Falta de chuvas pode explicar parte do baixo crescimento do País na década

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 04 de março de 2022

Cara leitora e caro leitor, considerando economistas, consultores e analistas econômicos que estão dia sim e outro também nas telas da Globonews, da CNN e nas páginas dos grandes jornais e revistas, incluindo aqueles especializados em negócios e finanças, quantos já mencionaram alguma vez questões ambientais relacionadas ao comportamento da economia? Contam-se nos dedos de uma mão? Talvez você nem precise mesmo usar todos os dedos de uma única mão para apontar algum. Caso consiga. Na maioria das vezes, para esses economistas, analistas e consultores, a economia tem existência autônoma, admitindo-se talvez alguma interferência da política, quase sempre de forma negativa. Toda a rede de relações sociais e ambientais que, ao fim e ao cabo, a conformam e a definem é desconsiderada, quanto não desprezada mesmo.

Pois vejam o caso doeconomista-sênior da área de macroeconomia da consultoria LCA Associados e pesquisador-associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Bráulio Borges. Desde novembro, com base em dados sólidos e pesquisas confiáveis, publicadas no Blog do Ibre e em grande jornal econômico, ele tem buscado mostrar que uma parte do baixo crescimento e das perdas sofridas pela economia brasileira entre 2012 e 2021 podem ter sido causadas pelo regime de chuvas muito ruim e deficitário observado no mesmo período.

Claro, choveram (sem trocadilho) ataques contra seu trabalho, na imprensa e redes sociais, com alguns luminares do “economicismo” pátrio chegando a sugerir que, fossem corretas as suas conclusões, bastaria convocar a entidade Cacique Cobra Coral para solucionar os problemas enfrentados pela economia e assegurar a retomada do crescimento.Na prática, este é o nível a que o debate econômico foi lançado nos últimos anos. Qualquer opinião que fuja do padrão “ajuste fiscal e reformas” é quase sempre ultrajada, quando merecedora de alguma atenção. Mesmo porque, na maioria das vezes, análises, diagnósticos e projeções que fujam do chavão basbaque e rasteiro dos mercados são desprezados pura e simplesmente.

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Futuro comprometido

Quer dizer que o ambiente que nos cerca não interfere em nada no dia a dia das pessoas, assim como as mudanças climáticas já em curso não afetam a economia? Ainda que especialistas em todo o mundo venham dedicando tempo e esforços para incluir o meio ambiente nas contas nacionais, no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), como forma de estimar ganhos e perdas gerados por avanços e retrocessos nas políticas e nos formatos escolhidos para explorar bens e recursos naturais. Destruir florestas, com o avanço da agropecuária irresponsável, estimular o garimpo ilegal em áreas de reservas florestais e indígenas, tudo isso não tem impacto sobre a economia, não compromete nossas possibilidades de futuro?

Balanço

  • Em estudo divulgado em novembro passado, Borges apontou que “a estiagem crônica que o Brasil vem enfrentando desde 2012 explica muito da conjuntura macroeconômica desfavorável que observamos desde então, com fraco crescimento do PIB e inflação elevada (em especial na energia elétrica)”. De forma mais precisa, o economista estima que a escassez de chuvas nos últimos 10 anos “subtraiu cerca de 1,6 ponto percentual ao ano, em média, da taxa de variação do PIB brasileiro (…), ajudando a explicar parte relevante de nossa década perdida recente”.
  • Elegantemente, Borges considera que as reações contrárias e algumas nitidamente “desrespeitosas”, colhidas ao longo das semanas seguintes à publicação de suas conclusões estariam relacionadas ao fato de aquele tipo de diagnóstico estar “completamente fora do radar de diversos analistas”. Diria Caetano Veloso, “narciso acha feio o que não é mesmo espelho”…
  • No mês passado, em nova postagem no Blog do Ibre, Borges tratou de incluir novos dados e informações para, manifestamente, “contribuir com um debate de alto nível”. O pesquisador apresenta série histórica de dados mensais do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostrando que a década encerrada no ano passado havia sido “atipicamente seca” e anotando, ainda, que os anos entre 2002 e 2011, ao contrário, mostraram uma pluviometria muito favorável – “algo que certamente ajuda a explicar o período ‘de ouro’ brasileiro em termos de crescimento econômico e inflação controlada”.
  • Borges sustenta que o diagnóstico de uma década excessivamente seca não se baseia nos níveis dos reservatórios, já que outras variáveis (como decisões dos formuladores de políticas para o setor elétrico, por exemplo) interferem em seu comportamento. Mas ressalta que também aqueles níveis registraram níveis inferiores a médias históricas, como atestam os dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Ele pondera ainda que as precipitações globais têm sido maiores nas últimas décadas, refletindo o aquecimento global (ainda que as chuvas tenham caído em maior proporção sobre mares e oceanos).
  • O analista recorre à literatura mundial sobre o tema para mostrar que estudos recentes têm demonstrado a influência relevante das chuvas para o conjunto da economia, com alguns desses trabalhos estimando perdas de 2,2 pontos em caso de precipitação baixa ou insuficiente. Aplicando esses dados ao caso brasileiro, prossegue Borges, o impacto teria sido de 1,4 pontos ao ano, aproximando-se dos resultados que ele próprio havia estimado.
  • Nas suas palavras, “há boas razões para se acreditar que o impacto no Brasil tende a ser maior do que em boa parte dos demais países, na medida em que pouco mais de 20% de nosso PIB reflete atividades do agronegócio e que, na média da última década, cerca de 70% de nossa capacidade de geração de eletricidade adveio de hidrelétricas”.
  • Os riscos de que o cenário de chuvas sofra deterioração adicional não devem ser desconsiderados. Projeções climatológicas do Banco Mundial, pondera Borges, apontam volumes menores de precipitação nas próximas décadas. “À luz de tudo o que foi exposto, é preciso agir, para que essa restrição de oferta seja aliviada, permitindo que Brasil possa crescer mais, com inflação controlada” – o que, acrescenta ele, “não envolve pedir ajuda para nenhum cacique e sim o uso de conhecimento científico, planejamento e boas políticas públicas (econômicas, ambientais etc.)”.