Gasto com juros mais do que dobra em dois anos e ameaça equilíbrio fiscal

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de junho de 2023

A escalada da taxa básica de juros fez disparar as despesas do setor público nesta área, gerando um foco de pressão fiscal jamais reconhecido pelo Banco Central (BC) – e muito menos ainda sob a direção de Roberto Campos Neto –, além de ser amplamente ignorado por consultores, economistas e analistas conservadores, supostos liberais e ortodoxos em geral. A despesa muito elevada e crescente com juros produz impactos desastrosos nas contas públicas e tem sido, já há anos, o principal fator de crescimento do endividamento público, mesmo quando o governo resgata, quer dizer, recompra parte de sua dívida negociada no mercado financeiro.

Os gastos com juros do governo geral, que inclui o governo central, Estados, municípios e estatais, aproximaram-se de R$ 762,307 bilhões no acumulado entre maio de 2022 e abril deste ano, o que representou um aumento de 108,0% na comparação com a despesa de R$ 366,423 bilhões registrada nos 12 meses encerrados em abril de 2021. Não é coincidência que a disparada ocorra a partir do início do arrocho monetário imposto ao País pelo BC, com elevação sistemática das taxas de juros ao longo de praticamente 18 meses, entre meados de março de 2021 e o começo de agosto do ano passado. Nesse intervalo, os juros básicos saíram de 2,0% para os 13,75% que vigoram ainda hoje, quase 12 meses depois.

Na comparação com o Produto Interno Bruto (PIB) igualmente acumulado em 12 meses, nas estimativas do próprio BC, o gasto com juros neste ano vem se consolidando como o segundo maior na série histórica recente, ficando atrás apenas dos números de 2016, quando a taxa básica se manteve em 14,25% entre janeiro e 19 de outubro. Nos 12 meses encerrados em abril daquele ano, a despesa com juros havia alcançado R$ 475,209 bilhões, correspondendo a 7,84% do PIB. Neste ano, em igual intervalo, a relação chegou a 7,48%, saindo de 4,55% em 2021 e de 6,76% no ano seguinte, sempre no período de 12 meses até abril de cada exercício.

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Segundo maior gasto

Olhando apenas os gastos do Tesouro Nacional, os juros consumiram R$ 567,834 bilhões entre maio de 2022 e abril deste ano, crescendo 134,6% em relação ao período nos 12 meses encerrado em abril de 2021, quando aquela despesa havia atingido R$ 242,043 bilhões. Para comparar, ainda considerando o intervalo entre maio do ano passado a abril deste ano, os juros foram o segundo principal item nos gastos totais do Tesouro, ficando atrás apenas das despesas com benefícios previdenciários, que somaram R$ 813,775 bilhões. A diferença é que a Previdência atende a quase 93,0 milhões de brasileiros, praticamente 43,0% da população, e os juros alimentam a ciranda financeira, beneficiando a fatia de 1,0% da população colocada entre os muito ricos. Em outra comparação, o total de recursos drenados pela política de juros altos, ainda sob a ótica específica do Tesouro, foi 66,3% maior do que toda a despesa com a folha do funcionalismo federal, que somou R$ 341,490 bilhões nos 12 meses terminados em abril deste ano.

Balanço

  • O estrago causado pelo avanço desmedido dos juros sobre as contas públicas pode ser aferido ainda com base nos dados da dívida pública bruta do governo geral (e, obviamente, também sobre a dívida pública mobiliária federal interna). Em sua visão mais ampla, a dívida do governo geral cresceu 10,95% entre março de 2021 e abril deste ano, em valores nominais – lembrando que a inflação acumulada no período alcançou 18,28%, o que significa dizer que, em termos reais, a dívida encolheu perto de 6,2%.
  • De toda forma, o aumento nominal pode ser integralmente debitado na conta da política monetária do senhor Campos Neto e sua equipe ao longo do período analisado. Desde março de 2021, o governo recomprou liquidamente (quer dizer, já descontado o valor da dívida “nova” emitida ou vendida ao mercado sob a forma de títulos públicos) perto de R$ 556,850 bilhões. Seria razoável esperar que o estoque da dívida fosse reduzido mesmo em termos nominais. Mas, como visto, não foi o que aconteceu. Na verdade, o saldo do endividamento público registrou incremento equivalente a R$ 735,645 bilhões, passando de R$ 6,721 trilhões para praticamente R$ 7,457 trilhões.
  • Todo esse crescimento pode ser explicado pelo tamanho da despesa com juros apropriada no saldo da dívida pública bruta naqueles 25 meses. Esse gasto somou pouco mais de R$ 1,380 trilhão, praticamente duas vezes e meia o total da dívida recomprada pelo governo. Parece evidente que essa pressão seria definitivamente menor caso os juros tivessem subido menos ou, alternativamente, caso o BC já tivesse tomado a decisão mais racional e correta de iniciar a redução da taxa básica lá atrás.
  • O cenário apenas não se tornou mais complicado porque o PIB nominal passou a apresentar maior variação depois de suspensas as medidas de afastamento social em vigor nos meses mais críticos da pandemia, fazendo a relação entre a dívida bruta e o produto baixar de 85,30% em março de 2021 para 73,17%.
  • Na área federal, a dívida mobiliária pública, expressa em papéis emitidos pelo Tesouro, apresentou variação de 8,03% ao avançar de R$ 5,360 trilhões em abril do ano passado para R$ 5,709 trilhões no mesmo mês de 2023. Em termos nominais, aquela variação correspondeu a um acréscimo de R$ 430,647 bilhões no saldo devido pelo governo federal. Novamente, naqueles 12 meses, o Tesouro havia recomprado R$ 140,421 bilhões de sua dívida, liquidando parte do valor devido aos credores, aos “donos da dívida pública”.
  • Mais claramente, foram emitidos pouco menos de R$ 1,10 trilhão em novos títulos, devidamente vendidos ao mercado, e resgatados (recomprados) R$ 1,240 trilhão. Mas os juros atingiram R$ 571,694 bilhões.