Indústria química encerra 2023 com maior nível de ociosidade da história

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de fevereiro de 2024

A indústria química brasileira chegou a dezembro do ano passado com 40% de suas máquinas literalmente paralisadas, segundo levantamento desenvolvido em conjunto pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe/USP). Na média, entre janeiro e dezembro de 2023, a ociosidade atingiu 36%, já que a indústria utilizou 64% de sua capacidade instalada, no índice mais elevado em toda a série histórica da associação, sinalizando um agravamento da crise no setor, que tem colecionado números negativos ao longo das últimas décadas.

A invasão dos importados ajuda a explicar em grande parte o cenário observado no setor atualmente, complicado ainda pelos efeitos adversos de conflitos geopolíticos, especialmente por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia, pelo aumento da oferta global de produtos químicos, levando a uma queda nos preços médios no mercado internacional e acirrando a concorrência predatória em relação ao produto nacional.  Os índices desenvolvidos pela Abiquim e Fipe, que consideram uma amostra representativa da indústria química, mostram quedas de 10,1% para a produção e de 10,9% para as exportações do setor entre 2022 e 2023.

Ao mesmo tempo, as vendas domésticas despencaram 9,4% na mesma comparação, ao mesmo tempo em que os volumes importados pelo setor avançaram 7,8% no ano, depois de um salto de 22,5% entre dezembro do ano passado e o mês final de 2022. Como se percebe, a indústria não teve como opção, diante do encolhimento da demanda interna, sequer a saída para o mercado externo, complicando sua situação. Paradoxalmente, o chamado “consumo aparente” de produtos químicos anotou recuo de 1,5% ao longo do ano passado, queda muito menos intensa do que aquela observada para a demanda doméstica.

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Política industrial às avessas

Essa diferença explica-se pela forma de aferição do “consumo aparente”, que soma os volumes produzidos e importados, subtraindo os embarques destinados ao mercado externo. Nessa equação, como já registrado, as compras externas cresceram, compensando parcialmente a baixa registrada nas vendas internas. Na verdade, não se trata de um dado necessariamente positivo, já que a entrada de produtos químicos importados causa o deslocamento da produção local, que tem sofrido baixas recorrentes, promovendo uma “substituição” de importações às avessas. Na prática, a importação substitui a produção doméstica, provocando desemprego e ociosidade no setor e achatando os resultados da indústria. As margens de rentabilidade foram pressionadas, adicionalmente, pela queda nos preços, que atingiu 12,7% entre janeiro e dezembro do ano passado no segmento de produtos químicos de uso industrial, refletindo as tendências em cena no mercado internacional.

Balanço

  • Conforme a Abiquim, aquele foi o segundo resultado anual negativo. Em 2022, aponta a diretora de economia e estatística da associação, Fátima Giovanna Coviello Ferreira, a demanda já havia recuado 5,8%. “O setor não consegue competir com a agressividade do importado, tampouco buscar alternativas no mercado externo”, reforça a diretora.
  • Na sua avaliação, o setor não consegue engrenar taxas de crescimento mais próximas de um “padrão de normalidade” desde 2017, quer dizer, há nada menos do que 17 anos. “De lá para cá, vem se acentuando ano a ano a perda de competitividade no Brasil, com importações crescentes e que ocupam espaço cada vez maior em relação ao atendimento da demanda local. Todos os grupos de produtos pesquisados, sem exceção, apresentaram aumento no nível de ociosidade. Por outro lado, apesar da criticidade do momento, todos os grupos de produtos analisados possuem espaço para elevar a produção no curto prazo”, destaca Coviello, segundo texto distribuído pela assessoria da Abiquim.
  • As importações passaram a responder por 47% da demanda de produtos químicos aqui dentro, o que significa que já representam quase metade do mercado, no resultado mais desfavorável em três décadas. Os volumes importados, na amostragem de produtos definida pela pesquisa Abiquim/Fipe, cresceram de forma mais destacada nos segmentos de produtos químicos intermediários para resinas termofixas, num salto de 85,8%; plastificantes, que avançaram 57,3%; resinas termofixas, em alta de 44,2%; e resinas termoplásticas, subindo 17,1%.
  • Na análise de Coviello, as condições tornam-se mais críticas “quando se avalia o crescimento do volume importado (…) versus os seus respectivos preços médios”, já que o “valor médio unitário” dos produtos importados “teve recuo de quase 34%”.
  • A Abiquim considera positivas as iniciativas anunciadas recentemente pelo governo federal, a exemplo da nova política industrial e do programa Gás para Empregar, que tendem a enfrentar questões mais estruturais da indústria como um todo. Mas defende a adoção de medidas emergenciais para fazer frente a problemas mais imediatos e conjunturais, a exemplo da elevação transitória das alíquotas de importação para uma lista de produtos, “comprando” algum tempo para o setor até que as medidas mais estruturais comecem a surtir efeito.
  • De acordo com Coviello, “a manutenção do quadro internacional atual, associado à elevada ociosidade e às crescentes importações, pode comprometer o parque instalado, trazendo consequências desastrosas ao País, que podem resultar em desativações de unidades, perdas de postos de trabalho e menor arrecadação de impostos pelo setor químico, que é atualmente o primeiro no pagamento de tributos federais”. No ano passado, acrescenta ela, a queda da produção de químicos “resultou em uma perda de quase R$ 8 bilhões em arrecadação de impostos federais para o País”.