Orçamento de 2023 vai agravar desmanche na saúde e educação

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 05 de outubro de 2022

O caráter e as reais intenções do desgoverno e de sua equipe econômica estão escancarados no projeto de lei que define como o governo federal gastará o dinheiro dos impostos no próximo ano. A proposta aprofunda o processo de desmanche nos setores da educação e da saúde, num momento em que o setor demandará recursos crescentes para enfrentar as sequelas deixadas pela pandemia, ainda não debelada integralmente, além de cirurgias e procedimentos postergados por conta da Covid-19.

O projeto de lei, muito nitidamente, contraria frontalmente a extemporânea preocupação palaciana com os mais pobres e miseráveis, expressa em decisões recentes e mais uma vez, na sequência do primeiro turno das eleições, com o anúncio de um “13º salário” para as mulheres inscritas no programa Auxílio Brasil, mas apenas em caso de reeleição, e na antecipação do calendário de pagamento do benefício para seis dias antes do segundo turno – o que não surpreende.

Num trabalho preciso, a nota técnica desenvolvida em conjunto pelas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado mostra que as despesas primárias (juros excluídos) do Ministérios da Saúde exclusivamente com a “função saúde” sofreram corte de 10,1% em relação aos gastos autorizados para este ano, numa perda de R$ 16,5 bilhões. Em valores atualizados até janeiro de 2023, com base nas projeções embutidas no projeto de orçamento para a inflação, aquelas despesas sairão de R$ 162,9 bilhões para R$ 146,4 bilhões, o mais baixo em pelo menos uma década.

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Desconsiderados os anos de 2020 e 2021, quando as despesas foram engrossadas para combater a pandemia e seus efeitos sobre a saúde da população, com alguma sobra para 2022, ainda assim persiste uma perda muito próxima de R$ 10,8 bilhões frente a 2017, quando o orçamento executado (quer dizer, gasto de fato) havia somado R$ 157,2 bilhões. Descontada a inflação, houve uma redução de 6,9%.

Cortes generalizados

Na passagem de 2022 para 2023, os cortes foram generalizados no setor, atingindo todas as chamadas “subfunções” da saúde, com enxugamento de setores de importância estratégica para o setor, a exemplo da vigilância epidemiológica e ainda a atenção básica, porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), responsável por prover os primeiros cuidados à população e cuidar para que os setores de média e alta complexidade sejam acionados apenas quando efetivamente necessário. A vigilância epidemiológica perdeu praticamente um terço de seus recursos, já que o orçamento para 2023 prevê dotação de R$ 12,3 bilhões diante de R$ 18,1 bilhões autorizados para este ano, o que corresponde a um corte de 32,0% nessa comparação, com perda de R$ 5,8 bilhões. A atenção básica deve perder em torno de R$ 10,7 bilhões no próximo ano, saindo de R$ 38,4 bilhões para R$ 27,7 bilhões, num tombo de 27,9%. Será o menor orçamento na década analisada pelos consultores da Câmara e do Senado.

Balanço

  • O projeto limita as despesas no setor de assistência hospitalar e ambulatorial a R$ 59,7 bilhões em 2023, frente a R$ 72,4 bilhões já autorizados para este ano, consolidando uma redução de 17,5% em termos reais, num corte de R$ 12,7 bilhões. Desde 2014, a rede sofreu perdas de R$ 14,4 bilhões, quando se compara com R$ 74,1 bilhões gastos em 2014 e também em 2015. Proporcionalmente, a despesa com hospitais e ambulatórios recuou 21,1% desde lá.
  • A educação deverá perder R$ 4,5 bilhões entre 2022 e 2023, com o orçamento de R$ 147,4 bilhões proposto para o próximo ano, o que se compara com R$ 151,9 bilhões programados para este ano. Descontada a inflação, ocorrerá uma diminuição de quase 3,0%. A nota técnica registra 2014 como o ano em que as despesas executadas em educação foram as mais elevadas em 10 anos, somando R$ 159,2 bilhões a valores atuais. Os recursos para o setor encolheram 7,4% desde então, numa redução de R$ 11,8 bilhões.
  • O desmanche atingiu todas as pontas do sistema educacional, penalizando a educação básica, a educação superior e o ensino profissionalizante. A queda foi dramática na educação básica, que deverá receber R$ 16,8 bilhões neste ano e terá à disposição R$ 11,3 bilhões para gastar em 2023, num tombo de 32,7%, sem considerar os repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Na comparação com os R$ 37,0 bilhões gastos em 2012, a educação básica perdeu 69,5% de seus recursos, caindo R$ 25,7 bilhões.
  • Castigada mais intensamente pela “guerra cultural” promovida pelo desgoverno, a educação superior terá seu orçamento reduzido em 7,5% entre 2022 e 2023, de R$ 37,2 bilhões para R$ 34,4 bilhões. Considerando que o sistema de ensino superior havia gasto R$ 51,1 bilhões em 2015, o orçamento de 2023 embute um corte de 32,7% (ou R$ 16,7 bilhões a menos).
  • No ensino profissionalizante, que terá à disposição perto de R$ 14,7 bilhões neste ano, o orçamento proposto atinge R$ 13,5 bilhões para 2023, reduzindo-se em 8,2%. Desde 2014, no entanto, o setor perdeu R$ 6,9 bilhões, numa redução de 33,8% diante de despesas de R$ 20,4 bilhões naquele ano.
  • Graças ao trabalho desenvolvido pela oposição no Congresso, por lideranças e representantes do setor de educação, a Emenda Constitucional 108, promulgada pelo Congresso em 26 de agosto de 2020, tornou o Fundeb permanente e ampliou a participação do governo federal no seu financiamento. Como resultado, a complementação de recursos para o fundo deve crescer 11,7% de 2022 para 2023, passando de R$ 35,8 bilhões para R$ 40,0 bilhões. Em relação a 2012, os recursos tendem a quase dobrar, crescendo 96% (saindo de R$ 20,4 bilhões lá atrás).
  • Além do desmonte em execução, o projeto orçamentário contrata um arrocho fiscal para o próximo ano ao impor um corte nas despesas primárias correspondente a 1,4 pontos percentuais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), concentrado nos gastos “discricionários”, ou seja, que podem ser livremente executados pelo governo. Na proposta orçamentária, a equipe econômica projeta que as despesas primárias totais deverão encolher de 19,0% para 17,6% do PIB, estimado em alguma coisa próxima de R$ 10,629 trilhões para o próximo ano, em valores nominais (quer dizer, não atualizados com base na inflação). O arrocho pretendido deverá alcançar algo como R$ 148,8 bilhões, o que não evitará um déficit primário próximo a R$ 63,670 bilhões em 2023.