O falso debate sobre o crédito direcionado e a política de juros

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 28 de maio de 2024

A taxa básica de juros, numa decisão atropelada pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, como se sabe, foi ligeiramente reduzida para 10,50% pelo Conselho de Política Monetária (Copom), em seu convescote mais recente, concluído no dia 8 passado. Entre outros pontos apresentados para justificar o menor ritmo imposto à queda dos juros, parte do comitê argumenta que o avanço recente do crédito direcionado, que cobra juros mais baixos dos tomadores, estaria reduzindo a “potência” da política monetária, vale dizer, estaria funcionando para “amortecer” o impacto dos juros altos sobre a demanda total na economia, contribuindo para enfraquecer, em consequência, o combate à inflação.

Os dados sobre as operações de crédito liberados ontem pelo próprio BC, no entanto, ajudam a colocar em dúvida aquele tipo de raciocínio, diante da participação menos relevante das contratações de empréstimos direcionados em relação ao total das concessões de empréstimos e financiamentos de todo o sistema financeiro. Na prática, trata-se de um falso debate, até porque o peso dos juros continua a impedir que a atividade econômica de fato deslanche e alcance níveis mais alentados de crescimento. Mesmo porque, a despeito de flutuações eventuais, as taxas de inflação continuam bem comportadas e abaixo do limite de alta definido pela política de metas inflacionárias.

Ajustadas sazonalmente, quer dizer, com a exclusão de fatores que se repetem nos mesmos períodos todos os anos, as concessões de novos empréstimos e financiamentos pelas instituições financeiras, nas estatísticas do BC, cresceram 2,6% no trimestre encerrado em abril deste ano frente aos três meses imediatamente anteriores, acumulando variação de 13,9% em 12 meses. Em dados nominais, ou seja, sem correção pela inflação decorrida, as concessões saíram de alguma coisa acima de R$ 1,499 trilhão no trimestre entre fevereiro e abril do ano passado para algo ligeiramente abaixo de R$ 1,708 trilhão nos mesmos três meses deste ano, depois de terem alcançado R$ 1,665 trilhão entre novembro de 2023 e janeiro deste ano.

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Peso reduzido

As concessões no segmento de crédito livre, com taxas de juros reguladas pelo próprio mercado financeiro, apresentaram alta de 13,3% em 12 meses, saindo de R$ 1,331 trilhão no trimestre finalizado em abril do ano passado, quase 89% das concessões totais, para pouco menos de R$ 1,508 trilhão em idêntico intervalo deste ano, correspondendo a 88,3% dos novos empréstimos liberados por bancos, financeiras e outras entidades de crédito. O crédito direcionado, que inclui empréstimos para compra de moradias, o crédito rural para as safras e os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre outras operações, apresentou uma taxa de avanço um pouco maior, num incremento de quase 13,9%. Ainda em valores nominais, essas concessões subiram de R$ 170,9 bilhões para R$ 204,3 bilhões – quer dizer, as concessões no segmento livre foram 7,4 vezes maiores. As concessões de crédito direcionado representaram 11,96% do total das novas contratações realizadas pelo sistema financeiro no trimestre terminado em abril deste ano, frente a uma participação de 11,21% em igual período de 2023.

Balanço

  • Para reforçar, a política de juros altos produz efeitos diretos sobre pouco mais de 88% de todo o crédito novo contratado. Na visão de parte do Copom, portanto, ao que sugerem as estatísticas do próprio BC, o rabo balança o cachorro. A ideia não revelada por traz de argumentos sofisticados, mas apenas na aparência, os juros teriam que ser ainda mais altos para compensar os efeitos do “rabo” sobre todo o animal.
  • No seu melhor momento, entre os anos de 2013 e 2014, as concessões de crédito direcionado chegaram a responder por menos de 16% do total de concessões, na série estatística do BC, iniciada em janeiro de 2013. Ainda assim, a participação não parecia ser tão relevante a ponto de influir nos rumos da política monetária, embora tenha criado válvulas de escape para a economia como um todo.
  • No segmento de livre contratação, as concessões para pessoas jurídicas literalmente estacionaram a partir de janeiro deste ano, sempre considerando a série trimestral, avançando apenas 0,3% entre janeiro e abril, de R$ 676,4 bilhões para R$ 678,6 bilhões. Em relação ao trimestre fevereiro a abril de 2023, quando as empresas haviam contratado R$ 590,1 bilhões, as concessões subiram 15,0%. Entre as pessoas físicas, as concessões avançaram de R$ 739,0 bilhões entre fevereiro e abril de 2023 para R$ 814,4 bilhões de novembro daquele ano a janeiro de 2024, atingindo R$ 832,4 bilhões no trimestre encerrado em abril deste ano, com variações de 2,2% no trimestre mais recente e de 12,6% em 12 meses.
  • No crédito direcionado, considerando os mesmos períodos, as empresas saíram de R$ 58,0 bilhões em novas contratações (fevereiro a abril de 2023) para R$ 59,1 bilhões (novembro de 2023 a janeiro de 2024) e daí para R$ 67,0 bilhões (fevereiro a abril deste ano), com altas de 19,5% em 12 meses e de 8,7% de janeiro para abril.
  • A redução de três pontos percentuais na taxa básica de juros entre abril do ano passado e o mesmo mês deste ano, de 13,75% para 10,75%, contribuiu para que os juros médios no crédito livre baixassem de 44,7% para 40,4% ao ano, num recuo de 4,7 pontos percentuais, com redução ainda de 6,6 pontos nas operações com pessoas físicas (de 59,6% para 53,0%, juros ainda abusivos, mas nem tanto quanto os 423,5% cobrados no crédito rotativo contratado via cartão de crédito).
  • A inadimplência na média geral manteve-se quase estabilizada, saindo de 4,7% em abril do ano passado para 4,6% neste ano. Entre as empresas, registrou-se alguma elevação, com o crédito em atraso a mais de 90 dias passando a representar 3,3% do crédito total concedido às empresas no segmento livre, diante de 2,7% em abril do ano passado. Para as pessoas físicas, a taxa de inadimplência caiu de 6,2% para 5,5%.