Gasto com juros detona contas do Tesouro no primeiro trimestre

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 12 de maio de 2023

O Tesouro Nacional gastou R$ 97,271 bilhões a mais apenas para fazer frente os juros de sua dívida no primeiro trimestre deste ano, em valores atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A variação das despesas com juros na comparação com o trimestre inicial do ano passado superou toda a despesa com o programa Bolsa Família nos 12 meses de 2022, quando esse gasto havia atingido perto de R$ 91,459 bilhões a valores de março deste ano.

A escalada dos juros tem sido o grande fator de desequilíbrio das contas do setor público federal desde que o Banco Central (BC) do senhor Roberto Campos Neto, dono de contas em paraísos fiscais, decidiu aumentar a taxa básica para esfriar a economia e tentar segurar uma inflação fundamentalmente causada por problemas de oferta de bens e insumos e ainda pela elevação de preços e tarifas de combustíveis e energia elétrica. Os dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) mostram que a despesa com juros aumentou nada menos do que 61,02% em termos reais, descontada a inflação, entre o primeiro trimestre do ano passado e igual período deste ano, e foi responsável pela maior parcela do salto de quase 1.800% no rombo nominal, como se verá adiante.

Sempre em valores corrigidos, os juros chegaram a consumir em torno de R$ 157,679 bilhões entre janeiro e março deste ano, o que se compara com praticamente R$ 60,408 bilhões no mesmo trimestre de 2022. A conta aumentou em R$ 97,271 bilhões conforme anotado desde o início e simplesmente detonou qualquer pretensão de equilibrar as contas do Tesouro, abrindo um rombo gigantesco nesta área. Sem os juros, o Tesouro havia realizado um superávit primário de R$ 32,341 bilhões entre janeiro e março deste ano. Incluindo os juros, o saldo positivo transforma-se em um déficit gigantesco, próximo a R$ 125,338 bilhões. O cálculo da coluna não considera os ajustes feitos pelo BC para apurar o resultado nominal no conceito “abaixo da linha”, que mede a variação dos passivos, quer dizer, das dívidas do Tesouro (neste caso, um aumento da dívida corresponde a um resultado nominal negativo e vice-versa, com sua queda sendo interpretada como se o Tesouro tivesse produzido um superávit).

Continua após a publicidade

Duas observações

Ora, dirão os ortodoxos, mas o resultado primário do Tesouro encolheu fortemente naquela mesma comparação, contribuindo para elevar o déficit nominal (já incluídos as despesas com juros). De fato, o superávit primário desabou de R$ 54,135 bilhões entre janeiro e março do ano passado para pouco menos de R$ 32,342 bilhões em idêntico intervalo deste ano, numa queda de 40,26% em termos reais. Há pelo menos duas observações a acrescentar. A primeira e mais óbvia é que o resultado primário continuava positivo até março. A segunda e mais importante é que a queda no saldo primário foi responsável por uma parcela muito menos relevante no agravamento do rombo do que a contribuição muito mais negativa vinda da escalada dos juros.

Balanço

  • Aos números mais uma vez. Como visto, o superávit primário caiu alguma coisa ao redor de R$ 21,793 bilhões, enquanto o rombo nominal aumentou R$ 119,065 bilhões ao avançar de R$ 6,273 bilhões para R$ 125,338 bilhões – num salto de 1.798% (ou seja, quase 19 vezes a mais).
  • Como já visto e revisto, a despesa com juros cresceu aqueles R$ 97,271 bilhões, o que correspondeu a uma contribuição negativa de 81,70% na formação do déficit nominal. Para quem gosta de detalhes, a contribuição da queda no superávit primário ficou limitada a 18,30%.
  • Os dados oficiais da STN e do BC indicam que o resultado nominal havia sido deficitário em R$ 5,806 bilhões no primeiro trimestre do ano passado e cresceu pouco mais de 20,7 vezes em igual período deste ano, alcançando R$ 126,267 bilhões, num acréscimo, portanto, de R$ 120,461 bilhões. Os ajustes metodológicos realizados para estimar o resultado “abaixo da linha” não anulam o fato de que as despesas com juros foram e têm sido o principal fator na piora das contas do Tesouro Nacional.
  • Na leitura dos mercados, sempre enviesada pelos interesses bilionários envolvidos, aumentos no déficit primário levam necessariamente ao crescimento da dívida pública e, portanto, a uma piora na relação entre dívida e o total de riquezas gerados pelo País em períodos determinados, que o Produto Interno Bruto (PIB) tenta medir. Na verdade, ao longo das últimas muitas décadas, essa piora relativa tem ocorrido por conta de políticas monetárias opressivas, orientadas unicamente para a preservação de taxas de juros estratosféricas.
  • A situação de endividamento no setor público, que não tem a gravidade alardeada pelo terrorismo fiscal que grassa no debate econômico como erva daninha, seria muito mais confortável se as políticas de juros fossem mais racionais e se o BC se prestasse a funcionar como um banco central, contendo a especulação que ajuda a elevar as taxas de juros de longo prazo, puxando junto a taxa básica de curto prazo, fixada pelo Comitê de Política Monetária (Copom).
  • Numa nota final, a queda no superávit primário foi determinada muito mais pela redução das receitas líquidas do Tesouro, que anotaram perda de R$ 17,111 bilhões entre os dois trimestres analisados, saindo de R$ 490,010 bilhões para R$ 472,890 bilhões (baixa de 3,49%). Ajudou no processo as perdas de R$ 49,745 bilhões em receitas não administradas pela Receita Federal do Brasil, em função de quedas em receitas não recorrentes (concessões, dividendos e receitas pela exploração de recursos naturais). A despesa primária total avançou apenas 1,07% (mais R$ 4,682 bilhões, saindo de R$ 435,875 bilhões para R$ 440,557 bilhões).