Fatia da renda familiar destinada ao pagamento de juros bate recorde

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de junho de 2023

As famílias têm sido obrigadas a destinar uma fatia crescente de sua renda apenas para pagar juros e amortizar suas dívidas, acompanhando, não por coincidência, a curva de alta das taxas de juros. A política de juros escorchantes, patrocinada pelo Banco Central (BC) “independente” e sua equipe, sob a liderança do operador de mercado Roberto Campos Neto, vem assim desviando parcelas cada vez maiores dos rendimentos familiares, drenando recursos que poderiam ajudar a injetar algum ânimo no consumo. O resultado, como mostram os indicadores coletados até mesmo pelo Comitê de Política Monetária (Copom), conforme anotado na ata de sua reunião ocorrida na semana passada, tem sido um enfraquecimento da demanda em geral, com desaquecimento da atividade nos diversos setores da economia e retração dos investimentos.

Na medida mais recente, divulgada ontem pelo BC em sua nota sobre as estatísticas do mercado de crédito, as despesas com juros e amortizações (as “prestações” cobradas pelos bancos e outros credores) das famílias brasileiras passaram a consumir o equivalente a 27,9% de seus rendimentos, percentual mais elevado em toda a série histórica do BC, iniciada em março de 2011. O dado leva em conta a relação entre gastos com juros e amortizações e a média móvel trimestral da renda nacional disponível bruta das famílias, conceito mais amplo desenvolvido pelo BC para tentar aferir todas as formas de rendimentos familiares.

Para isso, entram na conta todos os salários pagos aos trabalhadores, dividendos e outras rendas recebidos por donos de empresas, rendimentos de aluguéis, juros e demais rendimentos de aplicações financeiras, aposentadorias, pensões e benefícios do sistema nacional de assistência social, como os benefícios de prestação continuada, renda mensal vitalícia e Bolsa Família, além de transferências eventuais de renda, a exemplo do auxílio emergencial pago em 2020 e em parte de 2021. Depois de somar todos aqueles valores, o BC desconta os valores pagos pelas famílias a título de imposto de renda e impostos sobre o patrimônio (como IPTU e ITR), as contribuições para a Previdência e transferências de renda feitas pelas famílias para outras instituições e para fora do Brasil.

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Quatro vezes mais rápido

Em dois anos, a parcela da renda familiar consumida pelo serviço da dívida (juros e amortizações) sofreu elevação de cinco pontos percentuais, saindo de 22,9% para 27,9% entre abril de 2021 e o mesmo mês deste ano. Esses percentuais, combinados com os dados da renda disponível bruta, permitem estimar quanto as famílias têm gasto mês a mês apenas para fazer frente ao serviço de suas dívidas. Na média trimestral, em abril de 2021, a renda somava R$ 555,445 bilhões a valores atualizados pela inflação até abril deste ano e ajustados sazonalmente, descontando-se fatores que se repetem sempre nos mesmos períodos a cada ano e que poderiam desvirtuar comparações. Tomando aquele percentual de 22,9% registrado pelas séries estatísticas do BC, pode-se concluir que o serviço da dívida das famílias havia alcançado, em números aproximados, algo em torno de R$ 127,197 bilhões. Essa despesa cresceu numa velocidade quase quatro vezes maior do que o ritmo de avanço da renda disponível nos dois anos seguintes.

Balanço

  • Em abril deste ano, dado mais recente divulgado pela autoridade monetária, a renda avançou para R$ 601,326 bilhões, também na média do trimestre encerrado naquele mês. As famílias, no entanto, gastaram pouco menos de R$ 167,770 bilhões com o serviço de suas dívidas, num avanço de 31,9% em relação ao mesmo mês de 2021. Para comparar, a renda no mesmo período experimentou variação de apenas 8,26%.
  • Em outros termos, enquanto a renda bruta disponível das famílias anotou acréscimo de R$ 45,881 bilhões, o serviço da dívida registrou elevação correspondente a R$ 40,573 bilhões. Dito de outra forma, a cada R$ 100 acrescidos à renda, em torno de R$ 88,43 foram desviados para o pagamento de juros, reduzindo o rendimento disponível para a realização de outras despesas mais essenciais.
  • O estoque do crédito ampliado contratado pelas famílias, agora na série até maio deste ano, saltou 36,95% frente a maio de 2021, subindo de R$ 2,582 trilhões para R$ 3,536 trilhões. Na comparação com o Produto Interno Bruto (PIB), o saldo daqueles créditos saiu de 31,5% para 34,4%.
  • Considerando apenas empréstimos e financiamentos contratados pelas famílias no sistema financeiro nacional, no segmento de recursos livres, a inadimplência das pessoas físicas chegou em maio deste ano aos níveis mais elevados em 10 anos, alcançando 6,3%, o que se compara com 4,1% em maio de 2021. A taxa só é superada pelos 6,6% registrados em maio de 2013.
  • Num prazo mais curto, comparando o trimestre entre março e maio do ano passado e igual período deste ano, a oferta de crédito para as empresas continuava a murchar, enquanto as contratações de empréstimos e financiamentos para pessoas físicas manteve-se em crescimento, o que sugere um agravamento no cenário de endividamento das famílias, especialmente em um momento de alta na inadimplência. Atualizadas com base na inflação transcorrida até maio deste ano e descontados fatores sazonais, as concessões para pessoas jurídicas caíram 9,69% entre o trimestre finalizado em maio de 2022 e o mesmo intervalo deste ano, saindo de R$ 640,1 bilhões para R$ 578,1 bilhões, ou seja, em torno de R$ 62,0 bilhões a menos.
  • Para as pessoas físicas, as concessões aumentaram 6,03%, já que passaram de R$ 701,2 bilhões para R$ 743,5 bilhões (perto de R$ 42,3 bilhões mais). As concessões totais recuaram de R$ 1,332 trilhão para R$ 1,312 trilhão, em baixa de 1,46%.
  • As taxas de juros, na média das operações com recursos livres (que autorizam os bancos a imporem livremente as taxas que desejem, bem entendido), escalaram de 14,6% para 23,8% ao ano, entre maio de 2021 e igual mês deste ano para as empresas. Para as pessoas físicas, as taxas médias atingiram o seu nível mais alto desde agosto de 2017, saltando de 39,8% em maio de 2021 para 59,9% em igual mês deste ano. Em agosto de 2017, o custo havia sido de 62,3%.
  • Os dados preliminares do censo demográfico, liberadas ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a serem confirmados, corroboram uma tendência de forte desaceleração no ritmo de crescimento da população, o que deverá gerar consequências importantes para toda a vida nacional, afetando os setores de educação, saúde, assistência social, Previdência e a economia em seu conjunto.
  • Naquela estimativa, a população brasileira teria alcançado 203,062 milhões em 2022, diante de uma estimativa anterior, divulgada em dezembro passado, de 207,8 milhões de habitantes e bem abaixo da projeção divulgada em 2021 pelo instituto, em torno de 213,3 milhões de pessoas. A taxa média de crescimento geométrico da população despencou de 1,17% entre 2000 e 2010 para apenas 0,52% – o que seria insuficiente para manter a população em crescimento nos próximos anos, já que o número de nascimentos não seria suficiente para repor o total de mortes ano a ano.