Perda de receita explica maior parte do déficit primário no primeiro semestre

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 05 de agosto de 2023

O tombo nas receitas com concessões e permissões e a redução no pagamento de dividendos e participações de bancos públicos e empresas estatais ao governo central e as receitas relacionadas à exploração de recursos naturais afetaram a execução fiscal na primeira metade deste ano e explicam quase toda a queda nas receitas líquidas observada no período. A retração naqueles setores ocorreu em intensidade dramaticamente maior do que a perda das receitas sob administração da Receita Federal do Brasil (RFB) – o que inclui impostos e contribuições em geral. No ano passado, o salto combinado das receitas naquelas três áreas foi o grande responsável pelo superávit primário, a diferença entre receitas e despesas antes da inclusão dos gastos com juros.

Em valores atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), as receitas somadas de concessões e permissões, dividendos e participações e exploração de recursos naturais despencaram 41,67% no primeiro semestre deste ano, frente aos mesmos seis meses do ano passado. A arrecadação naquelas três áreas, que haviam alcançado R$ 157,763 bilhões na primeira metade do ano passado, a valores de junho deste ano, despencaram para R$ 92,025 bilhões, o que correspondeu a uma perda de R$ 65,738 bilhões.

Os resultados da arrecadação associada à exploração de recursos naturais são divididos com Estados e municípios e esse repasse saiu de R$ 40,113 bilhões para R$ 32,137 bilhões, em queda de 19,88% (R$ 7,976 bilhões a menos). A receita líquida de concessões, dividendos e na exploração de recursos naturais, dessa forma, retrocedeu de R$ 117,650 bilhões para R$ 59,888 bilhões, configurando uma redução de R$ 57,762 bilhões. Para comparar, a receita líquida total do governo central registrou baixa de 5,33% em termos reais, descontada a inflação, saindo de R$ 990,622 bilhões para R$ 937,832 bilhões, o que gerou perdas de R$ 52,790 bilhões. Nitidamente, a conta mostra influência decisiva no comportamento das receitas e, portanto, no desempenho dos resultados fiscais do governo ao longo do semestre e, em sentido contrário, durante o ano passado igualmente.

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Influência

As perdas no lado das receitas responderam por mais da metade da piora do resultado primário no acumulado dos seis meses iniciais deste ano na comparação com o primeiro semestre do ano passado, com participação proporcionalmente menor das despesas, a grande preocupação de nove entre 10 analistas, consultores e economistas que ainda exercem seu predomínio no debate econômico, com teses em geral muito alinhadas ao “pensamento” médio dos mercados. O resultado primário, que havia sido superavitário em R$ 59,018 bilhões no primeiro semestre do ano passado, passou a ser deficitário em R$ 41,258 bilhões em igual período deste ano. A diferença entre os dois semestres significou uma “virada” de R$ 100,276 bilhões, dos quais R$ 52,790 bilhões tiveram a perda de receitas como causa e outros R$ 47,486 bilhões vieram do crescimento das despesas, explicado principalmente pelo avanço dos gastos com o Bolsa Família.

Balanço

  • A despesa total do governo sempre a valores de junho deste ano, cresceu de R$ 931,604 bilhões nos seis meses iniciais de 2022 para R$ 979,090 bilhões, num avanço de 5,10%. Os recursos desembolsados com o Bolsa Família, na mesma comparação, registraram salto de praticamente 80,0% acima da inflação (na ponta do lápis, a variação atingiu 79,68%), com os gastos saltando de R$ 46,469 bilhões para R$ 83,497 bilhões, correspondendo a 8,53% da despesa total (diante de 4,99% no primeiro semestre de 2022).
  • Apesar da participação proporcionalmente reduzida, essa despesa cresceu R$ 37,028 bilhões entre os dois semestres analisados e isso representou 83,69% do aumento anotado pelas despesas totais em igual comparação.
  • Quando incluídas as despesas com juros, que avançaram 11,63% no primeiro semestre deste ano, subindo de R$ 259,923 bilhões para R$ 290,156 bilhões, as contas tornam-se largamente deficitárias. O chamado déficit nominal, incluindo os juros, experimentou salto de 64,46% entre os seis meses iniciais de 2022 e o mesmo intervalo deste ano, crescendo de R$ 201,397 bilhões para R$ 331,227 bilhões (alta equivalente a R$ 105,720 bilhões).
  • De volta às contas primárias, os gastos com benefícios previdenciários chegaram a recuar 0,86% naquela comparação, saindo de R$ 436,947 bilhões para R$ 433,187 bilhões (R$ 3,760 bilhões a menos). Ao mesmo tempo, as receitas líquidas da Previdência cresceram 6,29%, avançando de R$ 260,947 bilhões para R$ 277,350 bilhões.
  • Terceira maior fonte de despesas, incluindo os juros nesse ranking (segunda maior, atrás apenas da Previdência), os gastos com a folha de pessoal variaram apenas 1,0% ao somarem R$ 164,515 bilhões entre janeiro e junho deste ano, comparando-se com R$ 162,884 bilhões nos mesmos seis meses de 2022. 
  • As outras despesas obrigatórias anotaram redução de 1,30% e caíram para R$ 151,057 bilhões, saindo de quase R$ 153,054 bilhões, refletindo o fim virtual dos chamados créditos extraordinários, abertos lá atrás para enfrentar a crise gerada pela pandemia. Esse tipo de despesa desabou de R$ 15,052 bilhões para apenas R$ 963,720 milhões, num tombo de 93,60% (R$ 14,088 bilhões a menos). Houve um corte de R$ 1,135 bilhão na conta dos subsídios, que baixaram de R$ 9,715 bilhões para R$ 8,580 bilhões (recuo de 11,68%).
  • Os repasses ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) cresceram 11,49%, saindo de R$ 17,445 bilhões para R$ 19,450 bilhões.
  • Numa estimativa que compara a média das receitas de dividendos, concessões e recursos naturais entre 2017 e 2021 e os números de 2022, já descontados os repasses para Estados e prefeituras, observa-se um salto de 131,74%. Nesse exercício, a receita líquida daqueles cinco anos havia se aproximado de R$ 84,712 bilhões, escalando para R$ 196,311 bilhões, num ganho de R$ 111,599 bilhões.
  • Se descontado esse ganho e supondo uma receita próxima à média dos cinco anos anteriores, o resultado primário de 2022 teria sido negativo em R$ 52,863 bilhões, frente ao superávit de R$ 58,736 bilhões efetivamente observado no ano passado, a valores de junho deste ano. Essas receitas não recorrentes, ou seja, que tendem a não repetir igual desempenho ao longo do tempo, foram decisivos na construção do resultado primário de 2022, por conta da alta nos preços das commodities e principalmente do petróleo e do minério de ferro. A política econômica do ministro dos paraísos fiscais teve praticamente influência nula sobre aqueles resultados.