o País no fogo eterno do descrédito, do baixo crescimento e da inflação galopante, para resgatar uma expressão em voga nos anos 1980 e 1990.O dado “esquecido”Lançado propositadamente na vala do esquecimento pelo (falso) debate econômico que domina manchetes e análises nas páginas de economia dos jornalões e nas tevês, o resultado nominal do governo central atingiu R$ 6,158 trilhões no acumulado entre outubro de 2014 e setembro deste ano, também em números atualizados pelo IPCA do período. A comparação simples entre esses dados, mesmo para mentes de pouco brilho, mostraria que os juros responderam por 69,7% na composição do rombo nominal, cabendo ao resultado primário uma contribuição de 30,3%. Colocado de outra forma, mesmo que os vários governos ao longo daquele período tivessem operado a mágica insana de zerar o déficit primário, o governo central ainda teria que lidar com um rombo não muito distante de R$ 4,287 trilhões, algo como 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB) na média anual do período analisado, considerando o produto estimado pelo Banco Central (BC) para o período de 12 meses encerrado em setembro deste ano, na faixa de R$ 10,525 trilhões ou pouco menos do que isso.Balanço

  • Na comparação entre os 12 meses encerrados em setembro deste ano e o período entre outubro de 2013 e setembro de 2014, em termos reais, as despesas com juros saltaram 61,56%, saindo de R$ 376,384 bilhões para R$ 608,075 bilhões, num acréscimo de R$ 231,691 bilhões. Em relação ao PIB, a fatia consumida pelos juros nominais elevou-se de 3,99% para 5,69% no acumulado em 12 meses até setembro deste ano.Foi a segunda maior marca dos últimos 10 anos, ficando atrás apenas da participação de 6,63% alcançada em 2015. A menor relação, por óbvio, foi registrada em 2020, quando a taxa básica de juros chegou à mínima histórica de 2,0% ao ano em meio à crise gerada pela pandemia. Mas mesmo naquele período a despesa com juros havia representado 3,50% do PIB.Tomando períodos de 12 meses terminados em setembro de 2014 e idêntico intervalo até o mesmo mês de 2023, a receita líquida do governo central avançou 5,26% em termos reais, avançando de R$ 1,803 trilhão para quase R$ 1,898 trilhão, num ganho modesto de R$ 94,793 bilhões. As despesas totais, por sua vez, anotaram evolução real de 12,40%, partindo de R$ 1,752 trilhão para R$ 1,969 trilhão, somando R$ 217,290 bilhões a mais.Como proporção do PIB, a variação não parece tão expressiva, com as despesas totais saindo de 17,8% para 18,4% (numa variação de 0,60 pontos percentuais). Os juros, como visto, registraram elevação de 1,7 pontos, quase três vezes mais, proporcionalmenteO resultado primário, que havia sido superavitário entre outubro de 2013 e setembro de 2014, com as receitas superando as despesas em R$ 51,1 bilhões em valores aproximados, transformou-se em déficit de R$ 71,398 bilhões ao final de setembro deste ano, numa “virada” correspondente a R$ 122,498 bilhões. Parece impressionante apenas quando o dado é analisado de forma isolada, sem maiores considerações.Para comparar, o rombo nominal, incluindo os juros, experimentou um salto de 118,47% em 10 anos, avançando de R$ 322,245 bilhões para R$ 703,998 bilhões, ou seja, em torno de R$ 381,753 bilhões a mais. Novamente, a maior contribuição para a piora veio das despesas com juros, cujo crescimento explicou 60,7% do aumento no déficit nominal. Em outra comparação possível, o gasto acrescido aos juros no período foi 89,1% maior do que os recursos destinados a mais para cobrir despesas primárias. Na comparação com o PIB, o déficit nominal dobrou, passando de 3,32% para 6,62%.Consultores, analistas e comentaristas econômicos alegam que, de fato, o governo não gastou tudo isso com juros. Mas teve que emitir títulos novos para cobrir o compromisso, o que tem perpetuado o aumento da dívida pública – emissões que poderiam ter sido reduzidas caso o custo da dívida fosse mais baixo, alcançando níveis civilizados. Entre outubro de 2014 e setembro deste ano, a dívida bruta do governo geral, incluindo União, Estados, municípios e estatais, passou de R$ 3,169 trilhões, algo como 55,43% do PIB, para R$ 7,826 trilhões, correspondendo a 74,36% do PIB. A questão é que 96,6% desse crescimento vieram exclusivamente dos juros, que somaram R$ 4,497 trilhões no mesmo período.