Coluna

Juros continuam tão altos como em 2014, quando taxa básica era de 11%

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 01 de janeiro de 2020

A
inadimplência vem caindo e atingiu, ao longo de 2019, os níveis mais baixos na
série histórica, derrubando igualmente a necessidade de os bancos “reservarem” (provisionarem)
dinheiro em seus balanços para fazer frente a eventuais “calotes” de tomadores
de empréstimos. Da mesma forma, a redução dos recolhimentos compulsórios do
sistema financeiro ao Banco Central (BC) fez cair seu peso sobre as operações
de crédito, liberando mais recursos para novos empréstimos e financiamentos, o
que, ao menos em tese, deveria contribuir pra tornar o custo do dinheiro mais
baixo.

Mesmo
o crédito direcionado, alvo de uma campanha difamatória incansável nos últimos
anos, perdeu importância relativa e continua encolhendo, resultado das
políticas ultraliberais comandadas pelo ministro dos mercados. A chamada taxa
Selic, que define os juros básicos na economia, sob orquestração do Comitê de
Política Monetária (Copom), desabou para 4,50%, o nível mais baixo em toda a
série histórica, sinalizando uma taxa real ao redor de 0,5% ao ano. A despeito
de tudo e contra todas as evidências, os juros cobrados pelos bancos na média
das operações contratadas a taxas livres mantêm-se exatamente onde estavam
quando os juros básicos eram 6,5 pontos mais elevados.

No
segmento de crédito livre, a inadimplência saiu de 4,58% em maio de 2014 para 5,74%
em novembro de 2016 e baixou para 3,84% no mesmo mês deste ano, levemente
inferior à taxa de 3,97% registrada em novembro de 2018. O recolhimento
compulsório dos bancos, que representava 14,14% das operações de crédito em
maio de 2014, havia subido para 15,42% em setembro de 2017 e, em novembro deste
ano, passou a corresponder a 13,10%, liberando para o sistema algo como R$ 25,5
bilhões em pouco mais de dois anos. As provisões, por sua vez, caíram de 6,6%
em novembro de 2017 para 6,1% em igual período deste ano (duas vezes mais do
que a inadimplência geral no sistema financeiro). Em maio de 2014, os juros
médios no crédito livre eram de 35,96% ao ano, diante de uma taxa básica anual
de 11,0% (uma diferença de 3,27 vezes). Os juros básicos estavam em 5,0% em
novembro, mas os juros dos bancos, ainda no crédito livre, atingiram 36,15%
(com a diferença entre as duas taxas saltando para 7,25 vezes).

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Concentração e
lucros

Num
resumo, os bancos trataram de reforçar suas margens brutas de lucro (o chamado
“spread bancário”, que é a diferença entre as taxas pagas aos investidores para
deixarem seu dinheiro nos bancos e os juros cobrados de empresas e famílias na
contratação de empréstimos e financiamentos). Evidências e estudos sugerem que
esse tipo de comportamento se explica especialmente em função da elevada
concentração e baixa competição no mercado financeiro. Os cinco maiores
conglomerados financeiros no País detêm, como exemplo, perto de 78,9% do saldo
total das operações de crédito e um poder (ainda não totalmente dimensionado em
estudos mais apropriados) para fixar os juros cobrados de seus clientes. Para
compara, o spread chegava a 24,61% em maio de 2014, atingiu 41,94% em outubro
de 2016 e havia caído para 29,90% em novembro do ano passado. No mesmo mês de
2019, a “margem bruta” dos bancos avançou para 30,63%.

Balanço

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Por
isso, além de outros fatores, o economista Ricardo de Menezes Barboza, professor
colaborador do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead-UFRJ) e mestre em macroeconomia
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, coloca em dúvida as análises
que colocam o avanço do crédito como um dos principais impulsionadores de um
crescimento mais vigoroso da atividade econômica daqui em diante.

·  
Em
artigo recente (Valor Econômico, 17.12.19), Barboza sugere cautela em relação a
esse tipo de avaliação, não só porque há outros fatores ainda segurando a
economia, mas também porque seria necessário que o crédito continuasse a se
acelerar. “Não basta que o crédito cresça, mas sim que essa taxa de crescimento
seja cada vez maior
[para que o PIB igualmente se
acelere]. E essa aceleração ainda é incipiente, depois de alguns meses sem
acontecer, não sendo claro que ela vá continuar”, argumenta.

·  
De
uma forma geral, quando o BC cortar os juros básicos, “esse movimento barateia
o custo do capital, o que aumenta as concessões de empréstimo e a demanda agregada.
No curto prazo, quando há capacidade ociosa, o aumento da demanda agregada
eleva o PIB do País”, elabora Barboza.

·  
Mesmo
diante da queda vertical da taxa Selic, como visto, os juros cobrados dos
tomadores de crédito continuam “salgados”.

·  
Um
segundo dado chama a atenção do economista e reforça sua cautela. Segundo ele,
“famílias e empresas ainda estão bastante endividadas no Brasil. O
endividamento das famílias, por exemplo, está em 44,8%, próximo do pico de
46,8% de 2015, o que sugere consumidores ainda alavancados”.

·  
“No
caso das empresas”, prossegue ele, “o último Relatório do Centro de Mercado de
Capitais (Cemec) revela que: (i) a alavancagem das firmas (sem Petrobrás) caiu
pouco desde o pico de 2015; (ii) muitas empresas ainda não conseguem gerar
caixa para pagar as despesas financeiras”.

·  
No
mercado de capitais (que inclui não apenas ações, mas outros títulos de dívida
privada, a exemplo de debêntures), sua “propalada pujança (…) esconde o fato
de que muitas empresas estão aproveitando a janela para trocar dívida cara e em
moeda estrangeira por dívida barata e em reais, sem utilizar esses recursos
para investir, com impactos limitados na demanda agregada”, afirma ainda.

·  
Barboza
lembra ainda que o crédito “é apenas um dos fatores que estão atuando sobre o
PIB no curto prazo”, relacionando forças que têm atuado em sentido contrário,
como o arrocho fiscal e as incertezas na economia mundial.