Renda disponível recua em junho e famílias perdem R$ 14,1 bilhões

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 08 de agosto de 2023

Embora a inflação tenha anotado forte desaceleração nos últimos meses, a renda das famílias passou a experimentar taxas cada vez mais baixas de crescimento, chegando a registrar que entre o primeiro e o segundo trimestres deste ano, nos dados apurados pelo Banco Central (BC), que adota o conceito de Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias (RNDBF). Nessa medida, a renda familiar baixou de R$ 611,475 bilhões na média do primeiro trimestre deste ano para R$ 597,357 bilhões no trimestre encerrado em junho, em valores atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e ajustados sazonalmente (quer dizer, desconsiderando-se fatores que se repetem nos mesmos períodos de cada ano e que podem distorcer comparações).

Naquela comparação, portanto, a renda familiar disponível anotou baixa de 2,31% em termos reais, já descontada a inflação, o que correspondeu a uma perda em torno de R$ 14,118 bilhões entre os dois primeiros trimestres deste ano. Os números do BC mostram ainda uma tendência de perda de rimo no crescimento da renda em relação a períodos idênticos do ano passado, resultado de variações nominais igualmente decrescentes, dada a tendência de acomodação dos preços e mesmo de inflação levemente negativa (queda dos preços, na média) no setor de alimentos e bebidas, que respondem por uma fatia proporcionalmente mais elevada do orçamento das famílias de renda mais baixa.

O conceito trabalhado pelo BC inclui salários recebidos pelos trabalhadores, rendas geradas pelo aluguel de imóveis, juros e rendimentos líquidos de aplicações financeiras e outras formas de investimento, dividendos e lucros distribuídos pelas empresas, aposentadorias, pensões, abono e seguro desemprego, benefícios de prestação continuada, Bolsa Família e outros benefícios de assistência social. Esses valores são descontados de impostos que incidem sobre a renda e o patrimônio das famílias (a exemplo do IPTU), contribuições pagas à Previdência e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outras transferências de renda das famílias para outras instituições e para o exterior.

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Desaceleração

Tomando períodos idênticos do ano passado, o ritmo de avanço da renda disponível das famílias tem perdido fôlego num período mais recente, coincidindo com a volta de certo crescimento na informalidade e no número de servidores sem carteira no setor público (categoria que não entra na estimativa da informalidade feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em geral, a informalidade tem sido associada a rendimentos médios mais baixos do que no setor formal, até por envolver a contratação de trabalhadores de menor qualificação e menos experiência. O rendimento familiar trimestral disponível bruto crescia a uma velocidade de 11,63% em janeiro deste ano, frente ao primeiro mês do ano passado, já descontada a inflação. A taxa de variação recuou para 9,65% no trimestre finalizado em fevereiro e continuou perdendo intensidade na sequência.

Balanço

  • Ao final do primeiro trimestre deste ano, o crescimento foi reduzido para 8,44% e fechou o segundo trimestre com elevação de 4,49%. Em termos nominais, sem descontar a inflação, a variação saiu de 17,90% em janeiro para 8,58% em junho.
  • Houve uma aceleração ao longo do segundo semestre do ano passado, agora considerando a evolução trimestre móvel a trimestre móvel. Entre março e junho, a renda havia avançado 1,38% em termos reais, crescendo 1,49% de junho para setembro e mais 3,96% no trimestre final de 2022.
  • Ao longo do primeiro semestre, na mesma base e apenas para corroborar a tendência mais recente, a renda disponível bruta passou a avançar 1,38% na passagem do quarto trimestre do ano passado para o terceiro trimestre deste ano, saindo de quase 4,0% no trimestre anterior, como visto.
  • Na comparação com o trimestre encerrado em fevereiro de 2020, período imediatamente anterior ao início da pandemia no País, a renda apresentava, em junho deste ano, variação real de 2,22%, passando de R$ 584,405 bilhões para R$ 597,357 bilhões. Esse crescimento havia alcançado 4,63% se considerados os rendimentos recebidos pelas famílias no trimestre terminado em março deste ano, o que mais uma vez reforça a tendência de desaceleração.
  • Em termos nominais, a renda disponível bruta acumulada em 12 meses variou em torno de 14,20% comparando os períodos encerrados em junho do ano passado e o mesmo mês deste ano, saindo de R$ 6,159 trilhões para R$ 7,033 trilhões, num avanço correspondente a R$ 874,409 bilhões. Esse incremento, como sugerem os dados trimestrais, reflete o melhor desempenho anotado entre o final de 2020 e os primeiros meses deste ano.
  • De toda forma, essa evolução ajudou a reduzir ligeiramente o endividamento bruto. Considerando o saldo total do crédito ampliado contratado pelas famílias, que cresceu de R$ 3,146 trilhões para R$ 3,529 trilhões entre junho do ano passado e o mesmo mês deste ano, significando uma variação de 12,17%. O estoque da dívida ampliada passou a corresponder a 50,2% da renda disponível, diante de 51,1% há um ano.
  • Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), na estimativa do BC, o crédito ampliado avançou de 33,6% em junho de 2022 para 34,2% ao final do primeiro semestre deste ano, já que a variação nominal do produto foi menor do que aquela observada para o estoque do crédito ampliado. Para comparar, o PIB projetado pelo BC para o período de 12 meses encerrado em junho do ano passado teria alcançado R$ 9,352 trilhões, subindo para pouco menos de R$ 10,319 trilhões nos 12 meses seguintes, variando 10,3%.
  • As estatísticas de operações de crédito do BC permitem estimar o tamanho da despesa com juros das famílias. A taxa média de juros para pessoas físicas, considerando o crédito contratado nos segmentos livre e direcionado do mercado financeiro, elevou-se de 33,1% para 37,6% entre junho do ano passado e o mesmo mês deste ano. O estoque da dívida das famílias com o sistema financeiro cresceu 12,8% no mesmo intervalo, saindo de R$ 2,916 trilhões para R$ 3,289 trilhões.
  • Num cálculo aproximado, a despesa com juros saltou 28,1% naquela mesma comparação, quase duas vezes mais do que o ritmo de alta registrado pela renda disponível das famílias, saindo de R$ 965,2 bilhões para R$ 1,237 trilhão em 12 meses. Comparada à renda bruta disponível, a valores ainda nominais, a despesa com juros teria consumido 17,6% daqueles rendimentos, diante de 15,7% em junho do ano passado. O BC considera dados trimestrais dessazonalizados e estima um avanço da renda comprometida com juros e amortizações de 26,2% para 28,1% entre maio de 2022 e igual mês deste ano.