Recaída da inflação teve pouco (ou quase nada) a ver com a demanda

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 17 de março de 2023

O ritmo de alta dos preços em geral voltou a experimentar alguma aceleração nas primeiras semanas de março, conforme indica o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) medido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), ao mesmo tempo em que os preços no atacado continuavam a demonstrar tendência de baixa – ainda que essa redução venha perdendo intensidade a partir da segunda dezena de fevereiro. Em ambos os casos, as flutuações no nível dos preços parecem ter pouca ou nenhuma relação com a demanda total na economia, que por sinal vem dando mostras de perda de fôlego desde a segunda metade do ano passado. Mais claramente, falta demanda para “sancionar” movimentos de elevação nos preços de bens e serviços mais diretamente influenciados pelo consumo das famílias e das empresas.

Os principais fatores altistas na medição realizada pelo Ibre/FGV entre 16 de fevereiro e 15 de março estiveram relacionados principalmente a preços de produtos e serviços não influenciados pela demanda, mas sujeitos ao controle ou determinados pelo setor público. O IPC-S já havia avançado de 0,34% no fechamento de fevereiro para 0,48% nas quatro semanas encerradas no dia 7 de março e subiu para 0,61% na coleta de preços realizada entre 16 de fevereiro e 15 de março. A elevação na quadrissemana mais recente foi influenciada pelos aumentos da gasolina, da tarifa de energia residencial e dos planos e seguros de saúde – todos setores regulados pelo poder público.

A gasolina, que havia apresentado variação de 1,60% na quadrissemana encerrada em 7 de março, disparou na quadrissemana seguinte, passando a acumular um aumento de 4,38%. A tarifa média de energia chegou a recuar 0,14% em 30 dias terminados na primeira semana deste mês, mas reverteu a baixa e passou a subir 1,32% até o final da primeira quinzena de março. A virada de sinal em um prazo tão curto (uma semana, em tese), considerando que o cálculo da variação considera os valores médios pagos pelos consumidores, sugere que a alta tende a prosseguir nas próximas medições. O custo médio dos planos e seguros de saúde, por seu turno, manteve a mesma taxa de 1,11% registrada na primeira quadrissemana do mês e, portanto, continuou pressionando o IPC-S para cima.

Continua após a publicidade

“Descasamento”

Tanto nos momentos de variação positiva, quanto durante os períodos de desinflação (redução na taxa de variação dos preços médios na economia), o que se verifica é que os preços ao consumidor não chegaram a repassar integralmente as altas ocorridas no mercado atacadista e em raros momentos, desde 2019, a inflação ao consumidor chegou a superar o índice de preços no atacado. Em outubro de 2019, considerando a variação acumulada em 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor 10 (IPC-10), aferido entre 11 de novembro de 2018 e 10 de outubro de 2019, havia variado 3,07% diante de uma elevação de 2,75% acumulada em igual período pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo 10 (IPCA-10). O índice ao consumidor responde por 60% do Índice Geral de Preços 10 (IPG-10), com participação de 30% para o IPA-10.

Balanço

  • Essa discrepância voltou a ser verificada mais recentemente. Tomando igualmente períodos de 12 meses, o IPA-10 ficou negativo em 0,52% até 10 de março deste ano, enquanto o IPC-10 anotou aumento de 4,64%. É preciso registrar que os preços ao produtor (que pode ser uma indústria, por exemplo) haviam escalado 49,03% em 12 meses até 10 de junho de 2021, período em que a inflação ao consumidor, nessa medida do Ibre/FGV, anotou variação de 8,12%.
  • Desde lá até à pesquisa mais recente, referente a março deste ano, o índice ao produtor sofreu tombo de 49,55 pontos percentuais, diante de um recuo de 3,48 pontos na taxa de inflação ao consumidor. Na fase de arranque dos preços, na onda da escalada dos preços das commodities no mercado internacional, com saltos para os preços do petróleo, do minério de ferro, commodities metálicas em geral e para os grãos, a partir do final de 2019, o IPA-10 saiu de 2,75% para 49,03% entre outubro de 2019 e junho de 2021, sempre a taxas acumuladas em 12 meses, como já anotado.
  • A alta havia correspondido a uma elevação de 46,28 pontos percentuais, o que significa dizer que a queda observada desde então chegou a ser mais intensa do que a escalada anterior.
  • Também entre outubro de 2019 e junho de 2021, o IPC-10 observou elevação de 5,05 pontos percentuais, passando a baixar 3,48 pontos até a medição concluída em 10 de março deste ano – vale dizer, o processo de desinflação não foi ainda suficiente para “compensar” a alta acumulada pelo índice no período entre o fim de 2019 e o primeiro semestre de 2021.
  • A redução nos preços ao produtor, ainda nas taxas em 12 meses, vem sendo influenciada largamente pela redução de 6,77% nos preços das matérias primas brutas entre 11 de março do ano passado e 10 de março deste ano, puxadas para baixo mais especialmente pelos preços dos produtos agropecuários, que anotaram baixa de 4,56%.
  • Entre 11 de fevereiro e 10 de março, o IPA-10 recuou 0,07%, acumulando baixa de 0,27% no ano. Dentro do mês, a tendência de retração nos preços registrou a contribuição de fatores novamente pouco relacionados à demanda doméstica. As principais quedas vieram da batata inglesa (-15,8%, relacionado a variações na oferta do produto); do óleo diesel (-8,72% como decorrência de reduções de preços nas refinarias determinadas pela Petrobrás); do óleo de soja bruto (-8,33%, influenciado pelo mercado internacional e pela perspectiva de safra recorde da soja em grão); dos bovinos (-2,66%, relacionado ao bloqueio às exportações desde a descoberta do caso de vaca louca em Marabá); e da soja em grão (-2,45% numa redução também relacionada à colheita histórica).