Obstáculos e equívocos tendem a reduzir produção de biodiesel

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 17 de maio de 2022

Depois de oscilar entre 13% e 10% ao longo de 2021, a mistura de biodiesel ao diesel terminou fixada em 10% para 2022, afetando um setor que havia se programado para atender a uma demanda baseada na adição de 14% ao combustível fóssil. Mantida nos níveis estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), projeta André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a produção de biodiesel tende a cair para 6,2 bilhões de litros neste ano, frente a 6,758 bilhões no ano passado.

“Sob qualquer ponto de vista que se analise a situação, a decisão representa um enorme equívoco”, critica Francisco Turra, presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio). Em sua opinião, ao manter o teor da mistura em 10% neste ano, “o governo penaliza o setor, gera desemprego em toda a cadeia do agronegócio, promove desinvestimento, causa mais poluição, afetando a saúde da população, além de descaracterizar a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio)”. Mais grave, acrescenta Turra, é que a redução do volume de biodiesel disponível no mercado doméstico corresponderá a um aumento no consumo do combustível fóssil, resultando em alta nas importações de diesel, já que o país importa o equivalente a 30% de seu consumo. A liberação de importações de biodiesel a partir de 1º de janeiro de 2023 igualmente não é bem vista pela associação. “O biodiesel importado não traz à economia brasileira todos os benefícios do produto nacional, deixando grande parte de suas externalidades no país de origem”, afirma Turra.

Etanol de milho

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A produção de etanol a partir do milho consolidou-se como solução estratégica para o setor sucroenergético, diante de seu potencial para agregar segurança na oferta e estabilidade de preços ao longo de todo o ano, avalia Guilherme Nolasco, presidente executivo da União Nacional do Etanol de Milho (Unem). Entre as 17 usinas atualmente em operação, com produção estimada em torno de 3,40 bilhões de litros na safra 2021/22, dez delas são plantas flexíveis, que produzem etanol de cana nos meses de safra, entre abril e novembro, e utilizam milho na entressafra, de novembro a março.Outras 10 usinas já receberam autorização para construção pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), estimando-se uma capacidade total para 2,05 bilhões de litros, conforme Nolasco. Três delas deverão entrar em operação entre este e o próximo ano, somando investimentos próximos a R$ 6,0 bilhões, considerando nesta soma as ampliações de plantas já em operação, num total aproximado de 500,0 milhões de litros. Entre os ciclos de 2019/20 e 2021/22, lembra o executivo, a produção do setor dobrou e tenderá a atingir algo próximo a 10,0 bilhões de litros por volta da safra de 2030/31, o que corresponderia a 20% do mercado total de etanol.

Balanço

  • A indústria do biodiesel, retomaTurra, realizou investimentos superiores a R$ 10,0 bilhões na última década e meia, instalando um parque atualmente com 53 usinas. Mais 12 plantas encontram-se em fase de construção, enquanto outras cinco vinham em processo de ampliação da produção. Mas o ritmo de construção de novas plantas foi reduzido sensivelmente, conforme Nassar. Para Turra, “inequivocamente, o biodiesel tem sido um vetor de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) e de interiorização do crescimento, com inclusão direta de quase 300 mil pessoas ligadas à agricultura familiar”. Em 2020, conforme dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) mencionados por Turra, mais de 74,2 mil famílias movimentaram R$ 5,9 bilhões com a venda de matéria prima para a produção de biodiesel, “promovendo uma inclusão produtiva por meio do Selo Biocombustível Social”.
  • Num trabalho conjunto desenvolvido pela Abiove e o Cepea, o setor de fabricação de biodiesel empregou em torno de 19,0 mil trabalhadores e produziu um PIB de R$ 10,5 bilhões no ano passado, respondendo por 2,0% de toda a agroindústria e gerando uma movimentação a jusante, no setor de serviços associados à cadeia, perto de R$ 20,3 bilhões. O trabalho estima que o biodiesel agregue à economia como um todo em torno de R$ 4,40 a cada um real acrescido na ponta da produção. Com 97,0% de ocupados formais, a indústria consegue abrir 33 novos empregos a cada real investido na produção.
  • Neste ano, acrescenta Nassar, o mercado passou a operar pela primeira vez sem os leilões de venda de biodiesel, com as usinas negociando entregas diretamente com distribuidoras de combustíveis, num setor dominado por três grupos privados. Entre outros parâmetros fixados pela ANP para regular o mercado e preservar o abastecimento, detalha Nassar, usinas e distribuidoras estão obrigadas a contratar, a cada bimestre, volumes equivalentes a 80% daqueles negociados em igual período do ano anterior. Os demais 20% passam a ser negociados no mercado spot.
  • Maior produtor de biodiesel do país, com participação de 13,2% no mercado brasileiro e um faturamento consolidado de R$ 8,8 bilhões no ano passado, a BSBios, empresa do grupo ECB, registrou aumento de 18,5% na produção de biodiesel, para 895,46 milhões de litros em 2021, ampliando ainda em 13,0% sua capacidade de produção, alcançando 936,0 milhões de litros por ano. Embora a demanda tenha sido menor do que a esperada, a empresa conseguiu atingir a produção prevista, segundo Erasmo Carlos Battistella, CEO da BSBios, “mantendo em andamento projetos importantes, em especial aqueles na área de internacionalização de sua operação, replicando sua experiência no Paraguai e na Suíça”.A mudança na mistura de biodiesel levou o empresário a adiar os planos de investir no Brasil em torno de R$ 1,0 bilhão nos próximos dois anos.
  • A recente aquisição da MP Biodiesel localizada no Cantão de Friburgo, na Suíça, onde a empresa brasileira já tinha uma subsidiária, e o investimento bilionário na biorrefinariaOmega Green, pela BSBioParaguay, fazem parte da política de internacionalização.Lançado em fevereiro de 2019, o projeto da biorrefinaria paraguaia deve entrar em operação até 2025, num investimento de US$ 1,0 bilhão. De acordo com Basttitella, será a primeira usina produtora de diesel verde (HVO) e de bioquerosene para aviação do Hemisfério Sul, utilizando como matérias-primas óleos vegetais (sobretudo de soja), gordura animal, óleo de cozinha reciclado e óleo de Pongamia, árvore originária do sudeste da Ásia e da Austrália, explorada em projetos de reflorestamento no país vizinho.