Mesmo em baixa, superávit primário cobre com folga despesas com juros

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 09 de fevereiro de 2024

A redução do saldo primário, quer dizer, da diferença entre receitas e despesas, excluídos os gastos com juros e amortizações, tem ganhado destaque, mas não corresponde necessariamente a uma tendência de piora inevitável das contas do setor público estadual. Como se viu (O Hoje, 02.02.224), as receitas começam a reagir, sinalizando melhoras adiante no cenário fiscal do Estado. Adicionalmente, ainda que substancialmente menor do que no ano imediatamente anterior, o superávit primário continuava suficiente para financiar as despesas com o serviço da dívida goiana, quando considerados juros, encargos e correção monetária, incidentes sobre o passivo estadual, já descontados os ganhos nesta área com a gestão dos ativos estaduais disponíveis.

Obviamente, a sobra de recursos para fazer frente àqueles compromissos foi menor no ano passado, resultado direto da diminuição do saldo primário. As contas detalhadas no relatório resumido da execução orçamentária, disponíveis no portal Goiás Transparente, mostram, por exemplo, que o superávit de 2023 superou a conta dos juros e encargos em R$ 1,571 bilhão, a valores arredondados, o que se compara com R$ 2,125 bilhões em 2022. Quer dizer, houve uma queda de 26,09% no chamado “resultado nominal”, que continuou no azul de toda forma – também porque um pedaço dos compromissos, algo em torno de R$ 919,3 milhões, foi honrado pela União, já que o Estado continua enquadrado no Regime de Recuperação Fiscal (RRF).

Essa “piora” relativa, de toda forma, veio acompanhada por uma tendência já persistente de redução do endividamento do Estado, mas com queda na chamada poupança corrente. Esses indicadores ajudarão a compor a próxima avaliação da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) sobre a capacidade de pagamento do Estado, mais conhecida entre contadores e especialistas em contas públicas pela sigla Capag, foco da polêmica alimentada pela gestão estadual no final do ano passado com o rebaixamento da nota de Goiás pela secretaria.

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Dívida cadente

A elevação das disponibilidades de caixa continuou a contribuir, no ano passado, para reduzir a dívida consolidada líquida de Goiás, que se mantém muito abaixo dos limites de tolerância definidos pelo Senado. Entre dezembro de 2022 e o mesmo período de 2023, o estoque da dívida líquida baixou de quase R$ 12,099 bilhões para alguma coisa em torno de R$ 11,330 bilhões, numa redução de R$ 768,917 milhões. O saldo devedor, portanto, fiou 6,36% mais baixo. A dívida consolidada bruta de fato cresceu, mas numa proporção ligeiramente abaixo da inflação, indicando algum recuo em termos reais. A valores nominais, o endividamento total saiu de R$ 24,564 bilhões para R$ 25,734 bilhões, num acréscimo ligeiramente acima de R$ 1,169 bilhão, indicando variação de 4,76%. Mas o dinheiro disponível no caixa estadual ajudou a derrubar o saldo líquido devido por Goiás.

Balanço

  • O indicador considerado pela STN em sua avaliação sobre a capacidade de pagamento dos entes federados desconta do saldo da dívida consolidada as disponibilidades de caixa, já excluídos restos a pagar processados e não pagos, assim como recursos restituíveis depositados na conta do Estado, já que deverão ser devolvidos mais adiante, e valores vinculados a compromissos específicos (indicando que essa parte do caixa também não estará livremente à disposição do gestor estadual).
  • As disponibilidades líquidas de caixa, nessa conta, avançaram de R$ 12,46 bilhões, em números aproximados, para pouco mais de R$ 14,404 bilhões entre dezembro de 2022 e igual mês do ano seguinte, num incremento de 15,55%. O ganho, ainda em valores nominais, foi de algo acima de R$ 1,938 bilhão, numa evolução mais vigorosa do que o crescimento experimentado pelo saldo da dívida consolidada bruta.
  • A relação entre dívida líquida consolidada e a receita corrente líquida ajustada recuou um pouco mais, baixando de 32,52% ao final de 2022 para 29,53% um ano depois. Para relembrar, o limite de alerta está fixado em 180%, com o teto máximo de endividamento chegando a 200% nos termos aprovados pelo Senado. Vale dizer, a dívida estadual poderia subir até alguma coisa ao redor de R$ 76,8 bilhões, quase sete vezes o saldo líquido registrado em dezembro passado, sem descumprir normas legais.
  • O desempenho errático das receitas ao longo dos primeiros meses do ano passado, ainda como reflexo das medidas eleitoreiras adotadas em 2022, comprometeu o desempenho da poupança corrente do Estado, que corresponde à diferença entre receitas e despesas correntes, incluindo os restos a pagar não processados. A receita corrente cresceu apenas 3,80% entre 2022 e 2023, saindo de R$ 40,282 bilhões para R$ 41,814 bilhões (em torno de R$ 1,532 bilhão a mais).
  • Mas a despesa corrente aumentou em R$ 2,263 bilhões ao passar de R$ 32,949 bilhões para R$ 35,213 bilhões, numa alta de 6,87%. Os restos a pagar não processados praticamente não registraram alterações, variando somente 0,68% (de R$ 579,960 milhões para R$ 583,885 milhões). A poupança corrente, dessa forma, sofreu baixa de 10,89%, com a diferença entre receitas e despesas correntes passando de R$ 6,753 bilhões para R$ 6,017 bilhões (em torno de R$ 735,615 bilhões a menos). A relação entre poupança e receita corrente encolheu de 16,76% para 14,39%, correspondendo a uma elevação de 83,24% para 85,61% da relação entre despesas e receitas. Os limites para essa relação, a depender o critério utilizado, variam de 85% a 95%.
  • Em outro indicador considerado na avaliação das condições fiscais do setor público estadual, a relação entre despesa total com pessoal e receita corrente líquida saiu de 40,52% em 2022 para 43,23% no ano passado, aproximando-se do limite de alerta (43,74%). O teto máximo está fixado em 48,60% no caso das despesas com a folha, que cresceram 10,04% entre 2022 e 2023, passando de R$ 15,072 bilhões para R$ 16,584 bilhões.
  • Os gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino avançaram de R$ 7,234 bilhões para R$ 7,843 bilhões, correspondendo a 26,52% da receita líquida, acima do piso de 25% definido constitucionalmente. Na saúde, onde o piso está fixado em 12%, a despesa paga atingiu 13,18%, correspondendo a quase R$ 3,90 bilhões, em torno de 7,0% maior do que o gasto de R$ 3,646 bilhões realizados em 2022.