Queda na procura por emprego “esconde” desemprego mais alto

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 22 de junho de 2023

As mudanças no mercado de trabalho determinadas pela “grande recessão” que abateu a economia global entre 2014 e 2016, com efeitos evidentes aqui dentro, na descrição do economista Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), e mais tarde pela pandemia parecem assumir um caráter mais duradouro, o que estaria de certa forma camuflando o cenário real da ocupação e do desemprego num período mais recente. A força de trabalho, resultado da soma entre o número de pessoas ocupadas e o total de desempregados em busca de colocação no mercado, voltou a recuar desde o segundo trimestre do ano passado, depois de ter chegado ao fundo do poço no trimestre encerrado em julho de 2020, por conta da pandemia.

O dado mais atual mostra que a força de trabalho virtualmente não saiu do lugar desde o trimestre entre agosto e outubro de 2019. As oscilações nesta área vieram acompanhadas de uma tendência renovada de crescimento da população fora da força de trabalho, que simplesmente parece ter desistido de procurar emprego, deixando a taxa de desemprego enganosamente mais baixa. Uma das consequências dos movimentos em curso no mercado de trabalho tem sido a redução na chamada “taxa de participação”, que reflete a relação entre a força de trabalho e a população total com 14 anos ou mais de idade (ou seja, a população em idade ativa, na classificação definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE).

Efeitos em cadeia

Continua após a publicidade

“A redução da taxa de participação representa menor contingente de pessoas trabalhando ou buscando ocupação, e como tal é um fator negativo para o crescimento do PIB. Adicionalmente, para um mesmo número de pessoas ocupadas, a taxa de desemprego torna-se mais baixa quando cai a taxa de participação”, escreve Schymura, em artigo publicado na edição mais recente da revista Conjuntura Econômica, da FGV. Mais do que “atrapalhar a leitura da taxa de desemprego como termômetro da geração de empregos pela economia”, observa ainda, a menor participação de trabalhadores no mercado “pode também reduzir os efeitos benéficos, em termos de PIB e de bem-estar das famílias, de melhoras no funcionamento do mercado de trabalho”. Com base nos resultados de estudo desenvolvido pelos economistas Fernando Veloso, Fernando de Holanda Barbosa Filho, Janaína Feijó e Paulo Peruchetti, do Ibre/FGV, Schymura mostra ainda que a queda na taxa de participação “atinge sobretudo a população de menor renda e escolaridade”.

Balanço

  • A taxa de participação atingiu seu nível mais elevado na série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), do IBGE, no trimestre de agosto a outubro de 2019, quando atingiu 63,8%. Na pandemia, desbabou para um recorde negativo de 56,7% no trimestre maio a julho de 2020 e vinha se recuperando desde lá, alcançando a marca de 62,7% em julho-setembro do ano passado. Mas voltou a cair no começo deste ano, chegando a 61,6% no primeiro trimestre, recuando para 61,4% no trimestre finalizado em abril passado.
  • No exercício contrafactual desenvolvido por Fernando Veloso, Fernando de Holanda Barbosa Filho, Janaína Feijó e Paulo Peruchetti, descreve Schymura, caso a taxa de participação tivesse se mantido em torno de 63,4%, média observada em 2018 e 2019, a taxa de desemprego, medida em 8,8% pela PNADC no primeiro trimestre deste ano, estaria em 11,4%, ou seja, quase 30% mais elevada.
  • Numa segunda hipótese, considerando que a população economicamente ativa, na soma de ocupados e desocupados, tivesse seguido a tendência de crescimento identificada em sua trajetória histórica, a taxa de desemprego seria ainda mais elevada, aproximando-se de 12,1% (praticamente 37,5% mais alta).
  • “Com a taxa de participação fixa em 63,4%, há um acréscimo (contrafactual, evidentemente) de 3,2 milhões de trabalhadores na força de trabalho no primeiro trimestre de 2023. E com a PEA seguindo sua tendência de crescimento até o primeiro trimestre deste ano, o acréscimo subiria para 4,1 milhões de trabalhadores”, anota Schymura. Isso significa que o total de desempregados estaria mais próximo de 13,5 milhões de pessoas ao final do primeiro trimestre, quase 43,5% mais elevado do que o número efetivamente identificado pela PNADC, que apontou 9,432 milhões de desocupados no período.
  • O mesmo grupo de pesquisadores do instituto, menciona o diretor do Ibre, constata uma tendência de mais longo prazo de queda na participação dos trabalhadores com baixa escolaridade e de renda mais baixa, muito provavelmente associada às sequelas geradas pela pandemia, embora arrisquem, numa especulação ainda não sustentada por dados, que aquele movimento poderia estar relacionado em alguma dimensão ao aumento do benefício do Bolsa Família nos últimos meses de 2022 (quando o programa ainda ganhava o nome de Auxílio Brasil, antes de retomar sua denominação original).
  • Olhando o longo prazo, no entanto, a especulação sugerida pelos pesquisadores exigirá novos e mais profundos estudos. Conforme os dados da PNADC, trabalhados pelos mesmos autores, conforme registra Schymura, “desde 2012, o grupo que mais reduziu a taxa de participação foi o ‘sem instrução e fundamental incompleto’, que caiu de 49,8% para 41,2%”.
  • Num período mais recente, tanto entre o quarto trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2023 e entre o terceiro trimestre de 2022 até o primeiro trimestre de 2023, o grupo com ‘fundamental completo e médio incompleto’ anota a maior queda.
  • As perspectivas mais imediatas para o mercado de trabalho tendem a piorar daqui em diante com a decisão tomada ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa básica de juros em absurdos 13,75%. Mais grave: o colegiado não sinalizou qualquer movimento de revisão dos juros em sua próxima reunião, prevista para os dias 1° e 2 de agosto, quando dois terços do ano já terão ido.