Rendimentos isentos saltam 85%, favorecendo os super-ricos no País

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 16 de janeiro de 2024

O valor total dos rendimentos isentos de tributação experimentou um salto de nada menos do que 85,17% entre os exercícios de 2016 e 2021, conforme dados consolidados pela Receita Federal com base nas declarações do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) entregues respectivamente em 2017 e 2022. Em dados nominais, sem correção, os rendimentos isentos dispararam de R$ 921,894 bilhões para pouco mais de R$ 1,713 trilhão, correspondendo a um aumento real de 44,6%, descontada a inflação aferida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os dados recentemente divulgados pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Fazenda, reunidos no Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira, mostram que os rendimentos isentos responderam em 2022 (ano-base 2021) por 68,7% dos rendimentos totais daquelas pouco mais de 3,84 mil pessoas incluídas entre os super-ricos no País. Num retrato aproximado da iniquidade, já que apenas 35,6% da população economicamente ativa declararam o IRPF naquele ano, algo como 38,4 milhões de brasileiros, aqueles super-ricos concentraram perto de 11,9% da renda total e estiveram sujeitos a uma alíquota efetiva de 1,76%.

Proporcionalmente, os super-ricos, embora detenham uma renda média mensal de R$ 4,136 milhões, pagaram o mesmo imposto recolhido por aqueles colocados entre os 44% de renda mais baixa. Nominalmente, alíquota do IRPF varia entre 7,5% e 27,5% e deveria, em tese, promover alguma justiça fiscal, cobrando mais de quem tem maior poder para pagar mais. Na prática, a montanha de isenções e deduções autorizadas pelo sistema tributário brasileiro no caso do Imposto de Renda torna a cobrança desigual e injusta, penalizando as faixas de renda mais baixa e privilegiando, portanto, os muito, mas muito ricos.

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Realidade paralela

Em outra comparação, nada menos do que 69,3% dos rendimentos auferidos pelos mais ricos incluídos entre 0,1% dos declarantes do IRPF, são isentos de impostos, proporção que chega a 68,7% entre os muito mais ricos ainda, que representam 0,01% do total de declarantes. Entre 2016 e 2021, a cada R$ 100 acrescidos aos rendimentos totais, em torno de R$ 43,60 vieram do aumento dos rendimentos sob isenção, o que agravou as distorções de renda num sistema tributário na prática já regressivo. A tal “progressividade”, caraterizada precisamente pelo fato de cada um contribuir de acordo com sua capacidade de pagamento, só se verifica, de acordo com o relatório da SPE, entre contribuintes de rendimentos proporcionalmente menores do que o topo da pirâmide, ocupada pelos super-ricos, que vivem uma realidade paralela. 

Balanço

  • O crescimento dos rendimentos isentos foi liderado pelo avanço mais do proporcional das isenções concedidas a lucros e dividendos distribuídos no País, que representaram 35,5% do total de rendimentos isentos. A massa de lucros e dividendos, que beneficiam aqueles de renda mais elevada em sua maioria, aumentou nada menos do que 115,78% entre 2016 e 2021, saltando de R$ 281,562 bilhões para R$ 607,560 bilhões – um aumento real de 67,9% a valores de dezembro de 2021.
  • Os rendimentos totais, incluindo tributáveis, sujeitos à tributação exclusiva (como o 13º salário) e isentos, cresceram em proporção menor, numa variação nominal de 61,1% naquele mesmo intervalo, saindo de R$ 2,968 trilhões para R$ 4,782 trilhões. Os rendimentos com isenção elevaram sua participação no total de 31,06% para 35,82% (com peso maior em benefício dos mais ricos, como visto).
  • Em mais um cálculo da SPE, em 2022 (ano base 2021), a metade dos contribuintes de renda mais baixa respondeu por 6,0% do total de rendimentos isentos, com a participação elevando-se para 44,3% entre o 1,0% mais rico. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas geradas pelo País em um ano, as isenções elevaram seu peso na economia, saindo de 14,70% para 19,01% do produto.
  • O relatório da SPE apresenta ainda um retrato aproximado da concentração de riquezas no País, que tem se agravado igualmente, até mais do que a má distribuição da renda. Descontadas as dívidas e demais ônus, a soma de bens e direitos declarados pelos contribuintes tornou-se mais concentrada nas mãos de poucos, com 58,6% em poder dos 10% mais ricos – o que significa dizer que 90% dos contribuintes detinham 41,4% das riquezas declaradas.
  • Mas a concentração é pior do que parece, já que os 5% mais ricos respondiam por 49,8% do total, enquanto os 5% mais pobres desfrutavam de 6,2%, muito abaixo da participação de 32,2% registrada em favor da faixa colocada entre 1,0% mais ricos.
  • Os números da desigualdade tributária tornam ainda mais cruéis os argumentos apresentados pelos “austericidas”, que defendem corte de despesas e enxugamento de gastos que, ao fim e ao cabo, ajudariam a melhorar a vida dos mais pobres. Se aquela montanha de isenções estivesse submetida a uma alíquota média de 7,0% de IRPF, e apenas 7,0%, seriam adicionados às receitas do governo federal algo muito próximo de R$ 120,0 bilhões, suficientes para cobrir o déficit primário projetado para este ano, na faixa de R$ 100,0 bilhões em valores aproximados.