Fábrica de ilusões da equipe econômica cria previsões irreais para setor externo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 07 de julho de 2022

No processo de revisão de suas estimativas para a economia ao longo deste ano, levado a efeito pelo Banco Central (BC) na edição de junho do Relatório Trimestral da Inflação, a autoridade monetária reciclou igualmente as projeções para o setor externa. Mais uma vez, a despeito de ligeiro recuo em relação ao relatório de março, as previsões reafirmam um otimismo considerado excessivo pelo economista Livio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e sócio da consultoria BRCG.

Deixando um pouco de lado a elegância e moderação do economista em seu artigo para a edição de julho da revista Conjuntura Econômica, publicada pela FGV, as projeções absolutamente divergentes apresentadas ali apenas confirmam os males que a fantástica fábrica de ilusões montada pela equipe econômica tem causado ao País nesses três anos e meio. Mais grave: projeções irreais que servem de base para a tomada de decisões de política econômica igualmente equivocadas, alargando as distorções na economia.

Nas contas do BC, o saldo na conta de transações externas, que resume as relações do Brasil com o restante do mundo, tenderia a apresentar superávit de US$ 4,0 bilhões neste ano, recuando US$ 1,0 bilhão em relação à estimativa feita em março pela instituição. Seria o primeiro resultado positivo desde 2007, como consequência de recordes esperados para o saldo comercial, para as exportações e importações e, segundo o BC, de um “déficit na conta de serviços ainda contido”.

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Versão “furada”

Segundo Ribeiro, “a visão oficial para o resultado em conta corrente de 2022 era não menos do que fantástica”. As projeções do Ibre/FGV sugerem um rombo de US$ 10,1 bilhões, o que embutiria uma expectativa de redução já expressiva quando se considera o déficit de US$ 28,0 bilhões colhido em 2021, com a queda aproximando-se de 64,0% na comparação entre aqueles dois números. A principal divergência, embora não a única, estaria nas previsões para a balança comercial e, mais especificamente, em relação aos preços médios de bens e mercadorias exportadas e importadas pelo País.

Balanço

  • Ribeiro observa que as previsões oficiais e mesmo de setores do mercado não estavam necessariamente sustentadas pela expectativa relação aos volumes exportados e importados, “ainda que, para todos os efeitos, a contribuição do setor externo ao PIB (Produto Interno Bruto) fosse positiva (ou seja, com crescimento do volume exportado superior ao do volume importado) e se tivesse certo otimismo com as implicações, em termos de demanda por produtos brasileiros, da crescente tensão geopolítica na Europa”. De fato, conforme apontado neste espaço (O Hoje, 05/07/2022), nas estimativas do próprio BC, o setor externo tenderia a influenciar positivamente no desempenho do PIB neste ano, mesmo que as previsões continuem a contemplar taxas muito modestas de crescimento.
  • Conforme o economista, “para todos os efeitos, grande parte do fantástico resultado (nas contas externas) está associado à expectativa de forte choque positivo nos termos de troca, ou seja, um aumento relativo importante dos preços dos produtos exportados (frente aos importados) pela economia brasileira”. Isso corresponderia a um incremento mais intenso dos preços dos produtos exportados em relação aos preços dos importados, o que propiciaria algum avanço da renda nacional.
  • O que os dados mostram é precisamente o inverso do que a equipe econômica busca “vender” à opinião pública, numa retórica replicada acriticamente por analistas mais ligados ao mercado financeiro. No acumulado ao longo dos primeiros cinco meses deste ano, retoma Ribeiro, os termos de troca experimentaram baixa de 9,0% frente ao mesmo período do ano passado.
  • O “choque de preços” tem atingido muito mais as importações, acrescenta o economista, lembrando, entre outros exemplos, que os preços dos fertilizantes têm subido mais do que os de produtos agrícolas, assim como “o preço do trigo sobe mais do que o da soja” e “os preços dos produtos refinados do petróleo sobem mais que o do petróleo cru” (que o País exporta, ao contrário dos derivados, que registram maior participação das importações).
  • Isso não deverá impedir o avanço das exportações para níveis recordes, variando entre US$ 322,7 bilhões, nas contas do Ibre, e US$ 342,0 bilhões na conta mais animada do BC. Os dados embutem crescimento respectivamente de 13,6% e de 20,4% frente ao ano passado. No caso das importações, enquanto o Ibre trabalha com crescimento de 6,8%, com as compras externas aproximando-se de US$ 264,8 bilhões, o BC projeta algo em torno de US$ 257,0 bilhões, numa variação de 3,6%.
  • Em consequência, o superávit comercial (exportações menos importações) tenderia a mais do que dobrar, na contabilidade especial do BC, saindo de US$ 36,0 bilhões para US$ 86,0 bilhões (num salto de 139%). Mais conservador, o Ibre estima um saldo em torno de US$ 57,9 bilhões (US$ 28,1 bilhões abaixo dos números do BC), o que já considera um aumento de 60,8% em relação a 2021.
  • “O problema da narrativa oficial está do lado das importações, ao não reconhecer que o crescimento de seus preços tem sido ainda mais expressivo que os das exportações no passado recente”, anota Ribeiro. Ainda de acordo com ele, o momento atual assume características “sui generis”, já que, em tempos de alta nos preços das commodities seria se esperar melhoria nos termos de troca e queda do dólar frente ao real (já que o crescimento das exportações traria mais dólares, fazendo sua cotação recuar).