Reação da indústria ao final de 2023 ficou concentrada no setor extrativo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 03 de fevereiro de 2024

A produção industrial acumulou em dezembro avanço de 2,5% em relação a julho, no quinto mês consecutivo de crescimento na comparação com os resultados registrados nos 30 dias imediatamente anteriores, na série do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já ajustada sazonalmente – com exclusão de fatores e eventos que ocorrem sempre nos mesmos períodos todos os anos. O avanço recente, que contrasta com a estagnação observada nos meses anteriores, ficou quase inteiramente concentrada na indústria extrativa, que teve sua produção elevada em 7,3% no mesmo período, puxada principalmente pela maior extração de petróleo e minério de ferro. A indústria de transformação como um todo apresentou variação de 1,4% nos mesmos cinco meses e continua derrapando, com dificuldades maiores para os setores mais intensivos em tecnologia e, em particular, para os segmentos mais associados ao investimento produtivo.

A reação observada permitiu que o setor industrial como um todo revertesse os números negativos observados nos primeiros trimestre do ano passado, apresentando avanço de 1,1% no quatro trimestre na comparação com igual período de 2022. Para relembrar, a produção havia recuado 0,4% e 0,1% nos dois primeiros trimestres de 2023, com crescimento simplesmente zerado no terceiro trimestre. No balanço final do exercício, a produção praticamente não saiu do lugar, numa variação de apenas 0,2% diante de 2022, quando a produção havia experimentado recuo de 0,7%. 

Na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), “a estagnação da indústria brasileira em 2023, já bastante desfavorável, dada a gravidade das perdas acumuladas nas crises de 2014-2016 e da Covid-19, esconde dois resultados ainda mais adversos. Primeiro, não fosse o ramo extrativo, o desempenho teria sido negativo, pois a indústria de transformação voltou a cair. Segundo, ramos de maior intensidade tecnológica lideraram as perdas”. Em complemento, o instituto acrescenta uma nota de otimismo ao considerar que, “se bem implementada, ainda que seus objetivos sejam de longo prazo, a estratégia Nova Indústria Brasil (NIB) tem a potencialidade de evitar que este quadro continue se repetindo no País”.

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Perdas em sequência

Os dados do IBGE mostram que o setor de transformação sofreu o segundo ano de perdas em 2023, caindo 1,0% na comparação com o ano anterior, período em que a produção havia recuado 0,4%. O histórico recente do setor não chega a entusiasmar. Antes da pandemia, em 2019, a produção nesta área anotou variação de 0,2% em relação a 2018 para mergulhar em baixa de 4,6% em 2020, como resultado das medidas de distanciamento adotadas no País numa tentativa de conter o avanço do vírus do Covid-19. O avanço de 4,3% alcançado em 2021 sequer conseguiu repor as perdas anteriores. Com as perdas realizadas em 2022 e 2023 nesta área, a indústria de transformação não conseguiu retomar os níveis observados antes da pandemia, com o volume produzido no ano passado mantendo-se ainda 1,7% menor do que em fevereiro de 2020. A indústria como um todo conseguiu finalmente, em dezembro do ano passado, avançar 0,7% sobre aquele mesmo mês, graças especificamente ao salto de 13,1% anotado pela indústria extrativa.

Balanço

  • A melhoria nos indicadores industriais, ainda centralizada no setor de extração mineral, não foi ainda suficiente para que a produção voltasse a experimentar seus melhores números e, neste caso, sem exceções. A começar pela indústria extrativa, que ainda estava, em dezembro passado, nada menos do que 10,5% abaixo dos níveis de abril de 2015, quando havia anotado seu melhor desempenho na série histórica.
  • A indústria em geral experimentou seu melhor momento em maio de 2011 e, desde lá até dezembro de 2023, sofreu uma perda acumulada de 16,3%, com a retração chegando a 12,4% para o setor de bens intermediários no mesmo intervalo. A indústria de bens duráveis encolheu nada menos do que 39,2% entre março de 2011 e dezembro passado, com tombo de 13,1% para o segmento de semiduráveis e não duráveis, considerando, neste caso, o pico histórico atingido em junho de 2013.
  • Todo o setor de bens de capital, que fabrica máquinas e equipamentos utilizados pelo restante da indústria, pela construção civil e pelo agronegócio, sofreu perda de 38,7% entre abril de 2013 e dezembro passado. O dado mostra as dificuldades que o investimento tem enfrentado nos últimos anos, mantendo níveis insuficientes para financiar a renovação, atualização e modernização da infraestrutura e de toda a estrutura industrial.
  • No curto prazo, além do setor extrativo, destaca o IBGE, a indústria de produtos alimentícios chegou a acumular expansão de 9,1% “em seis meses consecutivos de crescimento” na série dessazonalizada, encerrando o ano com elevação de 3,7%. O instituto anota ainda que o setor de confecção de artigos do vestuário e acessórios avançou 14,5% na passagem de novembro para dezembro, crescendo ainda 6,4% diante do último mês de 2022, mas encerrou 2023 com retração de 7,0%.
  • “Embora incipientes”, aponta o Iedi, “podiam ser notados”, no final de 2023, “ventos a favor de um desempenho mais robusto na indústria”, ainda que “muito deste crescimento deva-se ao avanço expressivo de bens de consumo duráveis” (que cresceram 6,3% entre novembro e dezembro, mas avançaram apenas 1,2% em todo o ano passado). De toda forma, aponta o Iedi, “a perspectiva de redução das taxas de juros dos financiamentos [num ritmo angustiantemente lento], a inflação sob controle e o desemprego em baixa criam condições para um dinamismo superior da indústria em 2024”.
  • Na visão do instituto, àqueles fatores somam-se “os efeitos potenciais de políticas públicas recentemente adotadas, a exemplo dos programas de transferência de renda e do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com capacidade de gerar demanda ao setor industrial, mas também de melhorar suas condições de produção, por meio de ganhos de escala, da ocupação de capacidade instalada e retomada do investimento e da redução de gargalos em infraestrutura”. Completam o cenário mais otimista antevisto pelo Iedi a aprovação recente da reforma tributária e o lançamento do programa Nova Indústria Brasil (NIB).
  • “Sem bem implementado”, acrescenta o Iedi, referindo-se ao NIB, “poderá promover a modernização do setor (industrial) no País e sua agregação de valor, potencializando sua contribuição para o enfrentamento dos desafios sociais contemporâneos: maior sustentabilidade dos processos produtivos, redução da emissão de gases de efeito estufa, geração de empregos de qualidade, inclusive por meio da diversificação de serviços conexos a atividades industriais de maior intensidade tecnológica, resiliência de cadeias essenciais à segurança nacional, entre outros temas presentes nas principais estratégias industriais em adoção no mundo”.