Renúncias fiscais representam quase 45% das despesas com saúde pública

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 16 de julho de 2022

Além de ter sido submetido a um regime de emagrecimento orçamentário, parte de uma estratégia deliberadamente destinada a abrir espaço para o setor privado, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem sofrido perda de recursos por outros caminhos. O gasto tributário em saúde, aponta Carlos Octávio Ocké-Reis, pesquisador do Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea), registrou um salto de 40,9% no gasto tributário total em saúde entre 2016 e 2018, saindo de R$ 37,4 bilhões para R$ 52,7 bilhões, diante de uma variação inferior a 3,0% para os gastos do Ministério da Saúde, ambos a valores de 2018. Esse tipo de subsídio, registra ainda Ocké-Reis, não está submetido ao teto de gastos e tem crescido de forma acelerada nos últimos anos, num contexto de “desfinanciamento” do SUS, passando a representar uma fatia cada vez maior das despesas com ações e serviços públicos em saúde.

As renúncias fiscais passaram a corresponder a 44,9% do total de despesas com ações e serviços públicos em saúde, o que se compara com 31,8% em 2003 e 35,2% em 2016. Há uma iniquidade e regressividade no sistema de gastos tributários em vigor, descreve Ocké-Reis, pois 18% do total de subsídios são apropriados por apenas 1,0% entre os mais ricos. A faixa de 10% com renda mais alta concentra em torno de 86% das vantagens fiscais trazidas pelo esquema que permite deduzir despesas médicas e hospitalares da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). “Tal incentivo governamental representa um imposto não recolhido ou um gasto público não aplicado diretamente nas políticas de saúde, promovendo, entre outros, a rentabilidade do setor privado”, registra o pesquisador.

De acordo com Arthur Aguillar, diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), as deduções de despesas com planos de saúde ainda no âmbito do IRPF tornaram-se uma das fontes de maior regressividade. Os gastos tributários nesta área aumentaram quase 30,0% em termos reais entre 2016 e 2018, saltando 169% desde 2003, de R$ 4,44 bilhões para R$ 11,95 bilhões, equivalentes a 71,06% do total de deduções embutidas no IRPF.

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Alternativas

Um dos caminhos para ampliar o orçamento do SUS, sugere o diretor do Ieps, pode estar na revisão das renúncias fiscais, com definição de limites para as deduções, assim como no aumento da cobrança de impostos sobre alimentos ultrapocessados, refrigerantes, tabaco e outros itens que afetam a saúde da população e vão gerar despesas mais adiante para o SUS. Conforme Ana Maria Malik, coordenadora do FGV Saúde, os recursos destacados neste ano para o SUS serão mais uma vez insuficientes para fazer frente a toda a demanda. “Primeiro porque temos tudo o que já tínhamos nos anos anteriores, mais a pandemia do Covid-19, que ainda não acabou, e ainda todos os atendimentos e procedimentos que foram postergados nos últimos dois anos”, sustenta. A ausência ou redução dos exames de rastreio, que permitem identificar doenças mais precocemente, acrescenta novas dificuldades. “Quando você identifica (a doença) mais tarde, todo o tratamento é mais difícil, mais caro, tem menos chances de sucesso e costuma ser mais complexo”, aponta.

Balanço

  • O cenário soma-se a uma distorção histórica, que agrava as discrepâncias dentro do setor de saúde brasileiro. Embora o Brasil apresente nível de gastos muito próximos da média dos países mais desenvolvidos, com despesas ao redor de 9,59% do Produto Interno Bruto (PIB), nas estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS), das quais algo como 59,3% são destinados a apenas um quarto da população, registra Ana Maria, enquanto o SUS recebe 40,7% dos recursos para atender a praticamente 75% dos brasileiros.
  • “Deve-se considerar que o setor público não responde apenas pela assistência médica. Vimos, nesses últimos anos, a importância da vigilância sanitária e epidemiológica, do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, assim como todo o dinheiro que foi gasto para fazer as pesquisas das vacinas não caiu do céu”, argumenta Ana Maria. O gasto público em saúde no Brasil tem se mantido ao redor de 3,9% do PIB, frente a 9,1% na Alemanha, 8,1% no Reino Unido, 7,6% no Canadá, perto de 8,5% nos Estados Unidos – país onde a despesa do sistema privado supera ligeiramente 49,2% do gasto total em saúde. Na Argentina e no Chile, o setor público dispende o equivalente a 5,9% e 4,7% do PIB, respectivamente.
  • Este deve ser um ano de paralisia do sistema de saúde em função das eleições, na avaliação de Zeliete Zambon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC). No balanço dos últimos três anos, a presidente da SBMFC identifica, em linhas gerais, apenas dois únicos movimentos, nem sempre na direção mais adequada. Criada em 2019, só agora o governo, lembra Zeliete, conseguiu colocar em funcionamento a Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adasp), entidade focada na formação de médicos para a atenção primária que já nasce sob polêmica por ter caráter privado.
  • Por meio do Previne Brasil, prossegue ela, a distribuição dos recursos para a atenção primária passou a considerar apenas a população cadastrada nas unidades de saúde e foram ainda extintos os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), que permitiam incorporar profissionais de outras especialidades para dar suporte às equipes básicas da Estratégia de Saúde da Família.
  • Segundo dados do Ministério da Saúde, o programa de atenção primária registrou o empenho de R$ 23,8 bilhões em 2020 e R$ 26,5 bilhões no ano seguinte. Mas a dotação orçamentária aprovada para este ano será quase R$ 900,0 milhões menor do que os empenhos registrados em 2021, somando R$ 25,6 bilhões.
  • No acompanhamento do Ieps, o orçamento destacado para a compra de vacinas contra a Covid-19 desabou 43,5% entre 2021 e este ano, caindo de R$ 6,9 bilhões para R$ 3,9 bilhões.