Mesmo em desaceleração, economia tende a superar projeções do mercado

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 20 de fevereiro de 2024

A atividade econômica encerrou 2023 em desaceleração, mas com resultados superiores às projeções antecipadas ainda no começo do ano passado pelo setor financeiro, seus consultores e analistas, que igualmente indicavam uma inflação superior àquela devidamente observada ao longo do período. A dinâmica da economia no ano passado, influenciada fortemente pela safra histórica colhida pelo País, sugere que o “erro de cálculo” poderia estar associado a uma avaliação equivocada sobre o desempenho da produção agrícola, de seu impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e sobre as taxas de inflação, que migraram para níveis mais baixos em decorrência principalmente do bom comportamento dos preços dos alimentos, que haviam anotado salto de 11,64% em 2022, respondendo por 41,6% da taxa de 5,79% acumulada naquele ano, e passaram a subir apenas 1,03% no ano passado, reduzindo para menos de 5,0% a sua influência na formação do índice geral, que recuou para 4,62%.

Segundo o relatório Focus, do Banco Central (BC), ao final da primeira semana do ano passado, as apostas do mercado financeiro convergiam na direção de uma taxa de inflação ao redor de 5,36% para o exercício em curso e rumo a um crescimento medíocre de 0,78% para a economia brasileira, depois de um avanço de 3,0% registrado em 2022. A inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), já divulgado, conforme anotado acima, ficou em 4,62%, abaixo das projeções iniciais, e o PIB, ao que antecipam as estimativas mais recentes, tende a apresentar variação mais próxima de 3,0% (ou em torno de 2,92% na precisão colhida pelo Focus). O resultado oficial, pelo menos em versão inicial, será divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 1º de março.

No campo das expectativas 

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Liberados ontem para divulgação, os números do Monitor do PIB, elaborado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), antecipam uma variação de apenas 0,1% no quarto trimestre frente ao terceiro, numa comparação que exclui fatores sazonais, e alta de 2,3% em relação ao trimestre final de 2022, com elevação acumulada em todo o ano ao redor de 3,0%. O trabalho sugere um pouco menos de vigor do que aquele antecipado pelo BC em seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), que trabalha com crescimento de 0,22% na passagem do terceiro para o quarto trimestre, elevação de 1,80% diante do trimestre final de 2022, mas adianta crescimento de 2,45% nos 12 meses do ano passado, abaixo até mesmo das expectativas do mercado financeiro.

Balanço

  • Segundo a economista Juliana Trece, coordenadora da pesquisa do Ibre/FGV, a agropecuária teria sido responsável por algo em torno de 30% do crescimento de 3,0% esperado para 2023, “em particular (devido) ao desempenho da soja na região Centro-Sul do País. Esse contexto mostra forte concentração setorial e regional e evidencia que o crescimento econômico não foi sentido de modo uniforme no País”.
  • Na sua visão, por conta do agronegócio, que envolve setores da atividade relacionados à produção e distribuição de insumos, máquinas, equipamentos e implementos, além de outros serviços associados à agropecuária, “o efeito do excelente desempenho agropecuário no ano se estendeu para outras atividades econômicas, o que potencializou sua influência na economia”.
  • Embora o crescimento tenha se estendido de forma mais generalizada no setor de serviços, a indústria apresentou comportamento dispare entre seus vários segmentos. “Atividades industriais relevantes para impulsionar a economia, como a transformação e a construção retraíram em 2023”, observa Juliana, ao mesmo tempo em que o investimento encolheu, constrangido pelo custo ainda exorbitante do crédito e por expectativas menos otimistas em relação ao desempenho futuro da demanda.
  • A previsão consolidada para o investimento (formação bruta de capital fixo, em economês “puro”) adianta uma redução de 3,4% em relação a 2022, com a taxa agregada de investimento baixando para 18,1% do PIB, em nível historicamente baixo, que se compara com 22,8% em 2013. Em uma década, a valores do ano passado, conforme o Ibre/FGV, o valor do investimento desabou 16,3%, caindo de R$ 2,138 trilhões para R$ 1,790 trilhão. Conforme relatório do instituto, “o desempenho de máquinas e equipamentos preocupa, pois vem acumulando quedas ao longo do ano e fechou com retração de 8,5% no ano. A construção também contribuiu negativamente para esse resultado, com queda de 0,5%”.
  • O setor externo contribuiu positivamente na formação do PIB do ano passado, refletindo a alta de 9,5% nas exportações e o recuo de 1,1% nas importações, puxado para terreno negativo pelas quedas de 3,9% e de 11,1% nas compras de bens intermediários e de produtos do setor de extração mineral, respectivamente – o que, por sua vez, paradoxalmente, sugere fraqueza para aqueles ramos de atividade aqui dentro. As perdas foram parcialmente compensadas pelo avanço nas importações de bens de consumo e de serviços.
  • Ainda em relação a 2022, o consumo das famílias teria avançado 3,2% e alcançado o nível mais alto da série histórica do Ibre/FGV, especialmente por causa do avanço do consumo de serviços – que, de toda forma, passou a apresentar menor ritmo no final de 2023.
  • Tomado a valores de 2023, o PIB per capita avançou até R$ 52,611 mil no terceiro ano de crescimento. Na comparação com 2020, quando havia atingido o menor nível dos últimos 10 anos pelo menos, o PIB por habitante cresceu 9,4%, aproximando-se do dado de 2013 (R$ 52,682 mil), mas ainda mostrando recuo de 0,13% em uma década, numa indicação das dificuldades que a economia tem enfrentado para manter-se em crescimento.