Racha no Copom leva ao primeiro corte nos juros básicos em 12 meses

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 03 de agosto de 2023

Rachado, por cinco votos contra quatro, o Comitê de Política Monetária (Copom), formado pela alta cúpula do Banco Central (BC), decidiu ontem finalmente iniciar o que parece ser (mas pode não ser) um ciclo de leve e modesto afrouxamento na política de arrocho monetário. O colegiado anunciou a redução da taxa básica de juros de 13,75% para 13,25%, correspondendo a uma estrondosa queda de meio ponto percentual, o que mantém a taxa real de juros, descontada a inflação acumulada em 12 meses até 15 de julho deste ano, em 9,75%. Considerada a inflação projetada pelo próprio Copom para este ano, na faixa de 4,90% e ligeiramente acima das apostas do mercado financeiro, os juros em termos reais estariam bem próximos de 8,0% ao ano.

A diferença, evidentemente, não é grande e a mudança de tom na nota divulgada pelo comitê parece refletir a entrada dos dois novos membros na direção do órgão, indicados pelo governo – os economistas Ailton de Aquino Santos, funcionário de carreira do BC e primeiro negro a assumir um posto de direção no banco em seis décadas, e Gabriel Golípolo, que exerceu o cargo de secretário executivo do Ministério da Fazenda nos primeiros meses do atual governo. Se houve surpresas, ela veio sob a forma do voto de desempate do presidente do BC, Roberto Campos Neto, em favor da redução dos juros em meio ponto percentual.

Não poderiam faltar “alertas”, sempre em tom melodramático para não fugir à rotina da comunicação adotada pelo Copom desde sempre. “A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento e por expectativas de inflação com reancoragem parcial”, adverte o comitê, “demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”. Mais adiante, o colegiado volta ao ataque: o cenário atual “reforça a necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”.

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Queda há 14 meses

Já na abertura da nota divulgada à imprensa no começo da noite, o comitê alega “incertezas” no ambiente internacional, decorrentes de “um ambiente marcado por núcleos de inflação ainda elevados e resiliência nos mercados de trabalho de diversos países”, a despeito de “alguma desinflação sendo observada na margem”. Em seu economês habitual, o colegiado ocupa-se de destacar que essa “desinflação” (ou redução no ritmo de alta dos preços) tem ocorrido no curtíssimo prazo, lá fora. Por isso mesmo, na leitura do Copom, “os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas”, no que parece ser uma tentativa de perseverar em sua política de juros extorsivos, intenção parcialmente frustrada ao longo da reunião iniciada no dia 1º e concluída ontem. Aqui dentro, no entanto, a “desinflação” ocorre desde maio do ano passado, quando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) havia recuado de 12,20% para 11,73% considerando as medições realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no acumulado em 12 meses, respectivamente, em 15 de maio e duas semanas depois. Desde lá, o IPCA em 12 meses anotou um tombo de 9,01 pontos percentuais, chegando a 3,19% até 15 de julho deste ano. O BC tem se aferrado aos “núcleos” da inflação, sobretudo no caso dos serviços, para manter retardar a redução dos juros básicos.

Balanço

  • Ao mesmo tempo em que alerta para possíveis riscos, o Copom ressalta o enfraquecimento da demanda doméstica, resultado óbvio do arrocho monetário perpetrado pelo próprio BC. Segundo o comitê, “o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue consistente com um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres”.
  • Ainda assim, prossegue o comitê, “antecipa-se uma elevação” da inflação acumulada em 12 meses durante o segundo semestre, lembrando que as expectativas de inflação continuariam acima da meta inflacionária. “As expectativas de inflação para 2023, 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus recuaram e encontram-se em torno de 4,8%, 3,9% e 3,5%, respectivamente”, anota ainda. Nas projeções do Copom, a inflação chegaria neste ano a 4,9% (o que se compara com 5,79% em 2022), recuando para 3,4% em 2024 e para 3,0% em 2025.
  • Propositadamente, o BC e seu colegiado omitem o fato de que a inflação mensal foi mantida em níveis artificialmente muito baixos, na verdade com taxas negativas, entre julho e setembro do ano passado, por conta da redução de contribuições e impostos federais e estaduais incidentes sobre combustíveis, energia e comunicações. 
  • Aqueles índices negativos serão agora substituídos por taxas positivas (ainda que ligeiramente positivas) no cálculo da inflação acumulada em 12 meses, fazendo o IPCA subir num efeito em boa parte meramente estatístico. Mais claramente, a elevação não será resultado de “pressões” geradas pela demanda.
  • Esse efeito altista, no entanto, pode não ser tão importante como se espera. A inflação de julho, já sob efeito da recomposição das alíquotas de tributos estatuais e federais, tende a se manter muito baixa, como sugere o recuo de 0,07% no IPCA-15 de julho. O Índice de Preços ao Consumidor Semanal, medido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), alcançou 0,07% nas quatro semanas de julho, oscilando entre zero, na primeira semana do mês, e 0,10% na taxa acumulada em 30 dias até 22 de julho (o que mostra uma desaceleração adicional na semana final do mês).
  • Numa mudança de tom, já quase no final da nota, o Copom deixa em aberto a possibilidade de novos cortes na mesma intensidade. “Em se confirmando o cenário esperado, os membros do comitê, unanimemente, anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões”, antecipa. Nesta hipótese, como estão programadas mais três reuniões do comitê (19 e 20 de setembro; 31 de outubro e 1º de novembro; e dias 12 e 13 de dezembro), a taxa básica tenderia a baixar para 11,75%, num corte adicional de dois pontos percentuais.
  • Para quem deve R$ 1,0 mil, o corte anunciado ontem significaria uma “economia” de R$ 5,00 em 12 meses, o suficiente para comprar duas esfihas e meia. Em 12 meses. A se confirmarem os próximos cortes, cada um de meio ponto percentual, a “economia” nos 12 meses seguintes chegaria a R$ 20. Daria para comprar um “combo” de 10 esfihas clássicas de uma famosa rede paulistana, assegurando o consumo de uma esfiha por mês ao longo de 10 meses. Evidentemente, considerando-se que a dívida estivesse submetida, até ontem, apenas a juros de 13,75%. Como se sabe, os juros médios para pessoas físicas em empréstimos contratados no segmento de crédito livre beiravam 59,1% ao ano em junho.