Gasto das famílias com juros sobe 21% e supera R$ 159 bilhões

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 15 de dezembro de 2022

O crescimento continuado do crédito ampliado contratado pelas famílias e o arrocho monetário protagonizado pelo Banco Central (BC) desde a segunda semana de março do ano passado têm agravado o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de juros e “prestações” (amortizações) de suas dívidas. O crédito ampliado inclui outras formas de dívida além daquelas relacionadas a empréstimos e financiamentos bancários, cartão de crédito e outras modalidades oferecidas pelo sistema financeiro, a exemplo do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), além de empréstimos tomados fora do País, num retrato ampliado do endividamento das famílias e também das empresas.

Até setembro do ano passado, dado mais recente divulgado pelo BC, as famílias destinaram 25,41% de sua renda para pagar juros e amortizações, o chamado “serviço” da dívida. Esse percentual elevou-se para um recorde de 28,71% em setembro deste ano, praticamente 3,3 pontos percentuais a mais. O cálculo do BC leva em conta a relação entre o serviço da dívida e a renda bruta disponível das famílias numa média trimestral, já devidamente dessazonalizada e ajustada à inflação. A valores corrigidos até outubro deste ano com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a renda familiar avançou de R$ 517,580 bilhões no trimestre terminado em setembro do ano passado para R$ 554,085 bilhões em igual período deste ano, numa variação de 7,05% em termos reais.

Aplicando o percentual de comprometimento apontado pelo BC à renda disponível na média móvel trimestral igualmente calculada pela autoridade monetária chega-se a uma estimativa de qual o valor destinado pelas famílias, aproximadamente pelo menos, para o pagamento de juros e amortizações. Nessa conta, a despesa aproximou-se de R$ 159,078 bilhões em setembro deste ano, diante de R$ 131,517 bilhões no trimestre finalizado em setembro de 2021, numa alta de 20,96% em valores reais e dessazonalizados. Esse tipo de gasto registrou elevação correspondente a R$ 27,561 bilhões no período considerado, o que deve ter causado alguma forma de impacto sobre decisões de consumo das famílias.

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Dívida crescente

O saldo do crédito ampliado avançou de R$ 2,777 trilhões, algo como 32,90% do Produto Interno Bruto (PIB) acumulado em 12 meses até setembro de 2021, na estimativa do BC, para quase R$ 3,299 trilhões no mesmo mês deste ano, quando respondeu por 35,0% do PIB, subindo 18,78%. Como se nota, a dívida tem crescido em velocidade muito maior do que a capacidade de a economia gerar novas riquezas ao apresentar variação nominal de 18,78% naqueles 12 meses, num acréscimo de R$ 521,6 bilhões em apenas um ano. A dívida passou a representar 51,65% da renda nacional disponível bruta das famílias, diante de 48,81% em setembro do ano passado, já que a soma de todos os rendimentos domiciliares apresentou variação de 12,24% nos dados do BC, em valores também nominais (quer dizer, sem atualização com base em índices inflacionários).  Na soma acumulada em 12 meses até setembro de 2021 e deste ano, a renda bruta disponível das famílias avançou de praticamente R$ 5,690 trilhões para R$ 6,387 trilhões, igualmente em números arredondados.

Balanço

  • O conceito de renda nacional disponível bruta, desenvolvido pelo BC, contempla salários dos trabalhadores, dividendos e outras rendas recebidos por donos de empresas, rendimentos de aluguéis e juros e demais rendimentos de aplicações financeiras, aposentadorias, pensões e benefícios do sistema nacional de assistência social, como os benefícios de prestação continuada, renda mensal vitalícia e Bolsa Família (hoje Auxílio Brasil), além de transferências eventuais de renda, a exemplo do auxílio emergencial. Depois de somar todos aqueles valores, o BC desconta os valores pagos pelas famílias a título de imposto de renda e impostos sobre o patrimônio (como IPTU e ITR), as contribuições para a Previdência e transferências de renda feitas pelas famílias para outras instituições e para fora do Brasil.
  • O processo de endividamento, ao que sugerem os dados do BC, parece ter continuado seu avanço em outubro. Numa estimativa da coluna, já que os dados oficiais a respeito estarão disponíveis apenas no dia 27 deste mês, a relação entre crédito ampliado e renda bruta disponível das famílias, no dado acumulado em 12 meses, deve ter se aproximado de 51,9% em outubro deste ano, em comparação com 49,6% no mesmo mês do ano passado.
  • A conta considera a posição da dívida nominal em outubro de cada ano, ao redor de R$ 2,834 trilhões em 2021 e próxima de R$ 3,364 trilhões neste ano, e a renda bruta das famílias acumulada em 12 meses até outubro, que saiu de R$ 5,709 trilhões em 2021 para R$ 6,476 trilhões neste ano. Enquanto o crédito ampliado das famílias cresceu 18,7% no intervalo analisado, a renda apresentou variação nominal de 13,44%.
  • Novamente, o tamanho do crédito ampliado contratado pelas famílias voltou a registrar elevação mais intensa do que a variação nominal do PIB, trazendo a relação entre as duas variáveis de 33,3% em outubro do ano passado para 35,4% no mesmo mês deste ano.
  • Nitidamente, como se percebe, a política de juros altos executada há aproximadamente 21 meses e a perspectiva de sua manutenção por um período mais longo, embora ainda não definido, como indica a nota mais recente do Conselho de Política Monetária (Copom) do BC, certamente continuarão a gerar impactos sobre a renda familiar.
  • Em primeiro lugar, por via mais direta, os juros mais altos ampliam a parcela da renda a ser destinada ao pagamento de juros e amortizações, reduzindo proporcionalmente os rendimentos destinados ao consumo de bens, mercadorias e serviços.
  • O encarecimento do crédito, de outro lado, torna mais difícil sua contratação, minando outra fonte de recursos que poderia ajudar a financiar parcela dos gastos das famílias. Para as famílias endividadas, o aumento do custo do crédito contribuiu ainda para tornar mais onerosas operações de renegociação e consolidação de dívidas, o que deverá exigir a adoção de políticas públicas destinadas a facilitar esse tipo de transação, ajudando a desbloquear um fator que tem travado o consumo como consequência do crescimento do endividamento e também da inadimplência entre os consumidores.