Coluna

Em meio à economia arrasada pelo vírus, agronegócio pode até avançar

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 17 de abril de 2020

As
primeiras análises de pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia
Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, divulgadas nos últimos dias, sugerem que
Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio tende a ser menos afetado do que o
restante da economia, mas os efeitos sobre o mercado de trabalho no setor
deverão ser mais negativos, refletindo mais severamente os impactos da assim
chamada “coronacrise”. De certa maneira, portanto, a estarem corretas as
projeções do centro de estudos, a renda no campo tende a ser preservada e pode
mesmo experimentar algum crescimento em meio a um ambiente de “terra arrasada”
em toda a economia, mas muitos não conseguirão manter o emprego.

Esse
comportamento divergente está relacionado às características específicas do
setor e à sua estrutura, de acordo com o Cepea. Isso porque os setores que têm
maior peso na formação do PIB são também aqueles que têm menor relevância na
geração de empregos. São menos “intensivos em mão-de-obra”, conforme os
economistas, embora detenham elevada capacidade para gerar riquezas.

Os
grandes campos de produção extensiva de soja e milho, assim como a produção
mecanizada da cana, a exploração da pecuária de corte e de leite, todas essas
áreas com níveis crescentes de tecnologia aplicada e algum avanço da automação,
por exemplo, no caso da produção leiteira, demandam proporcionalmente menos
empregos e são relevantes na formação do PIB setorial. Para completar, os
setores mais importantes na criação de empregos são aqueles que registram
participação proporcionalmente mais baixa no PIB do agronegócio, o que ajuda a
entender a preocupação concentrada no mercado de trabalho.

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Disparidade

Até
aqui, dadas as condições sanitárias presentes e as projeções para a evolução da
coronavírus, os técnicos do Cepea esperam um “desempenho satisfatório” para o
PIB de todo o setor, em “grande disparidade” em relação aos prognósticos
crescentemente negativos para a economia como um todo. Essa perspectiva mais
positiva, segundo o centro de estudos, está lastreada no comportamento do
câmbio, já que o dólar mais alto favorece a renda gerada pelos produtos de
exportação, além de compensar internamente a tendência de baixa esperada para
os preços das principais commodities agrícolas no mercado internacional. As
expectativas são igualmente positivas em relação ao volume a ser produzido nesta
safra e para os preços domésticos para produtos como soja, milho, café e
carnes. O Cepea lembra que “há baixa elasticidade-renda” para alimentos
essenciais (o que significa dizer que o consumo tende a se manter ou cair muito
pouco mesmo diante de preços mais elevados, já que não haveria a possibilidade
de substituição desses produtos na cesta de consumo das famílias).

Balanço

·  
A
preocupação dos pesquisadores está concentrada especialmente nos setores mais
diretamente dependentes da renda das famílias e mais próximos do consumidor
final, como é o caso das indústrias de vestuário e produtos têxteis, calçados e
móveis.

·  
Sempre
de acordo com o Cepea, aqueles setores “já vêm vivenciando retrações anuais
sucessivas de produção desde o início da crise no País, oficialmente em 2014 –
e esse cenário deverá se repetir e se agravar em 2020”.

·  
As
indústrias de laticínios e de produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel),
da mesma forma, tendem a ser afetados de forma bem negativa pela crise. O leite
fluído, diretamente, deve sofrer menos, mas o consumo de derivados lácteos
(queijos, iogurtes e outros), diante de seu valor agregado mais alto, tende a
sofrer retração.

·  
No
caso dos biocombustíveis, o afastamento social já tem produzido uma queda
vertical nas vendas (principalmente de etanol), num cenário complicado ainda
pelas reduções sucessivas nos preços da gasolina, estimuladas pela queda nos
preços internacionais do petróleo.

·  
No
mercado de trabalho, as preocupações estão mais relacionadas ao fato de o
emprego estar em grande parte concentrado em estabelecimentos de menor porte e
em atividades que deverão estar entre as mais afetadas pela crise. Alguns
desses estarão em situação financeira delicada na fase de isolamento social e
“outros sairão desse período para lidar com uma demanda interna pouco aquecida
e com a necessidade de pagar pelos créditos tomados para manter o negócio
durante a pandemia”.

·  
Ao
analisar setor a setor, o Cepea identifica maiores riscos para o mercado de
trabalho nas atividades de “horticultura, floricultura, produção de leite e
indústria de laticínios, indústrias de móveis e as relacionadas ao vestuário
(têxtil, vestuário e couro e calçados)”.

·  
As
“enormes incertezas” que marcam o momento atual em todo o mundo, ressalva o
Cepea, tornam igualmente incertas quaisquer previsões em relação aos impactos
da crise sobre o agronegócio. “Um agravamento além do esperado da crise do
coronavírus no Brasil e no mundo, assim como um alcance aquém do esperado das
políticas de apoio pelo governo brasileiro, pode comprometer o desempenho do
PIB do agronegócio, mesmo com o câmbio favorável, e deteriorar ainda mais a situação
do mercado de trabalho”, alerta o centro de estudos.