Estatais derrubam investimentos em 31,4%, mas triplicam lucros

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de julho de 2022

A estratégia escancarada de desmonte das empresas estatais e de liquidação do patrimônio público a preços de ocasião, unicamente para favorecer grupos econômicos e financeiros do setor privado, tornou-se ainda mais nítida com a recente divulgação da terceira edição do Relatório Agregado as Empresas Estatais Federais (RAEEF), tendo como base o desempenho de um conjunto de 47 estatais em 2021. Os dados mostram uma disparada dos lucros, certamente puxados pelos resultados da Petrobrás e sua política de preços alinhados quase automaticamente às cotações internacionais do petróleo e seus derivados, mas à custa do achatamento dos investimentos.

Mais claramente, os dados derivam de uma visão de curtíssimo prazo sobre o papel das empresas estatais na economia, direcionada para a geração de resultados a qualquer custo. A retração dos investimentos vai liquidar a capacidade futura de crescimento daquelas empresas, simples assim. Sem qualquer surpresa, os lucros históricos foram celebrados pela equipe econômica como um claro sinal do “sucesso” das políticas definidas para o setor estatal.

“Colhemos frutos extraordinários”, comemora secretário de coordenação e governança das empresas estatais do Ministério da Economia, Ricardo Faria, no texto de abertura do relatório. E acrescenta, sem o menor rubor nas faces: “Talvez a mais óbvia consequência do trabalho que vem sendo desenvolvido seja a dimensão financeira. No ano passado, as companhias controladas diretamente pela União registraram um lucro líquido recorde, de R$ 187,7 bilhões, e 22 das 28 empresas estatais não dependentes apresentaram resultado positivo.”

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Conforme o relatório, o lucro somado das estatais saltou de R$ 60,61 bilhões em 2020 para aqueles R$ 187,7 bilhões mencionados pelo secretário, numa alta de 209%, o que correspondeu a pouco mais de um quinto dos recursos à disposição dos acionistas, consolidados no patrimônio líquido daquelas companhias. Em torno de 57% daquele resultado vieram das contas da Petrobrás, que lucrou R$ 107,264 bilhões no ano passado, pouco mais de 17 vezes maior do que o resultado líquido de R$ 6,246 bilhões realizado em 2020.

Tombo escamoteado

Malandramente, a edição mais recente do relatório não compara os investimentos concretizados naqueles dois anos, mencionando apenas o valor investido em 2021, algo em torno de R$ 57,5 bilhões. Mas a segunda edição do relatório, com dados de 2020, mostra que o investimento estatal naquele ano havia alcançado R$ 83,8 bilhões. Nessa comparação, o investimento desabou 31,4% em valores nominais, sem considerar a variação dos preços em geral no período.

Balanço

  • Mais da metade do resultado líquido acumulado no ano passado foi distribuído aos acionistas sobre a forma de dividendos e juros sobre o capital próprio. Para comparar, em 2020, os resultados distribuídos haviam representado pouco mais de 26% do lucro líquido. A distribuição de resultados aos acionistas, na maior parte privados, foi multiplicada em mais de seis vezes, escalando de R$ 15,9 bilhões para R$ 101,1 bilhões, ou seja, nada menos do que 535,2% a mais, representando 53,9% do lucro acumulado no exercício.
  • A União levou apenas 42,5% dos resultados distribuídos, recebendo em torno de R$ 43,0 bilhões, o que significa dizer que os acionistas privados embolsaram 57,5% dos dividendos pagos, algo próximo a R$ 58,1 bilhões. Ainda no caso da União, os dividendos recebidos cresceram quase oito vezes, saindo de R$ 5,4 bilhões no exercício anterior, quando haviam correspondido a 34% dos lucros distribuídos aos acionistas. Os dividendos destinados aos acionistas particulares foram multiplicados em pouco mais de 5,5 vezes entre aqueles dois anos, partindo de R$ 10,5 bilhões em 2020.
  • As cinco maiores estatais responderam por praticamente 98% tanto dos resultados líquidos totais quanto dos dividendos destinados à União. A Petrobrás lidera o ranking, com aquele lucro de quase R$ 107,3 bilhões e dividendos pagos ao governo federal no valor de R$ 21,1 bilhões. Também alvo das políticas de desmonte, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aumentou seu lucro em 64,7% entre 2020 e 2021, saindo de R$ 20,681 bilhões para R$ 34,069 bilhões. E distribuiu à União perto de R$ 13,6 bilhões.
  • O Banco do Brasil vem na sequência, com lucro de R$ 19,710 bilhões e crescimento de 55,23% frente a 2020, quando a última linha da conta de resultados havia mostrado ganho líquido de R$ 2,697 bilhões. O banco aportou à União em torno de R$ 3,2 bilhões. A Caixa lucrou 31,12% a mais, passando de R$ 13,169 bilhões para R$ 17,268 bilhões, entregando R$ 2,8 bilhões ao governo central. Na Eletrobrás, os lucros foram quase 10,9% menores, baixando de R$ 6,4 bilhões para R$ 5,7 bilhões, dos quais R$ 1,3 bilhão foram para a União.
  • Os dados do orçamento de investimentos das estatais, incluídos no Programa de Dispêndios Globais do setor, considerando apenas as companhias do setor produtivo e excluídas instituições financeiras, os investimentos caíram 12,9% entre o primeiro trimestre deste ano e o mesmo período do ano passado, de R$ 10,899 bilhões para R$ 9,491 bilhões. Na comparação com o primeiro trimestre de 2014, quando as estatais haviam investido R$ 20,877 bilhões, o tombo foi de 54,5%.
  • Tomando os 12 meses do ano passado, os investimentos somaram R$ 54,129 bilhões, correspondendo apenas a 39,3% dos recursos autorizados – a menor execução da série, iniciada em 2014. Aqueles valores sofreram queda de 32,9% frente aos R$ 80,635 bilhões investidos em 2020.