Sob impacto dos juros escorchantes, atividade econômica ainda patina

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 21 de junho de 2023

Os principais indicadores da atividade econômica em abril vieram num tom mais negativo do que nos meses anteriores, sinalizando uma tendência de desaquecimento da economia como reflexo direto da política de juros escorchantes adotada desde meados de março de 2021 pelo Banco Central (BC). O esfriamento da economia, na verdade, já era aguardado e deveria estar contabilizado nas projeções, lembrando que os dados do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre foram influenciados preponderantemente pela colheita recorde de soja e, como coadjuvante, pela primeira safra de milho, conforme mostraram os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As estatísticas mais recentes do mesmo IBGE mostraram recuo de 0,6% na produção industrial na passagem de março para abril, com queda de 1,6% para os serviços na mesma comparação, enquanto as vendas do comércio varejista tradicional praticamente não saíram do lugar. No chamado varejo ampliado, que inclui concessionárias de veículos e motos, lojas de autopeças e de materiais de construção e, mais recentemente, também o atacado de alimentos, bebidas e fumo, além de todo o comércio exclusivamente varejista, as vendas sofreram baixa de 1,6%.

A produção industrial, numa tendência já recorrente, conseguiu avançar em um único mês desde janeiro, com variação de 1,0% em março frente ao mês anterior. Parte desse avanço, no entanto, foi devolvida já no mês seguinte, quando a atividade industrial anotou queda de 0,6% na comparação com março. Há anos o setor enfrenta notórias dificuldades para engrenar um ritmo mais sustentado de crescimento e continua apresentando oscilações mês a mês, alternando resultados menos ruins e outros notoriamente negativos.

Continua após a publicidade

O fator soja

Refletindo o conjunto de indicadores disponíveis até aqui, o Monitor do PIB-FGV, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) sob coordenação da economista Juliana Trece, registrou queda de 1,2% na atividade econômica na saída de março para abril, já com ajuste sazonal (quer dizer, descontados eventos como feriados e outros fatores que sempre ocorrem nos mesmos períodos de cada ano e que, por esse mesmo motivo, podem prejudicar uma comparação mais acurada dos indicadores mês a mês). Conforme Juliana, a retração observada “mostra um efeito já esperado”, considerando-se o “desempenho econômico em fevereiro e março foi muito elevado devido à produção de soja”, já que a colheita do grão se concentra de forma mais acentuada no primeiro trimestre do ano. Na sua leitura, “a queda em abril sinaliza apenas que a colheita de soja tende a ser menor a partir do segundo trimestre”. O mesmo motivo recomenda cautela na avaliação dos números do PIB no primeiro trimestre, quando chegou a ser anotado crescimento de 1,9% em relação ao trimestre final de 2022, impulsionado principalmente pela agropecuária (e mais especificamente pela soja).

Balanço

  • Pode parecer uma visão mais animadora das perspectivas em vista para a economia, mas nem tanto. “Apesar de toda essa volatilidade característica da agropecuária estar sendo refletida em toda a atividade econômica, os desafios do País continuam sendo os mesmos. Os juros elevados e o menor fôlego esperado para o setor de serviços, em comparação ao ano passado, ainda são os principais entraves para a economia”, complementa a economia, em nota distribuída pela assessoria do Ibre/FGV.
  • Comparado aos mesmos períodos do ano passado, o monitor da fundação indica avanço de 3,0% para a atividade econômica em abril, com avanço de 3,8% no trimestre encerrado em abril deste ano frente aos mesmos três meses de 2022. A comparação trimestral segue influenciada pelo desempenho da agricultura, mesmo motivo que levou o PIB a superar previsões no trimestre inicial de 2023.
  • Ao analisar os diversos componentes da demanda (consumo dos governos, consumo das famílias e investimentos), a equipe coordenada por Juliana prefere acompanhar a série trimestral numa comparação com idêntico intervalo do ano imediatamente anterior, já que esse tipo de acompanhamento apresenta “menor volatilidade do que as taxas mensais e aquelas ajustadas sazonalmente, permitindo melhor compreensão da trajetória de seus componentes”.
  • Nessa avaliação, o consumo das famílias manteve tendência observada desde o final do ano passado, com redução na taxa de crescimento – muito embora o indicador tenha crescido 2,9% em relação ao trimestre finalizado em abril de 2022. “O consumo de serviços é o principal componente a explicar essa tendência declinante; mesmo sendo o componente do consumo que mais cresce, tem apresentado perda de força desde o início de 2023”, registra o Ibre/FGV.
  • Os dados das contas nacionais, apurados pelo IBGE, mostram que a taxa de crescimento do consumo das famílias havia baixado de 4,3% no último trimestre do ano passado para 2,5% no primeiro trimestre deste ano, sempre na comparação com períodos idênticos do ano imediatamente anterior.
  • O investimento continua debilitado, seja por falta de perspectiva de um incremento mais relevante da demanda como um todo, seja pela forte pressão em contrário exercida pelos juros altos, que encarecem os custos financeiros e inibem decisões de investimento das empresas. A “formação bruta de capital fixo”, forma pomposa adotada nas contas nacionais para dar nome ao investimento total na economia, variou apenas 0,3% no trimestre móvel encerrado em abril deste ano, com retração de 3,1% no setor de fabricação de máquinas e equipamentos, com destaque para caminhões e ônibus, compensada pelo incremento observado para os setores de construção e “outros”.
  • Na medição do Ibre/FGV, a taxa de investimento (a relação entre os valores investidos e o PIB) ficou em 16,6% no trimestre analisado, mantendo-se na média observada desde 2015. Valor dizer, o investimento não cresce há quase uma década, o que dá a dimensão da crise enfrentada pela economia.