Renda do trabalhador cai e patrimônio dos ricos avança

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 19 de fevereiro de 2022

A repetição do título da coluna publicada no final de setembro do ano passado é proposital porque o cenário continua o mesmo. Na verdade, agravou-se, com alargamento do fosso entre os donos da grana no País e aqueles que tentam sobreviver às custas do próprio salário, de suas aposentadorias, pensões ou de outras transferências de renda asseguradas por políticas públicas. O relançamento a partir de abril do ano passado do cassino dos juros pela equipe econômica, com sua deslavada incompetência para enfrentar as grandes questões na economia e sua vocação para a promoção de “negócios especiais” entre amigos da corte, como desnuda o processo de privatização da Eletrobrás, tem produzido mais iniquidades, com agravamento da concentração da renda e das riquezas num país já extremamente desigual.

Os dados brutos, trabalhados neste espaço, são do Banco Central (BC), que divulga mensalmente a posição de todos os haveres financeiros estacionados em bancos, corretoras e demais instituições do mercado, mas não inclui integralmente o dinheiro movimentado pelas bolsas de valores. A autoridade monetária calcula, igualmente, mas com defasagem de quase três meses, a massa salarial ampliada disponível, que inclui salários, aposentadorias, pensões, pagamentos do programa Bolsa Família e benefícios de prestação continuada, descontados o Imposto de Renda recolhido na fonte e as contribuições para a Previdência.A trajetória daqueles dois indicadores é um retrato quase perfeito e acabado da situação econômica e social no País nesses tempos tenebrosos.

A massa salarial disponível chegou a ensaiar uma reação pífia desde fevereiro do ano passado, em valores apenas nominais, mas continua correndo atrás da inflação, quer dizer, continua perdendo para a alta dos preços em geral. Já os tais haveres financeiros entraram em aceleração a partir de março de 2020, buscando os ganhos fáceis e amplos assegurados pelo cassino dos juros. Em dezembro do ano passado, o saldo dessa “riqueza financeira” atingiu R$ 8,899 trilhões, representando 102,59% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todos os produtos e serviços gerados pela economia brasileira. A massa salarial ampliada disponível, nos 12 meses finalizados em novembro do ano passado, ficou limitada a R$ 3,529 trilhões, algo como 41,03% do PIB, considerando as estimativas do BC.

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Salto na pandemia

A diferença é que, desde o começo da pandemia, a “riqueza financeira” disparou, mas a renda murchou, em termos reais e também como proporção do PIB. Em fevereiro de 2020, o saldo dos haveres financeiros, somando o dinheiro estacionado nas cadernetas de poupança, investimentos em títulos privados e federais e aplicações em quotas de fundos de investimento, havia alcançado R$ 6,806 trilhões, representando 93,05% do PIB. Isso significa que, ao longo dos 22 primeiros meses da pandemia, os haveres experimentaram crescimento nominal de 30,76%, num incremento de 11,4% em termos reais, considerando a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aferido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Balanço

  • A fatia no PIB da massa salarial ampliada e disponível para bancar as demais despesas do povão correspondei, em fevereiro de 2020, a 47,32%, com a renda somando R$ 3,461 trilhões em números não atualizados pelo IPCA. Portanto, a relação entre renda e PIB encolheu algo como 6,29 pontos de porcentagem. Para os donos da grana, a fatia de suas riquezas aplicada em papéis públicos e privados apresentou elevação de 9,54 pontos quando comparada ao PIB.
  • Sempre em valores nominais, entre novembro de 2020 e o mesmo mês do ano passado, o PIB teria registrado variação de 15,94% (sem descontar a variação dos preços), enquanto a massa salarial avançou modestíssimos 5,67%. Em termos reais, no mesmo intervalo, a massa salarial encolheu quase 1,0%. Parece pouco, mas o problema é que o resultado reflete um processo continuado de perdas. Comparada a fevereiro de 2020, a renda anotou um tombo de 6,32% em termos reais (descontado o IPCA), encolhendo de R$ 3,944 trilhões para R$ 3,695 trilhões a valores de novembro do ano passado.
  • A dimensão de ganhos e perdas fica mais nítido quase se considera que o saldo dos haveres financeiros, em números atualizados pela inflação, observou acréscimo de R$ 1,087 trilhão entre fevereiro de 2020 e dezembro do ano passado. A massa de renda das famílias, ao contrário, sofreu perda real de R$ 249,104 bilhões desde fevereiro de 2020 a novembro de 2021.
  • Em função da aceleração dos preços no segundo semestre do ano passado, o PIB nominal passou a registrar aceleração mais intensa (mas, não custa destacar, por mero efeito da alta da inflação sobre os preços dos bens e serviços produzidos no País). Isso fez com que a relação entre haveres financeiros e o PIB passasse a experimentar retrocesso modesto, depois de subir de 104,52% para 105,39% do PIB entre dezembro de 2020 e março de 2021, para fechar o ano naqueles 102,59%. Isso não torna menos válido o argumento do descasamento entre “riqueza financeira” e renda das famílias. Até porque a relação entre renda e PIB baixou de 45,02% em novembro de 2020 para 43,07% em março de 2021 e daí para os 41,02% registrados em novembro passado.