Investimento federal desaba 72% em oito anos e atinge seu nível mais baixo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 30 de novembro de 2022

Os números das contas do Tesouro Nacional, festejados como grande realização pela equipe econômica instalada na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, não parecem reluzir tanto assim quando analisados em detalhe. E, como todos sabem e diz o clichê, o diabo sempre esteve nos detalhes. Em grande medida, o “sucesso” da gestão fiscal deveu-se, como este espaço tem mostrado, a ganhos de receitas não recorrentes, quer dizer, que dificilmente poderão ser reeditados nos próximos anos, ao arrocho na folha de salários do funcionalismo federal, ao achatamento de aposentadorias e pensões devidos pela Previdência e, como não poderia deixar de ser, ao enxugamento radical sofrido pelos investimentos federais.

Os dados oficiais da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), devidamente atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mostram um mergulho do investimento realizado pelo governo federal nos últimos oito anos, num processo que ganhou maior força a partir de 2017. Nos primeiros dez meses deste ano, o governo investiu pouco menos de R$ 31,525 bilhões, cerca de R$ 6,891 bilhões a menos do que o investimento de R$ 38,416 bilhões realizado em igual período do ano anterior, numa queda de 17,80% em termos reais.

Na série histórica da STN, iniciada em 2008, o investimento atingiu seu nível mais baixo, certamente com efeitos igualmente sobre o investimento privado, já que o gasto público contribui para impulsionar decisões privadas nesta área. Comparado aos dez meses iniciais de 2014, quando o Tesouro registrou investimentos na casa dos R$ 112,124 bilhões, houve um enxugamento de R$ 80,599 bilhões desde lá, num corte de 71,88% depois de descontada a inflação.

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Salários achatados

As despesas com pessoal e encargos, da mesma forma, passaram a encolher desde o ano passado e acumularam, entre janeiro e outubro deste ano, o valor mais baixo desde igual período de 2009, ou seja, há 13 anos, quando a folha havia exigido gastos de R$ 266,234 bilhões em dez meses. Neste ano, ainda no mesmo intervalo, o gasto com pessoal somou R$ 274,265 bilhões, numa variação real de apenas 3,02% frente a 2009. Mas, na comparação com idêntico período do ano passado, registou-se um corte de R$ 20,137 bilhões, significando uma queda real de 6,83% em relação aos R$ 294,402 bilhões dispendidos nos dez primeiros meses do ano passado. Comparado aos mesmos dez meses de 2019, o corte salta para R$ 35,209 bilhões, num tombo de 11,38% quando se considera uma folha de R$ 309,474 bilhões até outubro daquele ano, anterior à pandemia.

Balanço

  • O enxugamento da folha de pessoal e dos investimentos, da mesma forma, resulta da política de desmonte perseguida com afinco pelo ministro dos paraísos fiscais, na suposta esperança de que a retração do setor público venha abrir espaço para o setor privado, a despeito da falta de evidências empíricas que suportem esse tipo de política.
  • De volta aos números da STN, as receitas totais do governo central experimentaram crescimento real d 12,85% na comparação entre os dez primeiros meses deste ano e o mesmo intervalo de 2021, saindo de R$ 1,724 trilhão para R$ 1,945 trilhão, num ganho de R$ 221,466 bilhões. O crescimento das receitas administradas pela Receita Federal explica pouco menos de 39% daquele incremento, visto que anotaram um acréscimo de R$ 86,284 bilhões naquela mesma comparação, avançando de R$ 1,088 trilhão para R$ 1,174 trilhão, crescendo 7,93%.
  • A participação das receitas administradas, que contemplam a arrecadação dos impostos de renda e sobre produtos industrializados, além de contribuições diversas, entre outros tributos, foi reduzida de 63,10% para 60,35% em relação às receitas totais.
  • Mas as receitas não administradas saltaram nada menos do que 44,27% entre os dois períodos analisados, avançando de R$ 238,325 bilhões para R$ 343,832 bilhões. O ganho aqui chegou a R$ 105,508 bilhões, correspondendo a 47,64% de todo o aumento experimentado pelas receitas totais do governo central, muito embora a participação daqueles recursos na receita total não ultrapasse 17,68%. De toda forma, a fatia aumentou consideravelmente desde o ano passado, quando havia alcançado 13,83%.
  • A arrecadação líquida do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por sua vez, aumentou 7,45% igualmente depois de descontada a inflação, elevando-se de R$ 397,825 bilhões para R$ 427,456 bilhões, num acréscimo de quase R$ 29,632 bilhões. A variação explica 13,38% do aumento registrado pelas receitas totais.
  • Analisando de forma mais desagregada o comportamento das receitas não administradas, três categorias mais do que justificam o salto percebido nesta área. As receitas de concessões e permissões, sobretudo em função da privatização da Eletrobrás, dispararam de R$ 7,261 bilhões nos primeiros dez meses do ano passado para R$ 43,071 bilhões em igual intervalo deste ano, num salto de 493,16%. Apenas aqui, a receita adicional somou quase R$ 35,810 bilhões.
  • O pagamento de dividendos e participações pelas empresas estatais à União aumentou 227,13% ao saltar de R$ 24,202 bilhões para R$ 79,173 bilhões (R$ 54,971 bilhões a mais). As receitas com a exploração de recursos minerais, graças ao pré-sal e à extração de minério de ferro, cresceram de R$ 91,917 bilhões para R$ 121,147 bilhões, variando 31,80% (mais R$ 29,230 bilhões, em grandes números). Os três itens contribuíram com 54,19% para o aumento geral das receitas e não deverão se repetir mais à frente.
  • Com isso, o Tesouro acumulou superávit primário de R$ 66,831 bilhões entre janeiro e outubro deste ano, frente a um déficit de R$ 58,652 bilhões em igual período de 2021. Na série histórica, foi apenas o 14º melhor resultado do governo nesta área.