Coluna

“Otimista”, Banco Central revisa previsão e espera tombo de 6,4%

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 26 de junho de 2020

A
pandemia afetou vidas e rotinas em praticamente todos os aspectos. Na economia,
todos os parâmetros de análise vêm sendo revisados em todo o mundo e o Brasil
não deveria ser exceção. Mas o Banco Central (BC) ainda insiste em recorrer a
referências colhidas ao longo de crises anteriores para tentar de alguma forma
antecipar o futuro imediato, a exemplo do que se pode observar no relatório
trimestral de inflação divulgado ontem e na entrevista concedida à imprensa
pelo presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, na sequência.

Enquanto
o mundo desaba ao redor, o presidente do BC acha exageradas as previsões mais
pessimistas para o Produto Interno Bruto (PIB), acredita que as medidas
emergenciais tenderão a evitar perdas mais dramáticas, parece crer ainda que a
dinheirama injetada pelo BC nos bancos de alguma forma ainda chegará às
pequenas e médias empresas e sugere que a “política monetária” (quer dizer, os
juros) tem sido “estimulativa” – vale dizer, os cortes adotados até aqui sobre
os juros básicos estariam operando para estimular a atividade econômica ou ao
menos para impedir uma retração mais drástica.

Não
deixa de ser surpreendente,de certa forma, que o BC, diante dessa leitura da
realidade, tenha revisado fortemente para baixo suas projeções para o PIB
brasileiro neste ano. Campos Neto acha “muito pessimista” a previsão do Fundo
Monetário Internacional (FMI), que ousou estimar um tombo de 9,1% para o PIB
brasileiro. Parece considerar “natural” a retração de 6,4% agora apontada por
sua equipe. Até há poucas semanas, as projeções do BC, nada animadoras, ainda
consideravam a possibilidade de crescimento zero neste ano, na verdade, uma
estagnação na sequência de dois anos muito recessivos e mais três anos de
crescimento na faixa de 1,0% ao ano. Na prática, ao longo de meia década, a
economia encolheu ou praticamente não registrou avanços.

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Persistência

Esses
números já indicavam uma economia doente, com baixíssima capacidade de reação
mesmo depois de a recessão ter elevado fortemente a capacidade ociosa nas
fábricas e no mercado de trabalho, expressa dolorosamente no total de 13,4
milhões de desempregados no começo de 2019. Explica-se. Em tese, essa situação tornaria
menos complicada uma recuperação mais acelerada, já que haveria espaço para
crescer sem pressionar os preços e gerar inflação. Bastaria reativar as
máquinas paradas, recontratando os trabalhadores então sem ocupação ou lançados
na informalidade. Para isso, claro, seria preciso injetar algum ânimo na
demanda, o que não ocorreu. Em um complicador adicional, a equipe do senhor
Paulo Guedes persiste em sua visão fiscalista e limitada da economia, amarando
as possibilidades de uma recuperação mais rápida do que a ocorrerá quando toda
a crise sanitária tiver sido debelada. Até lá, o mais provável é que o País
continue alternando ciclos mais rigorosos de isolamento social e de liberação
das atividades, de forma a evitar o colapso de todo o sistema de saúde, o que
significa dizer que a economia deverá igualmente alternar altos e baixos.

Balanço

·  
Portanto,
além de mudar a vida de todos, a pandemia tornou inoperantes os termômetros
regularmente utilizados para tomar a temperatura da economia. Ainda assim, o BC
reconhece, no relatório divulgado ontem, que o PIB deverá experimentar mergulho
histórico, mas seguido de “recuperação gradual nos dos últimos trimestres do
ano, repercutindo diminuição paulatina e heterogênea do distanciamento social e
de seus efeitos econômicos”.

·  
Como
parecem mostrar exemplos já observados em outros países que partiram para uma
liberação precipitada dos mercados, os riscos de uma segunda onda não são
negligenciáveis, o que significa dizer que essa “recuperação gradual” não deve
e não pode ser tomada como um fato da realidade. Os riscos e as incertezas são
ainda muito elevados, como o próprio BC chega a reconhecer.

·  
Na
revisão agora apresentada, a queda do PIB deverá ser puxada, pelo lado da
demanda, por um tombo de 13,8% nos investimentos, lembrando que a previsão
anterior da instituição indicava redução de 1,1% em relação a 2019, depois de
terem crescido 2,2% naquele ano.

·  
A
retração vigorosa do investimento está relacionada, sim, à ausência de
crescimento ao longo do ano, mas também à falta de perspectiva de uma retomada
próxima da atividade. Ao tomar a decisão de investir, as empresas em geral
avaliam não apenas o momento atual na economia, mas olham também para o que se
espera que possa ocorrer nos meses e anos seguintes. Sem alguma perspectiva de
melhoras à frente, projetos de investimento tendem a ser adiados, senão
cancelados.

·  
O
PIB da indústria de transformação, ainda na projeção do BC, tende a desabar
12,8% entre 2019 e 2020, com estagnação para a indústria extrativa. Para
relembrar, a indústria de transformação vinha de uma variação de apenas 0,1% no
ano passado (na prática, uma estagnação virtual).

·  
Para
a construção, espera-se queda de 6,7%, o que se compara com a “projeção de recuo
de 0,5% feita em março, repercutindo comportamento de maior cautela das
famílias e dos empresários do setor, além de diminuição no ritmo de algumas
obras pela necessidade de adoção de protocolos especiais para prevenir contágio
pelo novo coronavírus”, anota ainda o relatório.

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No
setor de serviços, com a redução de 10,8% esperada para o comércio, a queda
deverá ser de 5,3%. Na contramão, o PIB da agropecuária poderá avançar 1,2%,
quase repetindo o resultado de 2019.