Inadimplência das pessoas físicas atinge maior nível em mais de 6 anos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 28 de fevereiro de 2023

O cenário no mercado de crédito passa a apontar tendências preocupantes para empresas, para as famílias endividadas e para a economia como todo, com elevação nas taxas de inadimplência no segmento de contratação de empréstimos e financiamentos a taxas de juros “livres” – quer dizer, não reguladas pelo governo e muito menos pelo Banco Central (BC). O avanço dos atrasos no pagamento do crédito livre, como se sabe, vem acompanhado por um encarecimento dos custos dos recursos emprestados pelos bancos, com consequente elevação dos gastos financeiros de pessoas físicas e jurídicas, num ritmo muito mais intenso do que o total do crédito contratado.

Ao mesmo tempo, os pagamentos em atraso entre 15 e 90 dias começam a crescer, sugerindo um agravamento mais adiante da inadimplência propriamente dita, que considera dívidas não pagas a partir do 90º dia de seu vencimento. Não é preciso ser vidente para antecipar o que poderá ocorrer caso os juros básicos sejam mantidos nos níveis extorsivos registrados atualmente, na faixa de 13,75% ao ano, lembrando que a taxa fixada pelo BC corresponde a uma espécie de “piso” para o custo do dinheiro, já que os juros pagos por empresas e pelas famílias, na média do segmento do chamado “crédito livre”, que responde por pouco mais de 59% do crédito total, encontravam-se, em janeiro, entre 84% e mais de quatro vezes acima os juros básicos.

As estatísticas divulgadas ontem pelo BC mostram, entre outras coisas, que a taxa de inadimplência no crédito livre destinado às pessoas físicas havia alcançado 6,11% em janeiro deste ano, percentual mais elevado desde outubro de 2016, quando havia alcançado 6,15% da carteira de crédito dos bancos (sempre no segmento supostamente de livre contratação). A inadimplência das famílias chegou a recuar ade 5,07% em fevereiro de 2020, antes da pandemia, para 4,02% em março de 2021, no curso de um processo de “moratória não declarada” por parte dos credores, considerando-se os graves impactos da pandemia sobre o emprego e os negócios em geral, e ainda como decorrência do pagamento do auxílio emergencial nos meses anteriores, favorecendo certa sustentação à renda das famílias.

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Crédito para empresas

Mas, já em janeiro de 2022, com redução do auxílio e do número de pessoas beneficiadas, a inadimplência das pessoas físicas havia subido para 4,62%. Nesta área, a relação entre dívidas em atraso e a carteira de crédito livre dos bancos havia alcançado seu nível mais elevado, até aqui, em agosto de 2012, chegando a 7,18% na série estatística do BC. No crédito para as empresas, os níveis da inadimplência igualmente subiram, saindo de 1,59% em janeiro do ano passado para 2,30% no primeiro mês deste ano, taxa mais elevada desde maio de 2020, quando havia alcançado 2,38%. Antes da pandemia, a inadimplência das empresas fechou em 2,27% em fevereiro de 2020, também no segmento do crédito livre, e chegou a baixar para 1,45% em dezembro do mesmo ano. A inadimplência das pessoas jurídicas registrou seu pior momento em maio de 2017, quando a taxa havia atingido 5,94%.

Balanço

  • O aumento no volume de empréstimos e financiamentos não honrados por pessoas físicas e jurídicas tende, obviamente, a complicar o cenário para a economia de uma forma geral, sobretudo diante dos problemas e da quebra de tradicionais empresas, a exemplo da Livraria Cultura e, num caso de fraude escandalosa, do grupo Lojas Americanas.
  • Diante de um cenário mais hostil e de risco mais alto, os bancos tenderiam a encurtar a oferta de crédito para o setor privado e puxar ainda mais para cima as taxas cobradas dos tomadores de empréstimos e financiamentos, levando a uma reação em cadeia que agravaria o arrocho já observado no mercado de crédito, freando investimentos privados, que já se encontram achatados historicamente.
  • Não por coincidência, os dados do BC mostram ainda que os créditos de qualidade duvidosa entre as grandes empresas passaram a responder por 6,50% do saldo total dos empréstimos concedidos ao setor pelos bancos. Essa relação voltou a crescer recentemente e retomou níveis de novembro de 2020, em torno de 6,51%. A taxa do crédito de baixa qualidade e, portanto, de risco mais elevado entre as grandes corporações do País havia atingido 6,99% em dezembro de 2019, nível mais elevado da série histórica.
  • Entre micro, pequenas e médias empresas, o crédito duvidoso tem se mantido em níveis acima de 7,0% desde o segundo semestre do ano passado, aproximando-se de 8,0% em dezembro de 2022 e em janeiro deste ano (mais precisamente 7,73% e 7,68% pela ordem). Em janeiro do ano passado, a taxa estava em 6,49%.
  • Os compromissos com atrasos de 15 a 90 dias, ainda na área do crédito a taxas livres, elevou-se de 2,98% em janeiro de 2022 para 3,62% em igual mês deste ano, na média geral, a mais alta desde os 3,84% registrados em abril de 2020. Entre as pessoas jurídicas, o percentual avançou de 1,47% no primeiro mês do ano passado para 2,42% em janeiro deste ano, a mais alta desde abril de 2020, quando havia anotado 2,63%. No segmento de pessoas físicas, o volume de pagamentos com até 90 dias de atraso saiu de 3,55% em janeiro de 2021 para 4,21% no mês inicial de 2022 e subiu até 4,53% em janeiro deste ano.
  • O saldo dos créditos livremente contratados pelas empresas reduziu sua velocidade de crescimento no começo deste ano, registrando variação nominal de 8,07% entre janeiro de 2022 e igual período de 2023 ao passar de R$ 1,256 trilhão para R$ 1,358 trilhão, em valores arredondados. Entre 2021 e 2022, o crescimento observado aproximou-se de 16,7%. Houve desaquecimento também para pessoas físicas, com o ritmo de avanço saindo de 23,7% para pouco menos de 17,6% quando considerados os mesmos períodos. Os juros subiram de 21,3% para 25,3% para as empresas, entre 2022 e 2023, com salto de 46,3% para 56,6% no crédito livre contratado por pessoas físicas – lembrando que essa é a taxa média, já que os juros no cheque especial e no crédito rotativo do cartão de crédito alcançavam, até janeiro passado, inacreditáveis 132,0% e 411,5% ao ano, respectivamente.