Gasto com juros e amortizações consome 62% dos ganhos de renda em 12 meses

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de agosto de 2023

Pressionadas por juros escorchantes, as famílias continuam obrigadas a destinar uma fatia crescente de sua renda apenas para pagar juros e amortizar suas dívidas, que também se mantiveram em elevação nos últimos meses. O corte muito modesto das taxas de juros básicas, conforme anunciado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no começo deste mês, não deve alterar o cenário observado até julho, no dado mais recente divulgado pelo Banco Central (BC) sobre o mercado de crédito no País. O nível de comprometimento da renda disponível bruta das famílias atingiu em junho seu nível mais elevado em toda a série histórica, batendo em 28,33%, numa estatística divulgada usualmente com atraso pela autoridade monetária, refletindo a realidade observada dois meses atrás.

Na verdade, foi o terceiro mês consecutivo de recordes nesta área, o que demonstra um incremento mais vigoroso das despesas financeiras em relação ao desempenho da renda familiar, que não tem crescido na mesma proporção. Em junho do ano passado, a relação entre juros e amortizações – o serviço da dívida – e a renda bruta disponível das famílias havia alcançado 26,80%, saindo de 20,22% em julho de 2020, o menor índice desde fevereiro de 2008. Como se recorda, os juros básicos estavam em 2,25% ao ano em julho de 2020, em meio à crise produzida pela pandemia, e chegaria a 2,0% no início de agosto do mesmo ano.

Os juros cobrados das pessoas físicas, na média das operações realizadas dentro do chamado “mercado livre de crédito”, onde os bancos têm total liberdade de impor a taxa que bem entenderem aos tomadores de empréstimos, não eram exatamente baixos. Rondavam a casa dos 39,8% ao ano, um achaque de fato, mas uma das mais baixas na série das estatísticas do BC – o que só reafirma os níveis do absurdo produzido pela financeirização da economia nas últimas décadas. Os juros cobrados das pessoas físicas haviam alcançado 58,5% em julho deste ano, abaixo dos 59,9% e 59,1% registrados em maio e junho, respectivamente, mas 5,1 pontos percentuais acima da taxa média registrada em julho do ano passado, quando os juros estavam em 53,4%.

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Peso exorbitante

Em dados atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e dessazonalizados pelo BC (quer dizer, excluídos fatores que se repetem nas mesmas épocas a cada ano), a renda bruta disponível, na média trimestral, anotou variação de 4,49% entre junho do ano passado e o mesmo trimestre encerado em junho deste ano, passando de R$ 571,682 bilhões para R$ 597,357 bilhões. A comparação mostra um reforço de R$ 25,675 bilhões no orçamento das famílias. Como base nesses valores, a coluna estimou os valores que teriam sido desembolsados pelas famílias apenas para pagar juros e as “prestações” de suas dívidas. Como resultado, pode-se sugerir um gasto aproximado de R$ 169,231 bilhões em junho deste ano, o que se compara com R$ 153,211 bilhões no mesmo período do ano passado, correspondendo a um aumento de 10,46%. As despesas com a dívida, portanto, foi ampliada em R$ 16,020 bilhões. Dito de outra forma, a famílias foram obrigadas a destinar perto de 62,40% da renda adicional obtida ao longo daqueles 12 meses apenas para pagar juros e amortizações.

Balanço

  • O cálculo do comprometimento de renda das famílias com o pagamento do serviço de dívidas contratadas leva em conta o conceito de renda familiar bruta disponível adotado pelo BC, o que inclui rendimentos do trabalho, renda de aluguéis, juros e rendimentos líquidos de aplicações financeiras e de outras formas de investimento, dividendos e lucros distribuídos pelas empresas, aposentadorias, pensões, abono e seguro desemprego, benefícios de prestação continuada, Bolsa Família e outros benefícios de assistência social. Esses valores são descontados de impostos que incidem sobre a renda e o patrimônio das famílias (a exemplo do IPTU), contribuições pagas à Previdência e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outras transferências de renda das famílias para outras instituições e para o exterior.
  • A situação parece ter se agravado no curtíssimo prazo, a se considerar a estatística produzida pelo BC. Na comparação com março deste ano, a renda disponível bruta sofreu baixa de 2,31% ao recuar de R$ 611,475 bilhões para aqueles R$ 597,357 bilhões anotados em junho passado, numa perda de R$ 14,118 bilhões. Ainda em março, a parcela da renda comprometida com os pagamentos de dívidas havia anotado 27,59%, sugerindo uma despesa próxima de R$ 168,706 bilhões. Em três meses, o gasto praticamente não saiu do lugar, variando 0,31%, o que significou um acréscimo de R$ 525,0 milhões na conta das famílias.
  • Num prazo mais longo, tomando-se maio de 2017, quando o comprometimento da renda se encontrava em níveis mais baixos, ao redor de 22,24%, a renda disponível cresceu 10,27% em termos reais, até junho deste ano, o que correspondeu a um ganho de R$ 55,673 bilhões. A questão é que o aumento no serviço da dívida em termos absolutos foi equivalente a 87,58% daquele ganho, somando R$ 48,760 bilhões em pouco mais de seis anos. Para registro, a estimativa para o serviço da dívida em maio de 2017 aproxima-se de R$ 120,471 bilhões. Vale dizer, essa despesa aumentou 40,47% em termos reais ao longo de todo aquele período.
  • A inadimplência das pessoas físicas no segmento de crédito “livre” cresceu mais aceleradamente neste ano, chegando a 6,2% em julho, retomando os níveis observados na segunda metade de 2016. Para comparação, em julho do ano passado, a fatia do crédito não honrado pelos tomadores pessoas físicas chegava a 5,5% em julho do ano passado. As mudanças neste mercado estimularam os bancos a ampliar sua “margem de lucro” (mais conhecida como “spread”, a diferença entre as taxas pagas pelos bancos aos investidores e aquela cobrada de quem toma esses recursos como empréstimo). Entre julho do ano passado e o mesmo mês deste ano, o “spread” subiu de 27,5% para 33,0%.