Número de domicílios sem renda volta a crescer no começo de 2022

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de junho de 2022

O total de residências sem renda do trabalho voltou a crescer no começo deste ano, apontando uma tendência preocupante num cenário de desemprego ainda elevado, inflação em alta, salários em baixa e perspectiva de mais um período de desaquecimento da economia na segunda metade do ano. Estudo recente, assinado pelo economista Sandro Sacchet de Carvalho, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e publicado na edição deste mês da Carta de Conjuntura daquele instituto, mostra que o percentual de domicílios sem renda chegou a 23,35% no primeiro trimestre deste ano, saindo de 22,22% no quarto trimestre do ano passado.

Os dados trabalhados por Carvalho, retirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam ainda que aquele percentual havia alcançado níveis históricos durante a fase mais crítica da pandemia em 2020, atingindo 28,55% dos domicílios no segundo trimestre de 2020. Mas recuaram em seguida, na medida em que as medidas de distanciamento social foram sendo revisadas e a atividade econômica conseguia retomar algum ritmo, muito embora ainda sem fôlego para imprimir maior velocidade ao crescimento da economia.

Trimestre a trimestre, desde então, o percentual de domicílios sem rendimentos do trabalho recuou daqueles níveis recordes para 25,58% no final de 2020, manteve o mesmo nível no trimestre inicial de 2021 e passou a baixar até aqueles 22,22% no trimestre final daquele mesmo ano. Os níveis mais recentes, já no começo de 2022, não só cresceram na comparação com os trimestres anteriores como ainda se encontravam bem acima dos percentuais registrados antes da pandemia. Para comparação, no primeiro trimestre de 2018, os domicílios sem renda representavam 19,07% do total de residências. O baixo crescimento anotado no período, com certa deterioração do mercado de trabalho, influenciada pelo incremento da informalidade, fez o percentual avançar até 22,71% no primeiro trimestre de 2019.

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Sem renda, sem consumo

Não é necessário destacar que a ausência de rendimentos para alguma coisa próxima a um quarto das moradias no País corresponde a uma perspectiva de demanda nula ou praticamente nula, com milhões de pessoas lançadas à miséria e sobrevivendo às custas de doações e de restos de uma sociedade que tem falhado flagrantemente no enfrentamento de suas desigualdades. Por trás dessas estatísticas, não se trata de coincidência o fato de o total de esfaimados ter voltado a disparar, atingindo 33,1 milhões de brasileiros neste ano, num salto aterrador de 73% em relação a 2020. A economia da exclusão contabiliza ainda nada menos do que 125,2 milhões de pessoas, mais da metade dos brasileiros (55,2% da população), em situação de insegurança alimentar. Em bom português, essas famílias não conseguem alimentos todos os dias e temem não conseguir alimentar seus filhos com regularidade e qualidade.

Balanço

  • Tomando o primeiro trimestre de 2021 e de 2022, o comportamento do rendimento real médio mostra perdas para todas as regiões do País, mas quedas mais importantes nas regiões Sudeste e Sul, com reduções mais expressivas para as mulheres, trabalhadores de 40 a 59 anos e com 60 anos ou mais de idade e para aqueles com formação superior – o que coincide com a redução mais acentuada da renda dos servidores públicos, dados igualmente apurados por Carvalho.
  • Naquela comparação, o rendimento médio habitualmente recebido, descontada a inflação, caiu 8,7% na média geral, com redução de 6,2% para os rendimentos efetivamente pagos. Para deixar mais claro, registra Carvalho, o rendimento habitual inclui salários e outros proventos do trabalho sem considerar, no caso de empregados com carteira, 13º salário, adicional de férias, pagamento de comissões (sobre vendas, por exemplo).
  • Observando o desempenho por região, Carvalho anota perdas de 9,9% e de 9,5% para os rendimentos habitualmente recebidos pelos trabalhadores nas regiões Sudeste e Sul, comparando-se o primeiro trimestre deste ano e o mesmo período do ano passado. Nas demais regiões, houve quedas de 9,2% no Nordeste, de 7,5% no Norte e de 8,2% no Centro-Oeste.
  • Por gênero, os dados da PNADC confirmam perdas mais acentuadas para as mulheres, penalizadas com redução de 11,1% no rendimento habitual, frente à diminuição de 10,2% para os ganhos masculinos.
  • Considerado por faixa etária, o rendimento médio real encolheu 15,0% para trabalhadores com 60 ou mais anos. Na sequência, aqueles com idades entre 40 e 59 anos tiveram perda de 11,0%. Entre os mais jovens, as menores reduções foram registradas para a faixa entre 14 e 24 anos (-0,5%), com redução de 4,3% para aqueles com 25 a 39 anos.
  • Analisados por nível de instrução, os rendimentos do trabalho mostram comportamento desigual, com perdas mais intensas nas faixas com mais anos de estudos. Os trabalhadores com ensino superior completo tiveram seus rendimentos reduzidos em 9,4%, o que se compara com o recuo de apenas 0,1% para aqueles com fundamental incompleto. Carvalho associa as perdas para os estamentos mais instruídos e ainda as quedas sofridas pelas famílias de renda mais elevada às perdas sofridas pelo funcionalismo público, que tem representação mais elevada naquelas duas categorias.
  • Os rendimentos habituais e efetivos no setor público, comparando o primeiro trimestre deste ano e igual período de 2021, sofreram quedas de 12,9% e de 10,9% – retração mais profunda entre as categorias analisadas. Trabalhadores por conta própria, empregados do setor privado com carteira e sem carteira, considerando os rendimentos habitualmente recebidos, tiveram quedas de 6,4%, de 4,6% e de 5,9% respectivamente.