Margens para soja tendem a cair, mas avançam para milho e algodão

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 19 de agosto de 2023

As margens esperadas para a safra em curso tenderão a ficar mais magras para a soja, com alguma recuperação para o milho e alta mais promissora no caso do algodão, segundo projeções do Itaú BBA, anota Francisco Queiroz, analista da Consultoria Agro do banco. Tomando o sudeste de Mato Grosso como referência, o custo agrícola da soja tende a recuar 10,6% no ciclo atual, depois do salto de 55,2% experimentado entre as safras 2021/22 e 2022/23. Os preços, no entanto, devem continuar em baixa, caindo mais 8,7% na média deste ciclo, o que fará a margem agrícola média baixar 4,5%, de R$ 2.575 para R$ 2.459 por hectare, mantida uma produtividade em torno de 59 sacas por hectare. Como proporção da receita bruta, de toda forma, a margem tende a quase repetir o resultado de 2022/23, saindo de 35% para 36%, mas bem distante dos 67% alcançados em 2021/22.

Numa revisão em relação às estimativas anteriores, os produtores de milho, na média, encerraram a safra passada com perdas de R$ 541 por hectare, considerando a alta de 46,6% nos custos e o tombo de 49,3% nos preços recebidos, o que significou margem negativa de 15% frente às receitas brutas, sem descontar o custo agrícola. Para comparação, no ciclo 2021/22, com custos praticamente 32% mais baixos e preços 97% mais elevados, a margem havia atingido níveis históricos, ao redor de 58%, com ganhos de R$ 3,913 por hectare. Para a safra atual, espera-se queda média de 10,2% nos custos, combinada com uma elevação de 11,4% nos preços, levando a margem para o azul novamente, com ganho na faixa de R$ 288 por hectare, ainda 92,6% mais baixa do que em 2021/22, e uma margem líquida próxima de 7%.

As culturas de algodão, conforme Queiroz, deverão combinar redução de 9% nos custos, avanço de 6,1% para os preços e estabilidade na produtividade. O arranjo esperado para o ciclo 2023/24 deve produzir um salto de 68,8% no resultado líquido da cultura, saindo de R$ 3,323 para R$ 5.608 por hectare, o que resultaria numa margem de 29% diante de 18% na safra passada. Anda assim, o ganho líquido por hectare corresponderia a praticamente a metade daquele realizado há duas safras.

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Safra passada

Ainda no ciclo 2022/23, os produtores que demoraram mais para travar preços e fechar a venda da safra, observam Francisco Queiroz, do Itaú BBA, e André Pessoa, CEO da Agroconsult, enfrentaram maiores dificuldades, já que os preços entraram em baixa a partir da segunda metade de 2022. Atualizado com base no Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Índice de Preços ao Produtor de Grupos de Produtos Agropecuários-Grãos (IPPA-Grãos), do Cepea, registrou baixa de 12,0% em termos reais entre fevereiro do ano passado e janeiro deste ano, caindo mais 21,6% até maio, na medição mais recente, acumulando perda de 26,0% em 12 meses. Em janeiro de 2022, conforme Pessoa, os produtores já haviam vendido antecipadamente entre 60% e 70% da soja a ser colhida naquele ano. A relação em igual mês deste ano não chegava a 50%. 

Balanço

  • “A corda esticou muito para quem não havia antecipado a venda da produção, gerando preocupação com a logística de armazenagem e distribuição num cenário de preços pressionados para baixo em Chicago, prêmios negativos na exportação e dólar em queda”, comenta César Castro Alves, especialista da Consultoria Agro do Itaú BBA.
  • O ritmo mais lento das vendas de insumos surge como outra preocupação, já que a necessidade de abastecer um número elevado de produtores numa janela de tempo muito reduzida poderá gerar transtornos logísticos e, no limite, até atrasar o plantio da safra 2023/24. A carteira de pedidos no setor de defensivos registrava até recentemente 50% das vendas esperadas para o ano, diante de 90% na mesma época do ano passado, enquanto a indústria de fertilizantes já havia realizado 65% das vendas esperadas, diante dos 80% normalmente esperados, conforme Pessoa.
  • O clima, com a chegada do El Niño, acrescenta Felippe Reis, analista de safra da EarthDaily Agro, trará temperaturas acima das médias e chuvas mais intensas entre o final deste ano e começo de 2024 para o Centro-Sul, mas menor precipitação especialmente na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). “Será um ano mais desafiador e devemos prestar atenção à intensidade do El Niño, que deve vir mais forte”, alerta Reis.
  • A equação financeira, retoma Pessoa, tende a se complicar. Nos últimos ciclos, o fluxo de caixa para o plantio seguinte era em parte bancado pelo resultado da safra anterior. Daqui em diante, o produtor terá que ir ao mercado para levantar recursos e financiar o plantio, num cenário de custo de capital elevado e queda nos preços da terra, “principal garantia de funding no crédito”. Na sua visão, o problema pode se tornar mais nítido no ciclo 2024/25, diante da possibilidade de os bancos passarem a exigir reforço de garantias.
  • Nos últimos três ou quatro anos, diante de margens para lá de folgadas, muitos produtores chegaram a antecipar o pagamento de financiamentos agrícolas, que em geral vencem em 30 de abril, com desconto nas taxas de juros. “Neste ano, registramos produtores pedindo para postergar o acerto para 30 de setembro, situação que pode se tornar mais crítica em 30 de abril de 2024”, sugere Pessoa.
  • A inadimplência no crédito rural avançou levemente, saindo de 27,0% para 27,4% entre o ano passado e este ano, menciona Elias Marques de Medeiros Neto, sócio de resolução de disputas da TozziniFreire Advogados, com dados da Serasa Experian. “Mas o setor não pode fechar os olhos para a demanda crescente por boas práticas ambientais, de produção e de obediência à legislação trabalhista, considerando o cenário de terceirização e mesmo quarterização da mão de obra”, adverte.
  • Na sua visão, “há uma forte necessidade de toda a cadeia de produção mapear integralmente sua operação, adotar sistemas de controle e rastreabilidade dos produtos”, complementa. O novo plano safra, prossegue Marques, reforça a atenção com a questão ambiental ao contemplar desconto de meio ponto percentual nos juros que incidem sobre o crédito destinado a práticas sustentáveis, à produção orgânica, ao reaproveitamento de resíduos da agropecuária, ao uso de energia renovável, beneficiando principalmente as mulheres no campo.